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Denúncias de graves violações dos direitos humanos elevam a tensão entre Maduro e a ONU

Regime chavista diz haver uma campanha internacional por trás das críticas à falta de independência do Judiciário e aos abusos de grupos criminosos na Venezuela

O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, durante um ato militar.
O presidente venezuelano, Nicolás Maduro, durante um ato militar.JHONN ZERPA (AFP)
Francesco Manetto
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Pedestrians wearing protective face masks as a precaution against the spread of COVID-19, walk past a mural featuring the eyes of the late President Hugo Chavez, in Caracas, Venezuela, Thursday, July 2, 2020. Part of Venezuela is under strict quarantine as the number of infected cases continue to rise amid the pandemic. (AP Photo/Ariana Cubillos)
Com eleições à vista na Venezuela, aumenta a divisão da oposição e a fratura política no país
Venezuela's Vice President Delcy Rodriguez, Defense Minister Vladimir Padrino and Commander of the Strategic Operational Command, Admiral Remigio Ceballos are seen before a speech during the arrival of humanitarian aid coming from China at Simon Bolivar international airport during the national quarantine in response to the spread of the coronavirus disease (COVID-19) in Caracas, Venezuela March 28, 2020. REUTERS/Manaure Quintero
Ministro da Defesa de Maduro alerta opositores de que “nunca poderão exercer o poder político”
Vecinos del barrio de Petare buscan comida en un contenedor de basura en marzo de 2019 en Caracas, Venezuela. Venezuela ha entrado en una fuerte crisis de suministros, la escasez de agua, electricidad y comida han comenzado a elevar la situación a un punto critico.
Pobreza extrema beira 80% na Venezuela

Todas as críticas, diretas ou indiretas, ao Governo de Nicolás Maduro e à sua gestão na Venezuela dão lugar à mesma resposta. Não importa o tipo de denúncia. A cúpula do chavismo sempre apela à ideia de soberania nacional e recorre à retórica do inimigo externo. Qualquer menção acusatória se transforma em uma conspiração internacional contra a revolução bolivariana. A Venezuela está há anos submetida à pressão de Washington e a um conjunto de sanções econômicas contra os interesses do regime, mas seu controle quase absoluto sobre todos os poderes do Estado deteriorou também o funcionamento democrático de suas instituições. Essa costuma ser, a cada pronunciamento, a objeção central dos organismos do sistema das Nações Unidas encarregados de zelar pelos direitos humanos.

Nesta semana, um relatório do gabinete da alta comissária Michelle Bachelet agitou o Governo de Caracas, que o qualificou como “tendencioso” e “amostra evidente da dupla régua, da manipulação e do vergonhoso uso político dos mecanismos internacionais por parte de um reduzido grupo de países”. A tensão disparou depois que a ONU questionou a independência do sistema judicial venezuelano, que na prática está condicionada aos equilíbrios políticos do país. O Tribunal Supremo, máximo órgão do Judiciário, por exemplo, acaba de inabilitar as direções de três dos quatro principais partidos opositores, para pô-las nas mãos de gestores mais dóceis. As sentenças que favorecem o governante Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) são habituais cada vez que se aproxima uma eleição, como é o caso das parlamentares marcadas para 6 de dezembro. Estas relações, segundo a ONU, “impedem que o Poder Judiciário exerça sua função chave como um ator independente”.

A comissária-adjunta Nada al Nashif, denunciou também, na quarta-feira, “graves violações cometidas pelas forças de segurança, como assassinatos e violações dos direitos humanos no contexto dos protestos e relatos de torturas e desaparecimentos forçados”. Bachelet viajou há um ano à Venezuela depois de uma etapa de profundos desencontros entre o regime chavista e o organismo que ela encabeça desde 2018. Reuniu-se com Maduro e com Juan Guaidó, chefe da Assembleia Nacional reconhecido como presidente interino por quase 60 países. E exigiu que o Governo pare os abusos. Apesar das recomendações, a situação não mudou e a ONU manifestou também nesta ocasião sua preocupação com o descontrole registrado no Arco Minerador do Orinoco, onde as máfias locais assassinaram 149 pessoas desde 2016.

O aparelho chavista rejeitou rotundamente estas conclusões e aproveitou para enquadrá-las na política externa do Governo Trump e na estratégia de Eliott Abrams, representante da Casa Branca para a crise venezuelana. “Reitero minha denúncia! Prepara-se contra a Venezuela uma enorme campanha comunicacional internacional para mentir sobre nossa pátria. Estamos preparados para enfrentá-la com a verdade do nosso povo que defende com dignidade nossa soberania e independência”, disparou Maduro nas redes sociais. O sucessor de Hugo Chávez insistiu, em um pronunciamento transmitido pela televisão, que “vai começar uma campanha recrudescida, financiada por milhões de dólares do império contra a Venezuela. Em pequenos detalhes, em grandes coisas, todos os dias uma campanha. Estamos preparados para enfrentá-la”.

Em nota, o Governo venezuelano alertou também que “nem o Conselho de Direitos Humanos [da ONU] nem qualquer ator internacional tem a faculdade legal ou qualquer mandato para pretender avaliar o funcionamento constitucional dos poderes públicos e o desenvolvimento dos setores econômicos na Venezuela”. Mesmo assim, o regime se disse disposto a manter a cooperação com a ONU “desde que estas instâncias evitem ser instrumentalizadas politicamente contra Estados soberanos e independentes”.

As relações internacionais de Maduro, que preserva o apoio da China, Rússia, Turquia e Irã, costumam gerar muito ruído. Há semanas o líder chavista esteve a ponto de romper com a União Europeia. Entretanto, segundo uma tese compartilhada por vários analistas, o dirigente bolivariano não está especialmente preocupado com a pressão externa, e sim em vencer a batalha interna desarticulando a oposição liderada por Guaidó. “A oposição procurou mais aliados e conseguiu, mas o regime já chegou a uma etapa em que não teme a comunidade internacional”, opina Raúl Gallegos, diretor da consultoria Control Risks, para quem o Governo está tratando de sobreviver até as eleições de novembro nos Estados Unidos, onde o interesse pela crise no país caribenho diminuiu devido principalmente à pandemia de coronavírus, e até dezembro, quando estão previstas as eleições legislativas venezuelanas.

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