FMI melhora previsão econômica para o Brasil em 2020, mas estima recuperação mais lenta

Segundo instituição, queda no PIB nacional deve ser de 5,8% este ano, frente à projeção anterior de 9,1%; economia deve crescer menos que o antecipado em 2021

Pessoas caminha na rua 25 de Março, no centro de São Paulo, em 10 de outubro.SEBASTIÃO MOREIRA (EFE)

“Uma ascensão longa e difícil”. Essa é a definição dada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) para a situação da economia mundial, em seu relatório trimestral World Economic Outlook, cuja edição mais recente foi divulgada na manhã desta segunda-feira. O estudo traz uma previsão positiva: a economia brasileira deve recuar menos neste ano do que o esperado anteriormente, mesmo em plena pandemia de covid-19. A entidade agora prevê queda de 5,8% em 2020, frente aos 9,1% antecipados no relatório anterior, de julho. Por outro lado, a recuperação deverá ser mais lenta que o esperado. Para 2021, a projeção agora é de um avanço de 2,8% no PIB brasileiro, frente aos 3,6% anteriores.

Os números mostram o Brasil melhor que a América Latina, cuja projeção do FMI é de queda de 8,1% para este ano. Venezuela, Peru, Argentina e Equador são os países que mais puxam para baixo essa média, com quedas de 25%, 13,9%, 11,8% e 11%. Na projeção do Fundo, porém, a retomada do continente no ano que vem será melhor que a do Brasil: a projeção é de recuperação de 3,6%.

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O Brasil segue a tendência registrada nos demais países. Para a economia global como um todo, a expectativa é de um recuo de 4,4% em 2020, frente à queda prevista anteriormente de 5,2%. Por outro lado, o avanço no próximo ano deverá ser menor, de 5,2%, enquanto a previsão anterior era de 5,4%. O valor total do PIB mundial, em 2021, deverá estar cerca de 0,6% acima daquele que era registrado em 2019, antes da pandemia. As previsões específicas para o Brasil haviam sido publicadas no início do mês em um relatório separado, mas agora foram ampliadas e colocadas dentro do contexto global.

Como o mundo inteiro, o Brasil perdeu o rumo da economia diante da pandemia com empresas de bens e serviços fechadas pelo confinamento que começou em março. Blindou, entretanto, atividades industriais de bens essenciais e exportações, assegurou crédito para grandes empresas e garantiu o auxílio emergencial que atenuou a queda mais aguda, embora o déficit público tenha ido a 9% do PIB. O auxílio de 600 reais por seis meses movimentou o varejo e reduziu o desempenho negativo.

Segundo o FMI, até agora, respostas fiscais, monetárias e regulatórias “sem precedentes” ― como os pacotes de ajuda à população e às empresas ― impediram uma repetição da “catástrofe financeira de 2008 e 2009”. No entanto, para evitar novos recuos, especialmente no caso de um novo aumento do número de casos, é “necessário que as medidas de incentivos sigam por mais tempo”, mesmo com um custo fiscal elevado ― e das pressões por uma reabertura maior. É aqui, porém, que vive o dilema da equipe econômica do ministro Paulo Guedes. Se o Governo teve capacidade de chegar até aqui menos fragilizado que outros países, agora bate cabeça ao não saber qual fórmula adotar para lidar como rombo aberto nas contas públicas por essa política de expansão emergencial. Ao mesmo tempo, com a cobrança de manter o auxílio emergencial até que o país retome um ciclo virtuoso.

Há sinais de melhora, num momento em que a pandemia parece perder parte do fôlego, com Estados, como São Paulo, entrando para a fase verde, a penúltima de restrições na pandemia. O desemprego, que hoje atinge 13,3 milhões de brasileiros, dá sinais de que começou a ceder no final de setembro, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). No final de agosto, eram quase 13,7 milhões de desempregados. Na pesquisa Focus da semana passada, divulgada nesta terça, as 100 instituições financeiras do Brasil que compõem o relatório preveem uma retomada de 3,6% no ano que vem, diante de uma queda de 5,03% neste ano.

Mais pobres, mais vulneráveis

Mas essa recuperação não é uniforme. Índia, México Coreia do Sul e Filipinas, por exemplo, seguem golpeadas pela covid-19, registrando números econômicos abaixo do esperado. Já países que tem posições geopolíticas deterioradas ou posição fiscal vulnerável ― como o próprio Brasil, além de Argentina e Rússia ― passam por um processo de rápida desvalorização de suas moedas. Neste quesito o Brasil mostra uma vulnerabilidade em relação aos demais países. O real foi a moeda que mais se desvalorizou numa lista de 30 países, segundo a Reuters.

O FMI lembra que as economias mais avançadas podem gastar uma porção maior de seu PIB nas medidas contra a covid-19, o que amplia suas chances de recuperação. Já os emergentes precisam priorizar o combate à pandemia e gastar menos em “subsídios mal calibrados”. Alguns deles deverão precisar de ajuda financeira de instituições como o próprio FMI ou outros organismos mundiais de fomento para garantirem investimento ou reestruturarem suas dívidas. A expectativa da entidade é que os níveis de dívida nacional saiam bastante elevados da crise ― embora cortes nas taxas de juros locais possam ajudar os emergentes a administrar o peso dessa elevação.

Além disso, a ampliação de uma série de incertezas deixou o quadro para 2021 mais turvo, segundo o FMI. Além da perda de mais de um milhão de vidas diante da covid-19, a pandemia deve jogar cerca de 90 milhões de pessoas na pobreza este ano, abaixo da linha de 1,9 dólar ganho por dia ― especialmente a população mais vulnerável, que está fora de empregos formais e das redes de garantias sociais dos governos, inclusive os imigrantes e os refugiados. No Brasil, especialistas debatem qual será o efeito do fim do auxílio em dezembro, quando milhões de brasileiros podem ficar desassistidos.

Também a redução no número de horas trabalhadas ao redor do mundo já equivale à perda de 400 milhões de empregos de período integral. Mulheres, especialmente aquelas com ocupações informais, foram especialmente atingidas. O FMI estima que 42% das mulheres trabalhem nos setores mais afetados pela pandemia, como os serviços, frente aos 32% de homens.

Diante disso, outro desafio apontado pelo relatório é, ao mesmo tempo, manter a economia orientada para um patamar de mais produtividade enquanto se busca distribuir de forma mais igualitária os ganhos da recuperação e os débitos gerados pela crise. “Muitos países já encontram dificuldades para encontrar o balanço certo entre apoiar o crescimento de curto prazo e equalizar o aumento da dívida”, diz o FMI.

O FMI aponta ainda um fato inédito da crise gerada pela pandemia. Em turbulências econômicas anteriores, normalmente o setor industrial sofria perdas maiores do que o segmento de serviços. No entanto, com a necessidade de isolamento social e sanitário, áreas que dependiam de interação pessoal ― especialmente comércio, turismo, hotelaria e entretenimento ― estão sendo os mais afetados. “Tudo isso indica que, sem uma vacina ou tratamento efetivo contra o vírus, esses setores têm um caminho muito difícil para qualquer tipo de normalidade”, destaca o relatório.

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