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Partido nascido das FARC pede perdão pelos sequestros cometidos: “Foi um erro gravíssimo”

Antiga cúpula da extinta guerrilha reconhece, quase quatro anos depois da assinatura do acordo de paz, que tirou das vítimas “sua liberdade e sua dignidade”

Francesco Manetto
Rodrigo Londoño, ex-comandante das FARC, em uma imagem de arquivo.
Rodrigo Londoño, ex-comandante das FARC, em uma imagem de arquivo.LUISA GONZALEZ (Reuters)
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Desde o início, o processo de paz entre o Estado colombiano e as FARC teve uma dimensão simbólica decisiva no tortuoso caminho para a reconciliação. A mais antiga organização guerrilheira da América desmobilizou-se depois da assinatura do acordo de paz, há quase quatro anos, abandonou as armas, com exceção de alguns grupos minoritários de dissidentes, submeteu-se ao JEP, tribunal encarregado de julgar os crimes mais graves da guerra, e se tornou um partido político. A esses passos concretos se junta uma série de gestos e declarações que, apesar das críticas de setores que ainda se opõem aos acordos de paz, representam uma guinada copernicana na história recente do país. Os principais dirigentes da antiga cúpula das FARC, encabeçada por Rodrigo Londoño, Timochenko, pediram perdão nesta segunda-feira às vítimas de sequestro e suas famílias. “Queremos dizer-lhes que o sequestro foi um erro gravíssimo do qual só podemos nos arrepender”, reconhecem em um comunicado.

“O sequestro deixou apenas uma profunda ferida na alma dos atingidos e feriu mortalmente a nossa legitimidade e credibilidade. Tomada essa decisão, nas circunstâncias excepcionais da guerra irregular e buscando equilibrar as forças, tivemos que arrastar esse fardo que até hoje pesa na consciência e no coração de cada um de nós”, diz o texto divulgado pela Força Alternativa Revolucionaria do Comum, presente na Câmara e no Senado desde as eleições legislativas de 2018. A comunicação coincidiu com a intervenção pública da ex-candidata presidencial Ingrid Betancourt perante a Comissão da Verdade. Betancourt, um símbolo dos horrores da guerra, permaneceu sequestrada durante mais de seis anos e nesta segunda-feira afirmou que o crime não tem data de vencimento. Em conversa com o EL PAÍS antes das últimas eleições, ela disse que a força que a ajudou a superar o medo foi “o conceito de dignidade humana”.

A declaração do antigo Secretariado das FARC faz referência a esse valor. Os ex-combatentes admitem que o sequestro sistemático foi um atentado não só contra a liberdade, mas também contra a dignidade das vítimas. “Hoje entendemos a dor que causamos a tantas famílias ― filhos, filhas, mães, pais, irmãos e amigos ―, que viveram um inferno à espera de notícias de seus entes queridos; imaginando se estariam com saúde e em que condições estariam sendo submetidos a continuar a vida longe de seus afetos, de seus projetos, de seus mundos. Tiramos-lhes o que há de mais precioso: sua liberdade e sua dignidade. Podemos imaginar a profunda dor e angústia dos filhos e filhas de tantos sequestrados pelas FARC-EP”, diz o texto.

O comunicado vai além e menciona o caso do sequestro de um cabo da polícia cujo filho morreu durante o cativeiro: “Sentimos como um punhal no coração a vergonha que nos provoca não termos dado ouvidos ao clamor de Andrés Felipe Pérez, que morreu esperando se reencontrar com seu pai. Não podemos devolver-lhes o tempo arrebatado para evitar a dor e as humilhações que causamos a todos os reféns”. “Só podemos reiterar nosso compromisso e vontade de prestar contas à Justiça; dar explicações e nos comprometer com a sociedade colombiana, que hoje mais do que nunca exige justiça e verdade para tanta violência [...]. Porque já sabemos que não há razão ou justificativa para tirar a liberdade de ninguém”, conclui a direção do partido.

Não é a primeira vez que Londoño e outros ex-comandantes se pronunciam sobre os crimes cometidos. A formação inclusive apoiou no ano passado a candidatura de uma vítima de sequestro, Luis Eladio Pérez, ao Governo do departamento de Nariño, mas desta vez o fazem de forma inequívoca, em um momento particularmente delicado para a aplicação dos acordos de paz assinados em Havana e diante de uma sociedade ainda profundamente dividida. “Estamos enfrentando realidades dantescas, das quais certamente brotarão danos, dor, angústia e perdas irreparáveis para muitas famílias colombianas e estrangeiras” disse Timochenko depois do seu primeiro comparecimento à Jurisdição Especial para a Paz, em 2018.

“Pedimos perdão a todas elas, faremos o impossível para que saibam a verdade do ocorrido. Assumiremos as responsabilidades que nos correspondem, contribuiremos até onde seja possível para sua reparação e faremos tudo o que estiver ao nosso alcance para que fatos dessa natureza jamais se repitam”, acrescentou na ocasião. O principal líder do partido recebeu duras críticas há uma semana por declarações que foram interpretadas como uma negação do recrutamento de menores. O partido nega e afirma que essa prática era “evidente”. Nesta segunda-feira decidiu dar um passo à frente, uma espécie de gesto de boa vontade para a reconciliação.

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