Presidente interino do Peru promete respeitar calendário eleitoral
Manuel Merino, como principal autoridade do Congresso, substitui o destituído Martín Vizcarra com a promessa de um gabinete “de consenso”. País vai às urnas em abril
“Não há nada a comemorar.” Com estas palavras o deputado Manuel Merino tomou posse na manhã desta terça-feira como presidente interino do Peru no lugar de Martín Vizcarra, destituído pelo Parlamento na noite anterior depois de ser acusado pelo Ministério Público de receber subornos. Merino permanecerá no cargo até julho do ano que vem, quando deve tomar posse um novo presidente eleito nas urnas em abril. Representante do partido Ação Popular, de centro-direita, ele foi o encarregado de pilotar esta etapa da transição porque ocupa a presidência do Congresso. Prometeu respeitar o cronograma eleitoral e formar um gabinete “de consenso e unidade nacional”.
Merino participou de um movimento parlamentar que buscava destituir o mandatário desde setembro, quando uma primeira moção opositora de “vacância presidencial” por incapacidade moral não alcançou os votos suficientes. “Este Parlamento agiu respeitando o devido processo: assumimos esta responsabilidade com integridade moral e valores”, afirmou o presidente interino ao plenário após jurar “cumprir e fazer cumprir a Constituição, respeitar a liberdade de culto e a importância da Igreja Católica”.
O novo presidente interino teve um papel polêmico na primeira tentativa de destituir Vizcarra —que por sua vez se tornou presidente após a renúncia de Pedro Pablo Kuczynski, de quem era vice, em 2018. Antes daquela votação no plenário, Merino telefonou para o chefe do Estado-Maior das Forças Armadas, que preferiu não atender. Então se comunicou com o comandante da Marinha, a quem informou que o processo contra o presidente transcorreria “em calma”.
Na noite de segunda-feira, o Parlamento aprovou a destituição por 105 votos, numa medida legal, mas cercada de dúvidas e polêmicas, pois para determinar a “incapacidade moral permanente” o Congresso se baseou nos indícios de uma investigação do Ministério Público contra Vizcarra por supostos subornos que recebeu de construtoras em 2014, quando era governador do departamento de Moquegua.
A decisão do Poder Legislativo foi recebida com protestos nas ruas e panelaços nas principais cidades na noite de segunda-feira. Diante do risco de uma convulsão social, Merino afirmou, logo após tomar posse, que “os votos não foram comprados”. O político anunciou também que nomeará um gabinete de ministros de “ampla base”. Enquanto isso, os cartazes de “Merino golpista”, “Merino não é meu presidente” e “Fora, não me representa” continuam circulando entre manifestantes nos arredores do Congresso e do Palácio de Governo.
A proposta de destituir o presidente foi apresentada em 20 de outubro por 27 deputados depois que a imprensa publicou depoimentos de pessoas que queriam colaborar com o Ministério Público na investigação do suposto pagamento de subornos a Vizcarra por parte da construtora Obrainsa e sua sócia italiana Astaldi, em troca da concessão de uma obra de irrigação chamada Lomas de Ilo. Segundo as provas entregues pela acusação, o valor chegava a 281.000 dólares (1,5 milhão de reais, pelo câmbio atual). A essa quantia se somam supostos pagamentos irregulares pela construção de um hospital. Ao todo, a cifra supera os 630.000 dólares.
Quando o Congresso debateu em setembro a primeira moção de impeachment contra Vizcarra pelo suposto tráfico de influências para beneficiar um cantor amigo do mandatário em uma licitação, o Executivo apresentou ao Tribunal Constitucional uma “solicitação de competência” para que os magistrados decidissem como interpretar a cláusula de “incapacidade moral permanente”. A corte admitiu a ação e solicitou ao Congresso sua versão sobre a questão, mas este não respondeu. Por isso até agora o Tribunal não esclareceu quais situações ou fatos se encaixam na definição de “incapacidade moral permanente”.
Vizcarra rejeitou totalmente as acusações, mas respeitou o procedimento aprovado pelo Congresso e anunciou que não procurará impugnar a decisão. “Vou com a consciência tranquila, a testa erguida e o dever cumprido. Até outra oportunidade”, manifestou pelo Twitter. Vizcarra tinha assumido o cargo em 2018 em substituição a Pedro Pablo Kuczynski, que teve de renunciar ao se ver encurralado por um caso de compra de votos e pela investigação de suas relações com a empreiteira brasileira Odebrecht. Hoje se encontra sob prisão domiciliar.
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