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Paulo Guedes rifa a bandeira do controle de gastos e quatro integrantes da sua equipe pedem demissão

Bolsa cai quase 3%, no pior desempenho em 11 meses, e dólar bate 5,66 reais após o ministro sugerir romper o teto de gastos para financiar programa social. Congresso encaminha proposta

Paulo Guedes durante evento no Palácio do Planalto em 27 de setembro.
Paulo Guedes durante evento no Palácio do Planalto em 27 de setembro.EDU ANDRADE/Ascom/ME

O mercado financeiro entrou em parafuso nesta quinta-feira, 21, após o Governo deixar claro que vai abandonar a bandeira do controle de gastos públicos. A Bolsa de São Paulo desabou nesta quinta-feira, fechando em queda de 2,94% —o pior desempenho em 11 meses—, com a discussão aberta pelo ministro Paulo Guedes de furar o teto de gastos, um consenso que guiou o país nos últimos anos, para financiar o programa de benefício social Auxílio Brasil. Foi um improviso mal explicado, que contaminou os principais indicadores da economia, e levou a uma debandada de integrantes do Ministério da Economia. Bruno Funchal deixa a Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento e Jeferson Bittencourt sai da Secretaria do Tesouro Nacional. “A secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo, também pediram exoneração de seus cargos”, completa a nota do Ministério da Economia. Todos alegaram “razões pessoais” para deixar os postos.

A B3 chegou a uma queda superior a 4% em alguns momentos do dia e o dólar foi a 5,66 reais, diante da possibilidade de o Governo Bolsonaro não honrar o compromisso assumido, desde que chegou ao poder, de não tocar no sagrado teto de gastos. O limite foi criado durante o Governo de Michel Temer (2016-2018), como antídoto fiscal para colocar as contas do Brasil em ordem.

A ideia do ministro é ultrapassar o limite para bancar dívidas, como a dos precatórios que vencem no ano que vem, e o novo programa social destinado às famílias que estão em situação vulnerável, o Auxílio Brasil. Há dias o assunto estava em debate, uma vez que o noticiário especulava sobre o lançamento do programa nesta semana. O temor dos investidores se confirmou nesta quarta e o mercado entrou em alvoroço diante da ameaça que pode afetar ainda mais a instabilidade econômica que impacta no câmbio e na inflação — o último Boletim Focus elevou pela 25ª semana seguida a previsão de inflação para 2021, projetada agora em 8,45%.

Guedes falou em abrir uma licença para gastar 30 bilhões de reais fora do teto de gastos para garantir suporte às famílias que sentem especialmente na cesta básica o peso da inflação que o mesmo Governo não consegue controlar. O ministro ainda cogitou antecipar a revisão do teto de gastos, que estava marcada para 2026. Para João Leal, economista da Rio Bravo, se o ministro romper o teto de gastos, abre-se um precedente perigoso que vai piorar o que já está ruim. “Se abrir 30 bilhões de reais no teto, tem espaço e tem pressão para ser mais. Não deve parar por aí”, projeta. Leal acredita que seria, ainda, um estímulo para Governos de Estado fazerem o mesmo, e o movimento derrubaria o teto para governos futuros. “Isso só aumenta a incerteza diante de um quadro de inflação descontrolada, e retração muito forte da economia”, completa.

Há, ainda, o temor de um círculo vicioso em que o dinheiro injetado na economia aumente a demanda por bens de consumo e, por consequência, a inflação. Isso porque o Auxílio Brasil pretende pagar 400 reais, mais do que o Bolsa Família, quando o setor empresarial não está preparado para atender a esse crescimento. O dinheiro seria pago a partir de novembro às milhões de famílias hoje inscritas no Bolsa Família, que estão passando dificuldades com a carestia aberta pela pandemia e a inflação que acumula dois dígitos em 12 meses. “A média do Bolsa Família era de 192 reais, e muita gente recebia 40, 60, 80 reais por mês. Nós acertamos que o novo BF [Auxílio Brasil] será de 400 reais para todo mundo, sem exceção”, disse o presidente Jair Bolsonaro em evento no Nordeste nesta quinta.

Seria uma injeção de dinheiro muito bem-vinda para quem está passando fome, e para a economia de modo geral. Mas, sem um plano de longo prazo, e diante da escassez de diversos produtos — fruto da desorganização das cadeias de logística com a pandemia —, os preços podem subir ainda mais. “Todo mundo quer que exista um benefício social, o problema é a forma como ele está sendo colocado, sem responsabilidade”, diz Leal. Para ele, o que mais pesa hoje para que as empresas aumentem sua atividade para atender a uma potencial demanda, é a incerteza que as medidas do Governo geram.

Para alterar o teto seria preciso trabalhar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que passaria pela Câmara e o Senado. Há um risco de deputados apoiarem, mas a dúvida é o Senado. O relator da PEC dos Precatórios, deputado Hugo Motta (MDB-PB), incluiu no projeto uma mudança na regra de correção do teto para disponibilizar 40 bilhões de reais. A PEC prevê ainda adiar o pagamento de até 44 bilhões de reais em precatórios, as dívidas que o Governo deve pagar por força judicial. No final do dia, uma comissão especial aprovou o texto base da proposta por 23 votos a 11. A proposta ainda deve ser votada em dois turnos pelo Plenário da Câmara antes de seguir para o Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse nesta quinta-feira que, caso aprovada, a medida será avaliada pelos senadores com “o máximo de pressa possível”, mas evitou se posicionar sobre essa alternativa e destacou a importância de encaixar o programa social dentro do teto de gastos.

Essa não é a alternativa considerada pela equipe econômica do Governo. Guedes propôs a autorização de um crédito extraordinário de 30 bilhões para o Auxílio Brasil —o que preveniria um buraco ainda maior no teto, algo que já se anuncia na emenda feita à PEC dos Precatórios. O ministro reconheceu, contudo, que a decisão será política. E a instabilidade gerada pela notícia dá o tom da dificuldade que se criou neste momento.

Na prática, o ministro contraria o discurso que ele mesmo defendeu desde o início do Governo e com o qual ganhou o apoio do mercado. Desgastado pela inflação em alta e a hesitação com o pagamento de precatórios, o ministro agora amplia sua lista de manobras criticadas por investidores cada vez mais céticos de que ele seja capaz de colocar o país nos trilhos da retomada sustentável. O ministro já é alvo de chacota por guardar seu dinheiro no exterior, em offshore, como mostrou a investigação jornalística Pandora Papers, enquanto os brasileiros estão expostos à instabilidade econômica, em parte criada por decisões suas.

O anúncio do novo auxílio foi feito na tarde desta quarta pelo ministro da Cidadania, João Roma, que não entrou em detalhes sobre como seria financiado o programa que duraria até dezembro de 2022. À noite, Guedes detalhou o que tinha em mente para gastar 30 bilhões de reais fora do teto de gastos (ele falou em waiver, perdão no jargão econômico) e assim financiar o novo programa. Acusado de ser populista, Guedes argumentou que o Governo pretende ser “reformista e popular. Não populista”. A intenção do ministro será medida nos próximos meses pela situação da economia do país —e pelo resultado da eleição presidencial de 2022.

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