Paulo Guedes rifa a bandeira do controle de gastos e quatro integrantes da sua equipe pedem demissão
Bolsa cai quase 3%, no pior desempenho em 11 meses, e dólar bate 5,66 reais após o ministro sugerir romper o teto de gastos para financiar programa social. Congresso encaminha proposta
O mercado financeiro entrou em parafuso nesta quinta-feira, 21, após o Governo deixar claro que vai abandonar a bandeira do controle de gastos públicos. A Bolsa de São Paulo desabou nesta quinta-feira, fechando em queda de 2,94% —o pior desempenho em 11 meses—, com a discussão aberta pelo ministro Paulo Guedes de furar o teto de gastos, um consenso que guiou o país nos últimos anos, para financiar o programa de benefício social Auxílio Brasil. Foi um improviso mal explicado, que contaminou os principais indicadores da economia, e levou a uma debandada de integrantes do Ministério da Economia. Bruno Funchal deixa a Secretaria Especial do Tesouro e Orçamento e Jeferson Bittencourt sai da Secretaria do Tesouro Nacional. “A secretária especial adjunta do Tesouro e Orçamento, Gildenora Dantas, e o secretário-adjunto do Tesouro Nacional, Rafael Araujo, também pediram exoneração de seus cargos”, completa a nota do Ministério da Economia. Todos alegaram “razões pessoais” para deixar os postos.
A B3 chegou a uma queda superior a 4% em alguns momentos do dia e o dólar foi a 5,66 reais, diante da possibilidade de o Governo Bolsonaro não honrar o compromisso assumido, desde que chegou ao poder, de não tocar no sagrado teto de gastos. O limite foi criado durante o Governo de Michel Temer (2016-2018), como antídoto fiscal para colocar as contas do Brasil em ordem.
A ideia do ministro é ultrapassar o limite para bancar dívidas, como a dos precatórios que vencem no ano que vem, e o novo programa social destinado às famílias que estão em situação vulnerável, o Auxílio Brasil. Há dias o assunto estava em debate, uma vez que o noticiário especulava sobre o lançamento do programa nesta semana. O temor dos investidores se confirmou nesta quarta e o mercado entrou em alvoroço diante da ameaça que pode afetar ainda mais a instabilidade econômica que impacta no câmbio e na inflação — o último Boletim Focus elevou pela 25ª semana seguida a previsão de inflação para 2021, projetada agora em 8,45%.
Guedes falou em abrir uma licença para gastar 30 bilhões de reais fora do teto de gastos para garantir suporte às famílias que sentem especialmente na cesta básica o peso da inflação que o mesmo Governo não consegue controlar. O ministro ainda cogitou antecipar a revisão do teto de gastos, que estava marcada para 2026. Para João Leal, economista da Rio Bravo, se o ministro romper o teto de gastos, abre-se um precedente perigoso que vai piorar o que já está ruim. “Se abrir 30 bilhões de reais no teto, tem espaço e tem pressão para ser mais. Não deve parar por aí”, projeta. Leal acredita que seria, ainda, um estímulo para Governos de Estado fazerem o mesmo, e o movimento derrubaria o teto para governos futuros. “Isso só aumenta a incerteza diante de um quadro de inflação descontrolada, e retração muito forte da economia”, completa.
Há, ainda, o temor de um círculo vicioso em que o dinheiro injetado na economia aumente a demanda por bens de consumo e, por consequência, a inflação. Isso porque o Auxílio Brasil pretende pagar 400 reais, mais do que o Bolsa Família, quando o setor empresarial não está preparado para atender a esse crescimento. O dinheiro seria pago a partir de novembro às milhões de famílias hoje inscritas no Bolsa Família, que estão passando dificuldades com a carestia aberta pela pandemia e a inflação que acumula dois dígitos em 12 meses. “A média do Bolsa Família era de 192 reais, e muita gente recebia 40, 60, 80 reais por mês. Nós acertamos que o novo BF [Auxílio Brasil] será de 400 reais para todo mundo, sem exceção”, disse o presidente Jair Bolsonaro em evento no Nordeste nesta quinta.
Seria uma injeção de dinheiro muito bem-vinda para quem está passando fome, e para a economia de modo geral. Mas, sem um plano de longo prazo, e diante da escassez de diversos produtos — fruto da desorganização das cadeias de logística com a pandemia —, os preços podem subir ainda mais. “Todo mundo quer que exista um benefício social, o problema é a forma como ele está sendo colocado, sem responsabilidade”, diz Leal. Para ele, o que mais pesa hoje para que as empresas aumentem sua atividade para atender a uma potencial demanda, é a incerteza que as medidas do Governo geram.
Para alterar o teto seria preciso trabalhar uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), que passaria pela Câmara e o Senado. Há um risco de deputados apoiarem, mas a dúvida é o Senado. O relator da PEC dos Precatórios, deputado Hugo Motta (MDB-PB), incluiu no projeto uma mudança na regra de correção do teto para disponibilizar 40 bilhões de reais. A PEC prevê ainda adiar o pagamento de até 44 bilhões de reais em precatórios, as dívidas que o Governo deve pagar por força judicial. No final do dia, uma comissão especial aprovou o texto base da proposta por 23 votos a 11. A proposta ainda deve ser votada em dois turnos pelo Plenário da Câmara antes de seguir para o Senado. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), disse nesta quinta-feira que, caso aprovada, a medida será avaliada pelos senadores com “o máximo de pressa possível”, mas evitou se posicionar sobre essa alternativa e destacou a importância de encaixar o programa social dentro do teto de gastos.
Essa não é a alternativa considerada pela equipe econômica do Governo. Guedes propôs a autorização de um crédito extraordinário de 30 bilhões para o Auxílio Brasil —o que preveniria um buraco ainda maior no teto, algo que já se anuncia na emenda feita à PEC dos Precatórios. O ministro reconheceu, contudo, que a decisão será política. E a instabilidade gerada pela notícia dá o tom da dificuldade que se criou neste momento.
Na prática, o ministro contraria o discurso que ele mesmo defendeu desde o início do Governo e com o qual ganhou o apoio do mercado. Desgastado pela inflação em alta e a hesitação com o pagamento de precatórios, o ministro agora amplia sua lista de manobras criticadas por investidores cada vez mais céticos de que ele seja capaz de colocar o país nos trilhos da retomada sustentável. O ministro já é alvo de chacota por guardar seu dinheiro no exterior, em offshore, como mostrou a investigação jornalística Pandora Papers, enquanto os brasileiros estão expostos à instabilidade econômica, em parte criada por decisões suas.
O anúncio do novo auxílio foi feito na tarde desta quarta pelo ministro da Cidadania, João Roma, que não entrou em detalhes sobre como seria financiado o programa que duraria até dezembro de 2022. À noite, Guedes detalhou o que tinha em mente para gastar 30 bilhões de reais fora do teto de gastos (ele falou em waiver, perdão no jargão econômico) e assim financiar o novo programa. Acusado de ser populista, Guedes argumentou que o Governo pretende ser “reformista e popular. Não populista”. A intenção do ministro será medida nos próximos meses pela situação da economia do país —e pelo resultado da eleição presidencial de 2022.
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