Timochenko: “É um punhado de iludidos. Com a luta armada defasada querem ocultar os próprios erros ”
O líder do partido herdeiro das FARC condena a decisão de Márquez e Santrich de retomar as armas e defende o processo de paz: “É irreversível”
Entrou nas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC) aos 17 anos e acabou sendo o último líder da guerrilha mais antiga da América. Após quatro décadas de guerra contra o Estado, assinou os acordos de paz que encerraram o conflito armado. Rodrigo Londoño Echeverri (Quindío, 1959), também conhecido como Timochenko, é hoje o principal líder da Força Alternativa Revolucionária do Comum, a formação política herdada da organização insurgente. Atendeu ao EL PAÍS por telefone na sexta-feira passada, duas semanas depois que um pequeno grupo liderado por Iván Márquez, que era seu braço direito, e Jesús Santrich anunciou seu retorno às armas. O ex-chefe guerrilheiro condena essa decisão, que atribui a uma tentativa de cobrir os próprios erros, e defende o processo iniciado em Havana, que descreve como "irreversível", apesar dos obstáculos na sua aplicação. Londoño reconhece as "barbaridades" cometidas pelas FARC e admite que o partido corre o risco de desaparecer do tabuleiro político se não acertar em suas decisões. Responde pelo telefone fixo às sete da manhã. E brinca que seu filho, de apenas dois meses, à noite "dorme com toda a disciplina” que o sono requer.
Pergunta. Você acaba de ser pai. Consegue imaginar um futuro para seu filho na Colômbia?
Resposta. Tenho muito otimismo, porque mais e mais pessoas estão nos acompanhando nesse propósito de acabar com o conflito que estava fazendo os colombianos matarem uns aos outros. O que procuramos é uma sociedade que tenha diferenças ideológicas, políticas, culturais e que isso não resulte em formas de violência. Isso não muda de um dia para o outro, mas precisa ser trabalhado om muita paciência. Fizemos um pacto [pela não-violência] com o presidente da República para trabalhar na próxima campanha eleitoral. Estamos insistindo em que seja cumprido o acordo firmado em Havana, que é um pacto político que o Estado deve liderar para que nos comprometamos a tirar a violência do exercício da política.
P. Mas houve graves movimentos para atrás. Suspeitou em algum momento que Márquez e Santrich voltariam às armas? Até há pouco defendia os dois.
R. Com toda a sinceridade, nunca pensei que tomariam uma decisão tão errática. Eles tinham expressado seus temores, suas dificuldades. Tinham alegado problemas de segurança e eu tentava entender porque, além do mais, aqui estamos em um ambiente em que se sente a insegurança, está à flor da pele. Há toda uma campanha de estigmatização. Mas estávamos avançando. Nunca pensei que iriam tomar essa decisão. Eu os conheço, especialmente Iván, com ele estive em circunstâncias diferentes, em momentos diferentes e, devo admitir, desempenhou um papel importante como chefe da delegação em Havana. Sempre expressou suas inquietações, seus temores, seus medos, mas nunca propôs saídas diferentes. Foram vários anos nesse processo e em distintos momentos na mesa falamos da questão de reiniciarmos a luta armada. Ele sempre dizia "não, vamos buscar uma saída, não importa quão difícil o problema surgido". E nos desdobramentos na mesa de negociações houve muitos momentos bastante difíceis e complexos. Em nenhum momento dissemos: "Vamos retomar a luta armada". O acordo não é um ponto de chegada, é um ponto de partida em que é preciso trabalhar muito com a sociedade colombiana, acompanhados pela comunidade internacional. Por isso, eu não esperava essa saída e muito menos neste momento, nestas circunstâncias, porque isso se transformou em alimento para um pequeno setor de extrema direita que quer nos fazer fracassar no caminho de reconciliação que começamos.
P. Então, o que aconteceu?
R. Não posso dizer com certeza se é isso ou aquilo. É um punhado de companheiros iludidos, que com uma proclamação de luta armada defasada no tempo e no espaço, digo eu, querem ocultar os próprios erros. Para além do motivo, a história vai esclarecer no devido tempo.
P. E o senhor está em posição de afirmar que permanecerá fiel ao compromisso de paz, apesar dos obstáculos que existem ou que surgirem?
R. Sim. Veja, em primeiro lugar, somos apoiados por mais de 95% dos que aceitaram o acordo, dos que em uma conferência, em um evento democrático interno, levantamos a mão e dissemos "sim, esse é o caminho e nos comprometemos, apesar dos obstáculos que se apresentarem". Aqui, o apelo à comunidade internacional e a todo o povo é que não podemos deixar que os clarins que chamam para a guerra não nos deixem ouvir os cânticos de paz, aos quais se somam mais e mais vozes. Além disso, poder agora fazer um balanço com calma do que foi a guerra, poder ir às comunidades para conversar com as pessoas, com as vítimas, escutar as angústias, isso reforça que o caminho que escolhemos é o acertado. Não poderíamos continuar a ser um elemento com protagonismo no desastre de nosso país.
P. Está preocupado com a repercussão desse anúncio nas bases do partido?
R. As reações em geral na grande maioria das pessoas são positivas, de rejeição a esses chamados, mas não se pode descartar que possam afetar especialmente os companheiros que ainda sentem angústia porque não se desenvolveram fundamentalmente os projetos produtivos decididos no acordo. Essa situação pode afetar alguns, não digo grupos. Como eu dizia, é um punhado de companheiros iludidos que tentam ocultar ou tapar seus próprios erros. Não é uma estrutura, uma empresa, uma frente, um bloco que deixou o processo. Nem saiu todo um grupo, uma estrutura partidária, para usar a linguagem civil. Não, é um punhado [de dissidentes].
P. Qual é o seu balanço da aplicação dos acordos?
R. Estão indo com dificuldades. Fundamentalmente, essas dificuldades são mais preocupantes porque não há uma expressão clara de compromisso do Governo. O presidente assume e sabe que tem de governar com uma Constituição na mão, e os acordos fazem parte da norma constitucional. O que acontece é que eles se concentram na questão da reintegração. Perfeito, é necessário. Mas os acordos são integrais. Também é preciso trabalhar e ir encaminhando o que tramitou no que se refere à questão agrária, a questão da terra é o pano de fundo do conflito que nossa pátria viveu, e continua sendo o pano de fundo dos problemas de violência que surgem. Então, mesmo no Congresso, há sinais negativos enviados do partido do Governo. Isso cria angústias, mas ainda assim seguimos trabalhando. Temos que trabalhar na luta política civilizada.
P. É a isso que o senhor se refere com a denúncia que anunciou contra o ministro das Relações Exteriores, Carlos Holmes Trujillo, por vinculá-los à Venezuela e a reuniões clandestinas?
R. Eles tentam criar um ambiente de estigmatização bastante prejudicial e perigoso, porque nas regiões essa estigmatização se traduz em mortos, em feridos e em deslocados. Achamos extremamente irresponsável sair com as acusações com que saíram, e isso nos deixa muito preocupados. Acreditamos que a saída é essa, ou seja, esse é o espaço legal em que temos que lutar para demonstrar às pessoas que tudo o que dizem são mentiras lançadas no ar para gerar esse clima.
P. Foi um erro manter no nome do partido a sigla das FARC?
A. Sim, senhor. Além disso, fui eu quem no congresso de fundação propus desde o início que mudássemos o nome. Inicialmente, também achava que devíamos manter o nome FARC, por toda a conotação histórica, sentimental, mas os argumentos das pessoas me convenceram de que não devíamos fazer isso e levantei a questão no congresso. Infelizmente, o nome que já conhecemos se impôs, mas acho que, tendo em vista o próximo congresso que estamos prestes a realizar nos primeiros dias do próximo ano, as pessoas estão conscientes de que esse é um elemento que teremos de reconsiderar.
P. Em um mês haverá eleições locais. O anúncio de Márquez e Santrich pode ter um efeito desmobilizador?
R. Estas são eleições amplamente complicadas. Primeiro, o que foi acertado do ponto de vista da reforma política, que deveria gerar um ambiente um pouco mais favorável para movimentos alternativos, não foi implementado. Não temos nem um só centavo para a campanha e, apesar disso, temos mais de 300 candidatos próprios, além de outros candidatos em coalizões. O que aconteceu restringe o ambiente, cria dificuldades para a interlocução com as pessoas, cria angústia pelo nome, assusta. O ambiente não está fácil, mas é preciso sempre ser otimista, e para além dos resultados como FARC, acho que vamos ter um aprendizado. Isto é como um bebê, como uma criança. Para andar, precisa cair e é certo que sofreremos muitas quedas antes de aprender.
P. Quando foi aberto o primeiro caso na Jurisdição Especial para a Paz (JEP), o senhor estava lá, pediu perdão às vítimas e garantiu que fariam o impossível para que pudessem conhecer toda a verdade. Isso está acontecendo?
R. Sim. Acredito que o que está acontecendo mostra que esse foi o caminho certo e correto. Existe uma justiça de transição baseada nas condições atuais para poder nos reconciliar. No dia 20 deste mês, vamos à primeira audiência na JEP sobre o tema 001, estamos coletando muitas informações e isso vai adiante.
P. O que sente quando está diante de uma vítima?
R. Tive experiências muito enriquecedoras, todas as conversas e trocas que tivemos com pessoas vítimas enriquecem espiritualmente e me levam à convicção e à certeza de que este era o caminho certo e até mesmo que deveríamos ter feito isso há muito tempo. Ontem à noite, estivemos em uma homenagem no monumento à polícia e soldados caídos com uma das vítimas do Nogal, Bertha Frías, estive colocando uma rosa nesse monumento.
P. Reconhece, então, as barbaridades que as FARC cometeram?
R. Sim, senhor. Esse é o nome, as barbáries cometidas. Em um encontro com vítimas, eu disse "essas não são as FARC nas quais eu ingressei". As guerras vão tendo dinâmicas que até chegam a sair das mãos de seus protagonistas. Essa realidade precisa nos encher de força e convicção de que o caminho é este, acima das dificuldades, mesmo que para alguém seja preciso ficar no caminho antes do tempo.
P. O senhor sempre disse que não se arrepende de seu passado.
R. Não me arrependo, tenho a consciência tranquila e acho que é isso que me dá muita força para olhar nos olhos de qualquer vítima, olhar e falar com a cabeça erguida. Pessoalmente, estou convencido de que agi no âmbito dessa concepção, daqueles sonhos com que fui para as Farc há mais de 40 anos, quando tinha 17 anos. Esse mesmo sonho e esperança me acompanham neste momento.
P. E quais são hoje esses sonhos?
R. O objetivo é que tenhamos uma Colômbia menos polarizada, menos desperdiçada, onde as pessoas sejam menos estigmatizadas por problemas ideológicos, políticos, por tudo. Este processo de paz é irreversível, considero que é irreversível. Independentemente do que acontecer com as FARC, mesmo que desapareçam do cenário político. Isso pode acontecer se não acertarmos nas decisões políticas, mas aqui o importante é que sigamos pelo caminho da reconciliação e que os colombianos parem de se matar.
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