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Retorno de Salvini passa por reformular estratégia e sufocar rebeliões numa Itália à deriva

Acossado por diversos processos, escândalos de corrupção e um péssimo resultado nas eleições regionais, ‘Il Capitano’ precisa resistir a ataques até mesmo em seu próprio partido, a Liga

O líder da Liga, Matteo Salvini, durante um debate na rede de televisão italiana RAI em 23 de setembro de 2020.
O líder da Liga, Matteo Salvini, durante um debate na rede de televisão italiana RAI em 23 de setembro de 2020.Riccardo Antimiani (EFE)
Daniel Verdú
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Matteo Salvini voava nas pesquisas e a fila para tirar selfies com ele dava a volta no quarteirão de qualquer ato. Não faz muito tempo, em maio de 2019, quando ainda era ministro do Interior e vice-presidente (vice-primeiro-ministro) do Governo da Itália, o líder da Liga triturou seus rivais nas eleições europeias e tornou seu partido o mais votado da União. O soberanismo internacional curvou-se diante dele e veio religiosamente homenageá-lo em seu feudo milanês. Mas as correntes na Itália, que liquida um primeiro-ministro a cada 14 meses, são imprevisíveis. Hoje, pressionado na Justiça por ter impedido que navios de ONGs que resgatam imigrantes no meio do Mediterrâneo entrassem em portos italianos; pelos escândalos de corrupção que sobrevoam seu partido; e por um fracasso nas eleições regionais, ele enfrenta uma longa jornada sem eleições à vista, na qual terá que mudar sua estratégia e resistir aos possíveis ataques de seus parceiros de coalizão de direita (Força Itália e Irmãos da Itália) e em seu próprio partido, a Liga.

Il Capitano, como seus seguidores costumam chamá-lo, começou seu colapso à beira-mar em 3 de agosto de 2019. Naquele dia tinha 38% de apoio na maioria das pesquisas e decidiu, com um copo na mão, derrubar o Governo do qual fazia parte para empreender uma aventura solo. Desde aquele mojito que mudou o rumo da Itália até hoje, perdeu cerca de 18 pontos percentuais nas intenções de voto e duas oportunidades de ouro nas regionais (Toscana e Emília Romana) para torpedear o Executivo. Sua parceira na coalizão de direita, Giorgia Meloni (Irmãos da Itália), já está em seus calcanhares e a pandemia destruiu todos os seus esquemas políticos. A sua estratégia de expansão no sul, deixando para trás a identidade do antigo partido autonomista que a Liga do Norte era, se frustrou nas últimas eleições e, pela primeira vez, ensaiou uma tentativa de autocrítica. La Bestia ―o nome dado ao sistema de comunicação nas redes que funcionou tão bem para ele― parou de rugir. E muitos em seu partido querem voltar às essências.

Gianni Fava, um membro histórico da Liga ―foi deputado em três legislaturas e prefeito de uma cidade lombarda― foi também quem ousou enfrentar Salvini no último congresso da Liga (em 2017). Seu rival o arrasou e teve impulso suficiente para pegar um partido com 4% de intenções de voto nas pesquisas e levá-lo até o topo. Ninguém contesta isso hoje. Mas muitos, como Fava, acreditam que Salvini já está liquidado e muito longe da base do partido. “Perdeu aquele toque mágico e hoje dá para ver as fissuras em muitos lugares: principalmente no sul, mas também no norte. Acho que ele terá que redesenhar a geografia do partido. A chama do sul se apagou, o partido ainda tem muitos votos no norte, mas está mais fraco. Agora existem dois partidos e ele é apenas o líder daquele que leva seu nome. Aí ninguém pode disputar-lhe a liderança porque não há classe dirigente nem coronéis. E os poucos que havia ele evita porque têm um passado com Umberto Bossi [o fundador da Liga Norte].”

A Liga é um partido pouco dado a rebeliões. “Somos uma formação leninista”, brincam alguns militantes. E Fava acredita que não haverá ninguém como ele no Congresso de 2017, que desafie Salvini internamente nos próximos meses. Nem mesmo Luca Zaia, o governador do Vêneto, que acaba de ganhar as eleições com o melhor resultado da história (76% dos votos) e que encarna uma visão muito mais pragmática, europeia e moderada do que a do atual líder. Exatamente o que muitos querem agora. “Zaia fez a sua própria lista, que teve o triplo dos votos da Liga. Mas ele não tem ambições nacionais”, opina Fava.

O futuro agora é uma nebulosa para Salvini. O ex-ministro do Interior quis evitar a todo custo que o Governo chegasse unido em 2022, quando será eleito o novo presidente da República (seu mandato é de sete anos para evitar sua associação ao Legislativo). Esta é uma data importante que marcará o ciclo político dos próximos anos. Aguentar até lá sem perder definitivamente o fôlego pode ser muito duro para Salvini. “Foi um ano muito infeliz. Voltou a níveis de popularidade mais normais, em torno de 20%. Dados que, ainda assim, nunca foram antes alcançados pela Liga. É uma situação complicada, mas ele ainda está vivo e é o dominus na coalizão”, destaca o sagaz cientista político Piero Ignazi.

A Itália esgotou a bateria de eventos eleitorais em que Salvini consegue agitar suas bases. Os próximos meses serão uma espécie de cul-de-sac político que o obrigará a recorrer ao discurso da imigração e do Mecanismo Europeu de Estabilidade (Mede). “Suas chances de derrubar o Governo são absolutamente nulas. O único desenlace abrupto que pode ocorrer é que este Executivo cometa suicídio. Tudo depende do que acontecerá no Movimento 5 Estrelas, porque podem ter um impulso autodestrutivo.” Salvini, em suma, não mais depende só de si mesmo.

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