Denúncias de graves violações dos direitos humanos elevam a tensão entre Maduro e a ONU
Regime chavista diz haver uma campanha internacional por trás das críticas à falta de independência do Judiciário e aos abusos de grupos criminosos na Venezuela
Todas as críticas, diretas ou indiretas, ao Governo de Nicolás Maduro e à sua gestão na Venezuela dão lugar à mesma resposta. Não importa o tipo de denúncia. A cúpula do chavismo sempre apela à ideia de soberania nacional e recorre à retórica do inimigo externo. Qualquer menção acusatória se transforma em uma conspiração internacional contra a revolução bolivariana. A Venezuela está há anos submetida à pressão de Washington e a um conjunto de sanções econômicas contra os interesses do regime, mas seu controle quase absoluto sobre todos os poderes do Estado deteriorou também o funcionamento democrático de suas instituições. Essa costuma ser, a cada pronunciamento, a objeção central dos organismos do sistema das Nações Unidas encarregados de zelar pelos direitos humanos.
Nesta semana, um relatório do gabinete da alta comissária Michelle Bachelet agitou o Governo de Caracas, que o qualificou como “tendencioso” e “amostra evidente da dupla régua, da manipulação e do vergonhoso uso político dos mecanismos internacionais por parte de um reduzido grupo de países”. A tensão disparou depois que a ONU questionou a independência do sistema judicial venezuelano, que na prática está condicionada aos equilíbrios políticos do país. O Tribunal Supremo, máximo órgão do Judiciário, por exemplo, acaba de inabilitar as direções de três dos quatro principais partidos opositores, para pô-las nas mãos de gestores mais dóceis. As sentenças que favorecem o governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) são habituais cada vez que se aproxima uma eleição, como é o caso das parlamentares marcadas para 6 de dezembro. Estas relações, segundo a ONU, “impedem que o Poder Judiciário exerça sua função chave como um ator independente”.
A comissária-adjunta Nada al Nashif, denunciou também, na quarta-feira, “graves violações cometidas pelas forças de segurança, como assassinatos e violações dos direitos humanos no contexto dos protestos e relatos de torturas e desaparecimentos forçados”. Bachelet viajou há um ano à Venezuela depois de uma etapa de profundos desencontros entre o regime chavista e o organismo que ela encabeça desde 2018. Reuniu-se com Maduro e com Juan Guaidó, chefe da Assembleia Nacional reconhecido como presidente interino por quase 60 países. E exigiu que o Governo pare os abusos. Apesar das recomendações, a situação não mudou e a ONU manifestou também nesta ocasião sua preocupação com o descontrole registrado no Arco Minerador do Orinoco, onde as máfias locais assassinaram 149 pessoas desde 2016.
O aparelho chavista rejeitou rotundamente estas conclusões e aproveitou para enquadrá-las na política externa do Governo Trump e na estratégia de Eliott Abrams, representante da Casa Branca para a crise venezuelana. “Reitero minha denúncia! Prepara-se contra a Venezuela uma enorme campanha comunicacional internacional para mentir sobre nossa pátria. Estamos preparados para enfrentá-la com a verdade do nosso povo que defende com dignidade nossa soberania e independência”, disparou Maduro nas redes sociais. O sucessor de Hugo Chávez insistiu, em um pronunciamento transmitido pela televisão, que “vai começar uma campanha recrudescida, financiada por milhões de dólares do império contra a Venezuela. Em pequenos detalhes, em grandes coisas, todos os dias uma campanha. Estamos preparados para enfrentá-la”.
Em nota, o Governo venezuelano alertou também que “nem o Conselho de Direitos Humanos [da ONU] nem qualquer ator internacional tem a faculdade legal ou qualquer mandato para pretender avaliar o funcionamento constitucional dos poderes públicos e o desenvolvimento dos setores econômicos na Venezuela”. Mesmo assim, o regime se disse disposto a manter a cooperação com a ONU “desde que estas instâncias evitem ser instrumentalizadas politicamente contra Estados soberanos e independentes”.
As relações internacionais de Maduro, que preserva o apoio da China, Rússia, Turquia e Irã, costumam gerar muito ruído. Há semanas o líder chavista esteve a ponto de romper com a União Europeia. Entretanto, segundo uma tese compartilhada por vários analistas, o dirigente bolivariano não está especialmente preocupado com a pressão externa, e sim em vencer a batalha interna desarticulando a oposição liderada por Guaidó. “A oposição procurou mais aliados e conseguiu, mas o regime já chegou a uma etapa em que não teme a comunidade internacional”, opina Raúl Gallegos, diretor da consultoria Control Risks, para quem o Governo está tratando de sobreviver até as eleições de novembro nos Estados Unidos, onde o interesse pela crise no país caribenho diminuiu devido principalmente à pandemia de coronavírus, e até dezembro, quando estão previstas as eleições legislativas venezuelanas.
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