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Tentativa de blindar orçamento secreto coloca Congresso à beira da transgressão contra ordem do STF

Presidentes do Senado e da Câmara ameaçam descumprir decisão judicial que determinou a abertura de dados das emendas de relator, principal ferramenta do Governo Bolsonaro para negociar apoio

Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, em março.
Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, em março.Joédson Alves (EFE)

Os presidentes do Senado e da Câmara, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) e Arthur Lira (PP-AL), se preparam para descumprir uma decisão judicial. Os comandantes do Congresso Nacional sinalizaram que não aceitarão a ordem do Supremo Tribunal Federal de informar quem são todos os parlamentares beneficiados pelas emendas do relator ao orçamento geral da União, que foi batizada de orçamento secreto. Esse é um duto pelo qual escoaram de maneira opaca cerca de 6,5 bilhões de reais apenas em 2021. Havia a previsão de que mais 10,3 bilhões fossem gastos nessa rubrica, tecnicamente chamada de RP9. Os recursos são usados para obras e compras públicas.

Uma decisão do STF dada há 21 dias bloqueou esse gasto e determinou que fossem informados os nomes de quem se beneficiou politicamente desses valores. Agora, ao invés de cumprir essa decisão, Lira e Pacheco estão em vias de criar regras de transparência apenas para o futuro, sob o falso argumento de que não é possível saber quem já indicou qual verba pública para qual projeto ou município.

“Estamos diante de um impasse institucional jamais visto entre o Legislativo e o Judiciário”, afirma o cientista político Leonardo Barreto, diretor de análise da consultoria Vector. Na mesma linha, segue o cientista político Leandro Consentino, professor do Insper. “A diferença entre as crises causadas pelo Bolsonaro e a desta, do Congresso, é que, agora, as palavras não são ditas, mas as ações estão sendo apresentadas na mesa”, avalia Consentino.

O que amplia essa crise são, de fato, as ações. Nesta semana, a Comissão de Constituição de Justiça da Câmara deu aval a um texto que pretende reverter a chamada PEC da Bengala. Na prática, os funcionários públicos, entre eles ministros do STF, seriam aposentados compulsoriamente aos 70 anos, não aos 75 anos, como é atualmente. Dessa maneira, Bolsonaro já poderia indicar mais dois ministros da corte em 2022 —para o lugar de Rosa Weber e Ricardo Lewandowski, que têm 73 anos.

No momento, o desafio saber o que poderá ser feito se houver uma desobediência judicial. “Em caso de descumprimento, o Supremo vai mandar prender o presidente do Congresso? O relator do orçamento? Por enquanto é um problema sem solução”, alerta Barreto. Na segunda-feira, durante sessão do Congresso Nacional os senadores e deputados debaterão um projeto de resolução que pretende trazer transparência às emendas do parlamentar no futuro. O tema era para ser debatido açodadamente na sexta-feira, mas após pressão de parlamentares e a possibilidade de o tema ser judicializado, Pacheco adiou o debate para a próxima semana.

A saída, segundo os analistas ouvidos pela reportagem, vai acabar extrapolando a seara judicial. “Em um cenário ideal, o mediador para esse problema seria o Executivo, mas com Bolsonaro isso é impossível. Por isso, a solução virá da política, do diálogo, entre o Judiciário e o Legislativo”, sugere Consentino. “Não há como o Supremo aceitar um descumprimento. A não ser que ele decida fazer uma concessão de natureza política”, acrescenta Barreto.

‘Mensalão de Bolsonaro’

O orçamento secreto foi criado em 2019 ainda na gestão de Rodrigo Maia e Davi Alcolumbre nas presidências da Câmara e do Senado. Com o tempo, tornou-se a principal ferramenta do Governo Bolsonaro para obter maioria no Congresso, principalmente na Câmara. A ideia de usá-lo como moeda de cooptação de parlamentares foi do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, o general Luiz Eduardo Ramos. A aprovação da PEC dos Precatórios na Casa, por exemplo, contou com a promessa da liberação de recursos dessa rubrica. Passou a ser chamada por alguns de mensalão de Bolsonaro, em alusão ao esquema de compra de apoio parlamentar no descoberto no primeiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2006).

No documento enviado ao STF, Lira e Pacheco pediram que a corte revogasse a ordem de dar transparência às liberações antigas. O argumento era de que que a lei que criou as emendas do relator não previa esse registro e que, portanto, seria impossível fazer a identificação retroativa. Disseram ainda que a norma ela não previa a transparência, algo que, de qualquer forma, é estabelecido pela Constituição Federal.

Além disso, conforme revelado em maio pelo jornal O Estado de S. Paulo, planilhas do Ministério do Desenvolvimento Regional obtidas por meio da lei de acesso à informação mostram quais parlamentares pediram as liberações de recursos para seus redutos eleitorais. Só neste ministério foram 3 bilhões de reais, a maioria para a compra de tratores, segundo a reportagem. Ou seja, é possível, sim, saber quem pediu o quê, exatamente.

A tentativa de manter as informações sob sigilo é uma espécie de autoblindagem. Lira reconhece que diversos de seus aliados foram beneficiados. Nos bastidores do Congresso há a preocupação de que a revelação de quem se beneficiou e de quais valores resulte em uma crise na base, já que os deputados e senadores descobririam quem ganhou mais e quem foi menos agraciado.

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