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Uma negociação histórica sem tablets ou celulares

Um general espanhol assiste à primeira reunião entre as FARC e militares colombianos Luis Alejandre destaca o papel de Cuba nas negociações de paz em curso no país

Alejandre, em uma reunião do Estado Maior em 2003.
Alejandre, em uma reunião do Estado Maior em 2003.Uly martín

O general espanhol aposentado Luis Alejandre, com anos de experiência em processos de paz na América Central, assistiu no final da semana passada a um dia histórico em Havana. Pela primeira vez, cinco generais e um contra-almirante colombianos na ativa se viram frente a frente com seus velhos inimigos, os chefes das FARC, no contexto das negociações de paz. São negociações que estão em curso em Cuba há mais de dois anos, visando acabar com um conflito que começou meio século atrás e já fez 220.000 mortos.

Alejandre, que foi escolhido como especialista pelo Governo norueguês e interveio no encontro, destacou “o clima de respeito entre as partes numa reunião onde o mais importante era transmitir confiança. Falaram com o coração e até houve momentos de descontração. Todo o mundo tomou notas no papel. Nada de tablets ou celulares. Foi muito positivo.” O general espanhol também destacou o papel “ativo e eficaz da chancelaria cubana”. “O México”, recordou, “teve, por exemplo, uma atitude mais fria no processo de paz da Guatemala” nos anos 1990, do qual ele também participou.

O alto comando destaca “o clima de respeito entre as duas partes”
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O local da reunião foi o Palácio de Congressos de Havana. Numa mesa comprida “como a de um conselho de administração”, sentaram-se de um lado os militares e do outro os chefes guerrilheiros, cada parte apoiada por uma dezena de assessores. Representando as FARC, os comandantes Carlos Antonio Lozada e Joaquín Gómez, nomes de guerra dos responsáveis máximos pelos blocos Oriental e Sul do grupo armado, protagonistas da ofensiva que em meados dos anos 1990 desafiou o Exército colombiano até o limite com o sequestro de 500 militares e tomada de bases militares e da polícia.

O duelo, mas também o respeito mútuo, é sentido nos primeiros olhares, relata Alejandre. Os generais colombianos sabem tudo sobre seus inimigos, desde as doenças que já sofreram até os medicamentos de que precisam. Os guerrilheiros têm um histórico de ação temível. A coluna móvel Teófilo Forero, sob o comando de Joaquín Gómez, foi a que explodiu com carro-bomba o clube El Nogal, de Bogotá, em 7 de fevereiro de 2003, deixando mais de 30 mortos e 200 feridos; a que lançou um atentado contra o ex-ministro Fernando Londoño e assassinou Liliana Gaviria, irmã do ex-presidente César Gaviria. Como disse o ministro da Defesa, Juan Carlos Pinzón, citado pelo jornal El Tiempo, “escolheram os melhores generais. Não podemos permitir que façam gols em cima de nós.”

Os negociadores do Governo colombiano e as FARC em uma das reuniões celebradas em Havana, em 5 de março.
Os negociadores do Governo colombiano e as FARC em uma das reuniões celebradas em Havana, em 5 de março.REUTERS

Também assistem às reuniões os três primeiros especialistas dos 20 propostos pela Noruega. O general Julio Arnoldo Balconi, ministro da Defesa da Guatemala quando foi assinada a paz com a Unidade Nacional Revolucionária Guatemalteca (UNRG), em dezembro de 1996; o ex-guerrilheiro e hoje político Rodrigo Sandino, neto do Prêmio Nobel Miguél Ángel Astúrias e filho do comandante guerrilheiro e ex-candidato presidencial pela UNRG Gaspar Ilom, como era conhecido, morto em 2005; e o general Alejandre, ex-chefe do Estado-Maior do Exército espanhol e com mais de quatro anos de experiência nos processos de paz da Nicarágua, El Salvador e Guatemala.

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“Os colombianos decidem; nós, especialistas, só podemos sugerir como fazer a paz”, deixa claro Alejandre, antes de explicar o sentido de sua intervenção. “Falei a eles que os tempos mudaram, que precisavam adequar sua mensagem à era da Internet e que o ótimo é inimigo do bom, ou seja, que não deviam ser tão perfeccionistas. Que o importante não é cumprir os acordos na data exata prevista, mas ter uma direção certa a seguir. Também evoquei o exemplo do processo de El Salvador, que, apesar de seu tamanho e população muito menores, é o caso mais parecido, e o nome de Augusto Ramírez Ocampo [político colombiano, pioneiro das negociações de paz e ministro do Exterior no Governo do presidente Belisario Betancur, nos anos 1980], a quem respeitam muito.”

O general espanhol assegura que o que o mais preocupa as FARC é o capítulo da justiça. “Querem um processo de paz sem prisões”, afirma. Mas, prossegue, existem maneiras de “absorver as dificuldades”. “No processo de El Salvador, houve guerrilheiros que tinham cometido crimes de sangue que foram para o exterior, foram estudar fora do país e mais tarde foram recuperados para a vida pública de seu país. O importante é reduzir a pressão no caldeirão.” A justiça, mas desta vez aquela que as vítimas pedem e em cuja bandeira se envolveu o ex-presidente Álvaro Uribe, é também a que exerce a maior pressão sobre a iniciativa do Governo de Juan Manuel Santos. E a pressão dos militares? “O Exército colombiano é muito disciplinado e nunca rompeu os laços democráticos. Obedece ao que o Governo lhe manda”, responde o militar.

“O mais importante era transmitir confiança”, diz o especialista

Alejandre se declara otimista quanto ao final do conflito. “Haverá tropeços e surgirão dificuldades, mas creio que [o processo de paz] é irreversível. O mais importante é haver distensão, e a partir do momento em que os negociadores se conhecem, não se volta mais para trás.” O general não descarta a possibilidade de que as negociações se acelerem. “Os pontos de diálogo que estão sendo trabalhados correm em paralelo. O general Javier Flores à vezes abandonava a reunião e ia para a outra mesa. A coisa avança como se fosse numa via expressa, e um avanço em um ponto contagia outro.” Mas ele acrescenta que assegurar a paz vai exigir a contribuição de um contingente de especialistas estrangeiros e que o Estado esteja presente em todo o território colombiano, desalojando as organizações criminosas que, como as próprias FARC, ocuparam seu lugar. “Quando a Colômbia voltar suas energias da guerra para a paz, o narcotráfico terá os dias contados.”

A reunião da sexta-feira durou mais de quatro horas. Na noite de sábado, o Governo e as FARC anunciaram o primeiro resultado concreto das conversações de paz: guerrilheiros e militares vão colaborar para limpar as minas terrestres espalhadas por um dos países que mais sofreu por seu plantio homicida.

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