Controle de Cuba sobre médicos em suas missões evidencia violação de direitos básicos, aponta ONG
Human Rights Watch denuncia “normas repressivas” contra profissionais de saúde. Havana enviou 1.500 profissionais a mais de 20 países para colaborar na luta contra a pandemia
Uma vida regida por “normas repressivas”, restrições à liberdade de expressão e de movimento e interferência na privacidade. O férreo controle exercido pelo Governo cubano sobre as brigadas médicas que envia ao exterior evidencia a violação dos direitos individuais mais básicos. E se essas práticas não são novas, já que a primeira missão sanitária remonta a 1963, o surgimento do coronavírus revelou novamente a gravidade da situação. A ONG Human Rights Watch (HRW) apresentou nesta quinta-feira uma denúncia na qual repudia categoricamente essas condições, que qualifica como “draconianas”, e insta as autoridades das dezenas de países que recebem essa colaboração, agora para combater a pandemia, que exijam de Havana reformas e mudanças nos regulamentos desses programas.
Cerca de 30.000 profissionais de saúde, tradicionalmente a joia da coroa de Cuba, integram atualmente essas missões. Um exemplo é o programa Mais Médicos, implantado no Brasil em 2013 —após interrupção da cooperação, em 2018, o Governo Bolsonaro está reincorporando os médicos da ilha. Outro, em atividade há anos, é o atendimento à população vulnerável da Venezuela, batizado de Bairro Adentro e promovido pelo ex-presidente Hugo Chávez. A esses trabalhadores se soma, desde o mês de março, um contingente de 1.500 pessoas enviadas a mais de 20 países. Todas elas estão sujeitas a um regime que José Miguel Vivanco, diretor para as Américas da organização humanitária, considera “orwelliano”. Os membros dessas brigadas se expõem a sanções se, por exemplo, estabelecerem relações de amizade com cidadãos críticos dos princípios da Revolução Cubana e podem enfrentar processos penais com sentenças de até oito anos de prisão se abandonam seu trabalho. Na opinião do advogado de direitos humanos, “os médicos cubanos enviados para responder à pandemia de covid-19 oferecem serviços valiosos a muitas comunidades, mas à custa de suas liberdades mais básicas”. Esse sistema, acrescenta, “regula com quem os médicos podem viver, falar e inclusive manter um relacionamento afetivo”. É por isso que os Governos que se beneficiam dessas ajudas têm o dever de exigir uma mudança.
“Cuba”, detalha a Human Rights Watch em um comunicado, “regula até os aspectos mais triviais da vida dos médicos cubanos que participam de missões, de maneiras que violam os direitos de liberdade de associação.” Definitivamente, “criou normas repressivas que regem a vida daqueles que envia para o exterior”, que ao longo de quase 60 anos são quase 400.000 pessoas. Algumas das infrações disciplinares estabelecidas em 2010 pelo Ministério do Comércio Exterior e Investimento Estrangeiro de Havana são manter relações com cidadãos estrangeiros “cuja conduta não esteja de acordo com os princípios e valores da sociedade cubana”, com dissidentes da ilha e pessoas com “um estilo de vida contrário aos princípios que devem caracterizar um colaborador cubano no exterior”. Os médicos também precisam comunicar “seus relacionamentos amorosos” e são proibidos de “frequentar lugares que prejudiquem o prestígio [do médico] no conceito público” ou “ir a lugares que, dadas suas características, sejam propícios a alterações da ordem pública”.
O pessoal sanitário, continua o relatório da ONG, tampouco pode se expressar livremente, pois, de acordo com uma resolução do regulamento, deve solicitar autorização antes de “emitir avaliações” públicas, por exemplo aos meios de comunicação, sobre as situações dos centros de trabalho ou que possam prejudicar a colaboração de Cuba com o país anfitrião. As punições consistem basicamente na retenção de salários e no retorno à ilha depois da expulsão da missão. O número de trabalhadores punidos com procedimentos disciplinares é desconhecido, embora a organização considere que, com base nos depoimentos aos quais teve acesso, sejam medidas frequentes. Além disso, os passaportes dos médicos expiram quando sua missão termina.
A ONU, lembra a HRW, pediu em 2019 a Havana informações sobre as condições de trabalho das missões médicas. As relatoras especiais sobre as formas contemporâneas de escravidão esgrimiram declarações sobre normas que podem ser enquadradas como “trabalho forçado” devido às pressões recebidas pelo pessoal sanitário e à duração das jornadas. A resposta do Governo de Miguel Díaz-Canel atribuiu essas informações a campanhas de Washington.
“Os países que recebem médicos cubanos têm obrigações de direitos humanos em relação a todas as pessoas em seu território”, conclui a denúncia da ONG, “o que inclui os trabalhadores sanitários cubanos, e devem garantir que os acordos alcançados com o Governo cubano prevejam garantias efetivas aos direitos dos trabalhadores.” Essas autoridades, enfatiza Vivanco, “poderiam se tornar cúmplices de graves violações de direitos humanos”. Para evitar isso, têm a obrigação de exigir uma guinada por parte de Díaz-Canel.
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