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Papa barra ordenação de homens casados na Amazônia

Exortação difundida nesta quarta-feira foge da polêmica questão do celibato clerical e fecha o caminho à ordenação de mulheres

Daniel Verdú
O papa Francisco, rodeado de sacerdotes, no Vaticano.
O papa Francisco, rodeado de sacerdotes, no Vaticano.Gregorio Borgia (Ap)

O papa Francisco decidiu não abrir as portas à ordenação de homens casados em zonas remotas do mundo. A medida, cujo estudo havia sido aprovado em outubro no Sínodo da Amazônia e gerou enorme alvoroço no Vaticano nos últimos meses, não foi incluída na exortação apostólica Querida Amazônia, que a Santa Sé apresentou nesta quarta-feira. A decepção nos setores mais reformistas da Igreja Católica será evidente. Mas o Vaticano consegue assim pacificar o crescente clima de divisão que ameaçava recrudescer a guerra entre as duas grandes facções que disputam o poder nos últimos anos.

O projeto de reforma surgia da necessidade de levar a eucaristia e os sacramentos a lugares onde já não há mais sacerdotes, mas esse debate acabou desencadeando uma grande polêmica sobre o possível fim do celibato na Igreja Católica. O tema inclusive turvou a aprazível aposentadoria de Bento XVI e levou venenosos ventos de cisma a soprarem sobre Roma. Francisco, entretanto, decidiu postergar a questão e evitou se pronunciar abertamente sobre ela no seu texto.

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A exortação apostólica salienta, isso sim, a necessidade de garantir “uma maior frequência da celebração da Eucaristia”, questão básica para a qual se abrirá a porta à ordenação de homens casados. Mas a seguir acrescenta que é preciso “determinar o que é o mais específico do sacerdote”. A resposta, lê-se, está no sacramento da Ordem, que habilita exclusivamente o sacerdote a presidir a Eucaristia. Ou seja, ninguém mais pode realizar essa função. A solução oferecida por Francisco a esse problema, muito longe da que propunha a assembleia do sínodo, foi pedir a todos os bispos, especialmente os latino-americanos, que sejam “mais generosos”, orientando aqueles que “mostrem vocação missionária” a escolherem a Amazônia.

A decisão já havia sido antecipada por um grupo de bispos norte-americanos que se reuniram com o Papa na semana passada. Alguns deles relataram à agência de notícias CNS (propriedade da Conferência Episcopal dos EUA) que o esperado documento não incluiria a abertura à ordenação de homens casados nem ao diaconato feminino. O arcebispo de Santa Fé, John C. Wester, disse à CNS que o assunto fica adiado: “De modo muito tranquilo e muito amável, o Papa nos disse: ‘Bom, esse ponto não era realmente um ponto importante’. A base de seu argumento era algo assim: ‘Não acredito que seja um tema em que nos vamos mover neste momento, porque não senti que o Espírito Santo esteja trabalhando nisso neste momento”.

O texto final se centra nas questões ambientais, culturais, sociais e políticas que põem em perigo e oprimem os povos da Amazônia. O documento, relativamente curto (52 páginas) e estruturado em 111 pontos (curiosamente, o mesmo número do texto final da assembleia em que se pedia que fosse estudada a ordenação de homens casados), aborda também abertamente a grave falta de vocações e de sacerdotes nessa região e a necessidade de aumentar as funções e a preparação dos laicos para manter a salvo a vida religiosa das comunidades. Mas reservar a eucaristia, elemento chave nesta questão, aos sacerdotes já ordenados.

Faltam párocos

A assembleia episcopal realizada em outubro tinha como objetivo debater sobre a proteção ambiental na Amazônia, sobre as comunidades indígenas que a habitam e sobre a possibilidade de ordenar mulheres e homens casados para suprir a falta de sacerdotes. Este último ponto recebeu o voto favorável de 128 membros, com 40 votos contrários. Cada um dos pontos do documento final devia receber o aval de pelo menos dois terços (120) dos bispos presentes.

Um apoio apertado, em suma, em relação ao obtido pelas demais propostas, mas suficiente para que coubesse ao Papa tomar a decisão na sua exortação apostólica. A possibilidade de ordenar diaconisas também foi fortemente contestada, mas Francisco anunciou que reativaria a comissão de estudo.

O setor ultraconservador da Igreja reagiu imediatamente. A ala mais tradicionalista, encabeçada de dentro do Vaticano pelo cardeal guineense Robert Sarah, prefeito da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos – algo como o chefe da liturgia do Papa –, pôs em ação todo o maquinário midiático para pressionar contra. De fato, o próprio Sarah foi o protagonista, há um mês, de uma polêmica de grande repercussão ao publicar um livro, supostamente em coautoria com o papa emérito, Bento XVI, a favor do celibato e contra a medida que Francisco estudava (o texto final da exortação teria sido entregue no fim de dezembro, embora esteja datado de 2 de fevereiro, dia em que sua impressão foi aprovada).

Quando o livro, intitulado Do Fundo do Nosso Coração, foi lançado na França, um terremoto atingiu o Vaticano. O secretário pessoal de Bento XVI, Georg Gänswein, se viu obrigado a desmentir que o papa emérito estivesse a par do assunto e tivesse dado sua autorização para a publicação de seus textos e uma introdução junto com os de Sarah. Também que teria concordado que seu nome aparecesse na capa como coautor. Alguns dos documentos apresentados por Sarah sugeriam o contrário, e Gänswein foi afastado de suas principais funções e destinado a outros trabalhos nas últimas semanas.

O exasperado debate em torno dos viri probati não permitiu analisar com nitidez o alcance real de uma medida que, na verdade, podia nem ser tão inovadora. Caso seja eventualmente aprovada, seria muito específica, mas os críticos de Francisco, entre os quais se encontram também Gerhard Müller, seu ex-prefeito para a Congregação da Doutrina da Fé, consideram que seria o primeiro passo para “abolir o celibato”. Entretanto, o próprio Bento XVI também admitiu exceções, ao permitir que sacerdotes anglicanos casados fossem incorporados à Igreja Católica.

O diaconato feminino

O debate sobre o papel da mulher na Igreja dominou parte das discussões do Sínodo da Amazônia, realizado em outubro passado no Vaticano.

A assembleia recomendou por ampla maioria (82%) estudar a possibilidade de ordenar diaconisas para administrar determinados sacramentos. Embora a exortação apostólica do Papa saliente agora o papel de alguns laicos na vida religiosa e reconheça o relevante papel da mulher para manter a vida religiosa em determinadas comunidades remotas, reserva à mulher um papel distante da ordem sagrada. Um aspecto que pode decepcionar determinados setores reformistas da Igreja.

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