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A realidade e os mitos da síndrome de Asperger, o transtorno mental de Greta

A ciência diz que pessoas com essa condição podem ser “excepcionalmente criativas” para problemas, mas especialistas ressalvam que não é a regra

Nacho Sánchez
A ativista sueca Greta Thunberg durante protesto contra a mudança climática em Estocolmo, no dia 14 de fevereiro.
A ativista sueca Greta Thunberg durante protesto contra a mudança climática em Estocolmo, no dia 14 de fevereiro.Ali Lorestani (EFE)

Sheldon Cooper, um dos protagonistas da série The Big Bang Theory, é uma pessoa de rotinas: vai ao banheiro à mesma hora a cada dia, senta-se sempre no mesmo lugar do sofá —onde a temperatura é perfeita tanto no verão como no inverno, e de onde pode ver a televisão sem reflexos e manter uma conversa sem distrações—, e tem uma dinâmica concreta para cada noite. É uma eminência em Física Teórica, possui uma inteligência única e não sossega enquanto não encontra a solução para um novo problema. Por outro lado, não entende o sarcasmo e tem sérios problemas em se relacionar com os outros. Muitos são os que especularam que o personagem teria Asperger, uma síndrome a cujos portadores se atribuem capacidades excepcionais.

Incluído dentro dos transtornos do espectro autista —que afetam cerca de um em cada cem meninos e meninas, segundo a organização Autism Europe e a Estratégia Espanhola em Transtornos do Espectro do Autismo—, o Asperger afeta principalmente dois aspectos. Primeiro, a comunicação social: de como nos relacionamos com outras pessoas até quais fórmulas usamos para isso (a leitura nas entrelinhas ou o entendimento das sutilezas sociais). O segundo está relacionado à flexibilidade do pensamento e do comportamento, e se manifesta em patrões repetitivos, rigidez na conduta, dificuldade para encarar mudanças e inclusive obsessão com questões muito específicas. “Não é uma doença nem uma deficiência intelectual. Pelo contrário, o funcionamento cognitivo está na média ou acima dela”, explica Ruth Vidriales, diretora-técnica da Confederação Autismo Espanha, salientando que, por tudo isso, essas pessoas frequentemente passam despercebidas para a sociedade. Tampouco tem traços físicos distintivos. “Podem ser vistas como pessoas diferentes, mas não se sabe explicar por quê. E chegam a ser julgados como egoístas ou pouco empáticos”, acrescenta a especialista.

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Era o que contava em primeira pessoa Greta Thunberg, a jovem líder do movimento contra a mudança climática, em sua conta do Twitter: “Tenho Asperger e isso significa que às vezes sou um pouco diferente da norma”. O diagnóstico, prosseguia, a havia limitado antes de começar sua greve escolar para sensibilizar sobre a importância de cuidar do planeta. “Não tinha energia, não tinha amigos e não falava com ninguém. Só ficava em casa sentada com um transtorno alimentar. Tudo isso acabou agora, que encontrei um significado em um mundo que às vezes parece superficial e sem sentido para tanta gente”, acrescentava, ressaltando que, dadas as circunstâncias, “ser diferente é um superpoder”. Mas é verdade que as pessoas com Asperger são extraordinárias?

Do domínio dos idiomas à acumulação de dados

“Seus cérebros funcionam de forma diferente, e isso faz que, em alguns casos, ocorram modos diferentes de entender a realidade”, conta Vidriales. Isso foi demonstrado em 2015 por quatro pesquisadores britânicos num estudo que procurava relacionar autismo e pensamento divergente: suas conclusões refletem como pessoas com traços autistas se destacam por apresentar ideias “excepcionalmente criativas”. Esse ponto de vista original pode dar a sensação de que são pessoas que oferecem soluções que apenas os gênios são capazes de encontrar. E, embora às vezes aconteça, não é a norma. “A verdade é que a criatividade é uma das grandes limitações que costumam aparecer no autismo: eles têm muita dificuldade para imaginar”, destaca Ricardo Canal, professor da Universidade de Salamanca (Espanha) e diretor de seu Centro de Atenção Integral ao Autismo. Mas ele ressalva que algumas pessoas com Asperger podem desenvolver atividades imaginativas no contexto de seus interesses específicos.

Para explicar isso mais facilmente, o professor cita exemplos. O mais claro é relativo ao conceito de suspensão da incredulidade, cunhado pelo filósofo inglês Samuel Taylor no século XIX e que se baseia em como aceitamos, em nosso papel de espectadores, as premissas da ficção. Ou seja, por mais que saibamos que não existem dragões, vemos Game of Thrones com total normalidade. “Mas eles são realistas, partem dos fatos, por isso a ficção não os atrai”, comenta Canal. Quando crianças, tampouco se sentem cômodos em brincadeiras que incluam simbolismos ou imaginação. Sempre preferirão uma miniatura de montar a um jogo de representação, com um fogãozinho de onde saem legumes assados que são servidos a clientes de faz-de-conta, interpretados por pais e amigos. “Aí se sentem ausentes, isso os afeta muito”, salienta o especialista, que destaca como as pessoas com Asperger são literais, não enganam e têm muita dificuldade em entender a falsidade que serve de base a muitas relações pessoais.

Todas essas características – dificuldade em representar mentalmente aspectos de caráter simbólicos, literalidade, rigidez, apego às rotinas, obsessão com determinados temas, complicações para ter uma visão global das coisas e dificuldade com a mudança – geram um perfil cognitivo especial que os torna muito bons em alguns aspectos. Podem acumular quantidades enormes de dados, falar vários idiomas, resolver problemas ou conseguir uma incrível concentração nos temas que os atraem. Então, há quem se torne um estupendo professor de matemática, capaz de transmitir a seus alunos a paixão pela matéria, e também aqueles a quem tratamos como gênios por serem especialmente bons em uma área concreta, como Thomas Edison, Albert Einstein, Alan Turing, Isaac Newton e outros grandes nomes da história que relacionamos com o Asperger. Mas os mitos são só isso, mitos. “Há personagens históricos que poderiam estar dentro do espectro, mas são apenas especulações”, esclarece José Antonio Peral, diretor-técnico da Confederação Asperger Espanha (CONFAE). E, provavelmente, nunca saberemos. “Não se podem fazer diagnósticos em pessoas que já não estão mais aqui”, acrescenta.

Habilidades diferentes que devem ser cultivadas desde a infância

Mas quem está realmente diagnosticado, como Greta, pode servir de exemplo para mostrar como as pessoas com Asperger têm a capacidade de se destacar em algum aspecto e encontrar nele o seu caminho. A jovem ativista, por exemplo, achou na crise climática um âmbito ao qual dedicar toda a sua capacidade intelectual e expressá-las com recursos sociais que são suficientes. Seu trabalho para visibilizar o transtorno do espectro autista é muito valioso. “Ajuda a sensibilizar, a percebermos que há coisas que não entendemos e das quais convém não antecipar um julgamento prévio”, destaca Peral, insistindo em que a condição do Asperger deve ser homologada por um especialista. E adverte que a suposta genialidade nem sempre é positiva: assim como são deslumbrados por um tema específico, podem ter problemas de motivação ou concentração em outras áreas do conhecimento ou uma maior dificuldade em suas relações com outras pessoas.

“É importante observar que na sociedade deve haver diversidade e também espaço para todo tipo de talento”, acrescenta Ruth Vidriales, destacando a importância de uma detecção precoce para apoiar essas pessoas em sua aprendizagem no colégio – onde são vítimas propícias para o assédio escolar – e, mais tarde, na busca por um emprego que, às vezes, lhes custa manter. “Têm as capacidades para isso, mas ainda há muitos preconceitos, por isso é importante adotar medidas para que as barreiras sejam superadas e a igualdade seja efetiva”, acrescenta a especialista da Confederação Autismo Espanha, que agrupa e representa quase uma centena de entidades que trabalham com indivíduos com este tipo de transtorno. “As pessoas com autismo podem ter muitas capacidades, talentos muito variados e habilidades de grande utilidade para a sociedade. É preciso cultivá-los desde a infância e fazer que adquiram valor para a vida da pessoa”, conclui Ricardo Canal.

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