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Presidente do Banco Mundial: “A crise deve ser vista como depressão econômica. A dúvida é quanto vai durar”

David Malpass centra sua preocupação nos países emergentes que, diferentemente de 2008, desta vez são o elo mais fraco. América Latina também acende alerta: “Estará entre as regiões mais afetadas”

O presidente do Banco Mundial, David Malpass, na reunião anual em outubro de 2019.
O presidente do Banco Mundial, David Malpass, na reunião anual em outubro de 2019.getty
Ignacio Fariza

Antes mesmo de ouvir a primeira pergunta, o presidente do Banco Mundial, David Malpass (Petoskey, Michigan, 64), se antecipa para dar ênfase aos dados “muito preocupantes” sobre o aumento da pobreza extrema. Esta é a sua grande preocupação agora, e as cifras o respaldam: a pandemia deixará cerca de 150 milhões de pessoas a mais abaixo desse limite, quebrando mais de duas décadas de declínio ininterrupto em escala global.

“Estamos no auge da recessão e isso é muito preocupante. As dinâmicas da pobreza são de longo prazo: é urgente reverter essa tendência e, para isso, é necessário que as economias voltem a crescer”, afirma. Ao contrário da diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, que descartou a possibilidade de uma depressão econômica decorrente da crise do coronavírus, o economista norte-americano acredita que estamos imersos em uma delas. A questão é quanto tempo vai durar. Sua esperança: que seja breve, ao contrário da dos anos 30 do século passado.

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Pergunta. O coronavírus, de acordo com os próprios registros do Banco Mundial, causou a maior contração econômica em 90 anos. Em que ponto estamos?

Resposta. As economias avançadas estão começando a ganhar impulso. As piores projeções foram de maio e junho e, desde então, as previsões ficaram melhores. O problema é que a média do mundo em desenvolvimento, exceto a China, continuou a piorar. E isso inclui tanto os países mais pobres como os de renda média, muitos deles na América Latina.

P. As previsões de recuperação em V parecem ter sido deixadas para trás em muitos países.

R. É verdade. Pelo menos nos países em desenvolvimento, onde mais que um V estamos vendo um L: houve um forte declínio e agora essas economias estão crescendo pouco. Isso é muito problemático do ponto de vista da pobreza. O desafio prioritário agora é restaurar o crescimento o mais rápido possível para reverter essa queda.

P. Enquanto não tivermos uma vacina, a economia estará com problemas.

R. As vacinas são importantes e eu estou cautelosamente otimista sobre o momento em que poderão ser produzidas em massa. Mas ainda vai levar um tempo considerável. Até então, e por enquanto, o mais crítico é poder tomar medidas para reabrir [a economia]. A Europa progrediu, a China reabriu partes muito importantes de sua economia, com distanciamento social, máscaras e precaução na interação entre as pessoas... E isso está permitindo que volte a crescer.

P. Ao contrário da crise financeira de 2008 e 2009, quando os países emergentes resistiram e até saíram mais fortes, desta vez são o elo mais fraco. Tem a sensação de que os países ricos não estão lhes dando atenção?

R. Tem sido feitos esforços para dar uma resposta global [à crise]. Os Estados Unidos aumentaram muitíssimo os gastos públicos e contam com os estímulos de seu banco central, que está realizando importantes compras de ativos. A Europa e o Japão também, na esperança de relançar suas próprias economias e, também, beneficiar assim o mundo em desenvolvimento. Mas é verdade: ao contrário de 2008, o bloco em desenvolvimento está sendo atingido com ainda mais força [do que os países ricos] e não está recebendo muito apoio das economias avançadas.

P. Onde pode estar, então, sua salvação?

R. Em que o crescimento [mundial] seja logo retomado, e que o emprego e a demanda cresçam de novo. Para que esse ciclo de recuperação ocorra em todo o mundo é muito importante a reabertura segura das escolas e empresas enquanto se aguarda a vacina.

P. Quando a economia mundial retornará ao nível anterior à crise?

R. Não tenho uma estimativa precisa, mas, sobretudo no caso dos países emergentes, vai levar muitos anos. São países que não têm a capacidade de endividamento das economias avançadas e seus bancos centrais não possuem o grau de confiança necessário para expandir seus balanços: se o fizerem, a preocupação é que suas moedas se desvalorizem e entrem em um ciclo de inflação que tornaria as coisas ainda piores. As economias avançadas, por sua vez, dada a resposta aos estímulos que deram, se recuperarão mais rápido. Mas também com muito mais dívida pública: isso levanta dúvidas sobre a sustentabilidade da recuperação.

P. Acha que esta pandemia pode ser inflacionária?

R. Nos países em desenvolvimento é um fenômeno intimamente ligado à taxa de câmbio de suas moedas. E estou otimista: a maioria está mantendo a estabilidade de suas divisas e isso significa que a inflação está relativamente baixa em comparação com crises anteriores, quando houve grandes desvalorizações que levaram a escaladas inflacionárias. Até agora não é o caso: o grande problema desta vez é a própria contração econômica e a perda de postos de trabalho, não a inflação.

P. A saída da crise no bloco rico está sendo expansiva. A austeridade não está no mapa, pelo menos não ainda. Aprendemos a lição de uma década atrás?

R. As ferramentas que as economias avançadas estão usando são de escala muito maior que no passado. A gente vê isso nas taxas de juros zero, nos programas de compra de ativos por parte dos bancos centrais ... São elementos que não ocorriam em crises anteriores. E, é claro, também na magnitude em que o setor público entrou no mercado: a proporção dívida/PIB aumentou muito mais rápido do que em outras ocasiões, exceto na Segunda Guerra Mundial. Tudo isso conseguiu estabilizar a situação e permite conduzir bem a recuperação.

P. Até que ponto esse aumento repentino da dívida pública deve nos preocupar?

R. Os países ricos estão tomando empréstimos com prazos muito longos e taxas de juros muito baixas. O desafio é fazer bom uso dessa nova dívida: vai demorar muitos anos para ver o resultado, quais frutos os investimentos feitos agora trarão no futuro.

P. Como avalia o Fundo Europeu de Recuperação?

R. De novo, vai depender de quão bem esses fundos são usados. E vai levar vários anos até que possamos avaliar isso.

P. Seis meses após o início dos confinamentos na Europa e nos Estados Unidos, pode-se descartar uma depressão?

R. Não. Na verdade, temo que tenhamos que ver isto como uma depressão econômica. A questão é quanto tempo vai durar: a da década de 1930 durou 10 anos ou mais em alguns países, e minha esperança é que desta vez seja mais curta, tanto pela ação dos Governos como do setor privado. Há muito mais informações disponíveis para um grupo de pessoas também muito maior em todo o mundo: milhões delas estão interagindo para tentar entender a crise e dar os passos necessários para a recuperação. E essa é uma ferramenta poderosa que não existia na Grande Depressão.

P. O que podemos esperar na América Latina?

R. Do ponto de vista do PIB, temo que é e será uma das regiões mais afetadas. A boa notícia é que havia feito progressos substanciais nos anos anteriores, em contraste com os países mais pobres, muitos deles na África. E tem ferramentas fiscais e monetárias que podem ajudar na recuperação.

P. Prevê uma cascata de inadimplência no bloco emergente?

R. Estamos preocupados porque muitos países em desenvolvimento entraram nesta crise com altos níveis de endividamento e a contração econômica torna o peso da dívida ainda maior. É por isso que propusemos uma moratória em março, que o G20 e o Clube de Paris endossaram. Foram dados passos nessa direção, mas infelizmente os credores privados ainda não começaram a participar desta moratória e alguns países credores, como a China, também não.

P. Por que a China está saindo da crise tão rápido? É a grande exceção.

R. Não sei toda a explicação, mas minha impressão é que conseguiu se ajustar aos riscos da covid-19 e começou a reabrir sua economia antes dos demais.

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