Acuado, Bolsonaro parte para o ataque e diz que CPI é uma “palhaçada” que prejudica a economia
Procurador-geral Augusto Aras recebe relatório final do Senado e deve decidir se denuncia o presidente. Documento também foi entregue ao STF
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O presidente Jair Bolsonaro considera que os crimes contra a humanidade e os demais crimes pelos quais foi formalmente acusado na noite de terça-feira pela CPI do Senado não são um problema pessoal, mas de todos os brasileiros. Para o militar aposentado, a investigação parlamentar “é uma palhaçada”, como declarou nesta quarta-feira. Bolsonaro acusou senadores de afastar investidores e turistas, além de causar estragos na economia. Fiel ao seu estilo, para o presidente não há melhor defesa do que um bom ataque.
O relatório de quase 1.300 páginas que acusa o presidente de nove crimes, seis deles comuns, começou sua jornada em direção aos tribunais. Os senadores, que ontem à noite aprovaram o relatório final por sete a quatro votos, o entregaram ao procurador-geral da República, Augusto Aras, que inicialmente terá 30 dias para analisá-lo. “Graças ao trabalho da CPI temos várias investigações em curso”, declarou Aras ao receber o documento. “A chegada do material referente às autoridades com prerrogativa de foro certamente contribuirá para que (...) possamos dar a agilidade necessária para a apuração dos fatos.” Os senadores também levaram o relatório para o ministro Alexandre de Morais, do Supremo Tribunal Federal (STF). O magistrado é o relator do inquérito das fake news e avalia um pedido da comissão para incluir na investigação o caso da notícia falsa divulgada pelo presidente Jair Bolsonaro associando a vacina da covid-19 à ocorrência de aids. O mesmo documento, que pede 80 indiciamentos de pessoas e empresas, será enviado ao Ministério Público nos Estados.
Questionado em uma entrevista sobre a CPI da Pandemia, Bolsonaro respondeu assim: “O que a comissão faz? As pessoas não acreditam, mas causa estragos. Lá fora, a imagem do Brasil é péssima (...) Acham que eu matei gente na covid“. A investigação parlamentar aponta que 120.000 mortes poderiam ter sido evitadas com uma estratégia racional apoiada pela ciência. Capitão do exército na reserva, Bolsonaro se considera vítima de um ataque na qualidade de “general de vanguarda”.
Seu principal adversário político, o ex-presidente Lula, permaneceu calado. Mas Bolsonaro recebeu o apoio do ex-presidente Donald Trump ainda na noite de terça. “O Brasil tem sorte de ter um homem como Jair Bolsonaro trabalhando para eles. Ele é um grande presidente e nunca decepcionará o povo de seu país”, escreveu minutos após a votação (após dez horas de debate no Senado). Era uma mensagem antiquada, via e-mail, porque as contas nas redes do americano estão suspensas.
Bolsonaro é acusado de não ter assumido as suas responsabilidades perante a pandemia e de ser insensível às mais de 600.000 vítimas da covid-19. Quando o Brasil atingiu os primeiros 100.000 mortos, ele afirmou: “Temos que deixar de ser um país de maricas”. A investigação parlamentar afirma que o presidente e sua equipe adotaram uma estratégia de contágio em massa para obter imunidade de rebanho mais rapidamente e evitar a desaceleração econômica. Também diz que o presidente atrasou a imunização ao rejeitar as primeiras ofertas de vacinas e promoveu supostas curas milagrosas com sua repetitiva defesa de medicamentos sem eficácia comprovada, entre outras acusações. Vários ministros e ex-ministros, além dos três filhos mais velhos de Bolsonaro, estão entre os outros 79 listados no relatório por supostos crimes durante a pandemia. As conclusões da CPI ainda incluem uma bateria de propostas legislativas.
O procurador-geral da República, Augusto Aras, é quem decide se denuncia ou não o presidente à Justiça. Praticamente ninguém espera que as denúncias tenham um longo percurso judicial porque o presidente soube se cercar de aliados preparados para neutralizar esse tipo de ação. Bolsonaro nomeou procurador-geral Augusto Aras, responsável por analisar os crimes comuns atribuídos ao presidente e aos demais investigados com foro privilegiado. Ele tem sido bastante cauteloso em levar adiante denúncias contra o presidente, mas afirmou que as apurações feitas pela comissão contra autoridades com foro privilegiado poderão avançar. Já o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, responsável por analisar crimes que poderiam resultar em um processo de impeachment, também é um aliado.
O cientista político David Fleischer, professor emérito da Universidade de Brasília explica que “a CPI fez muito barulho, produziu um relatório sério e contundente, mas o presidente ainda tem dois guardiões, Lira e Aras. Tudo o que a CPI fez agora é com eles. Agora, o desgaste político do Bolsonaro já ocorreu”.
As sessões televisionadas em que os senadores interrogaram testemunhas nos últimos seis meses mantiveram a pandemia como uma das grandes notícias enquanto a campanha de vacinação avançava e a média de mortes diárias pela covid-19 começava a cair. Nesta terça, o país notificou 109 novos falecimentos provocados pelo vírus. Bolsonaro estava confiante de que o arrefecimento da pandemia e a melhora da economia, que não ocorreu, o ajudariam a recuperar o impulso político, mas não foi o caso.
E o julgamento de crimes contra a humanidade, também imputados ao presidente pela CPI, está sob a jurisdição do Tribunal Penal Internacional de Haia. Já tem quatro denúncias contra o Bolsonaro, inclusive por genocídio, ainda pendente de ser analisado. A Câmara dos Deputados também não analisou nenhum dos mais de 100 pedidos para abrir contra Bolsonaro um julgamento político como o que retirou Dilma Rousseff da Presidência. Com informações de Afonso Benites e Beatriz Jucá.
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