Punir os responsáveis pelo que o país quer esquecer
É difícil vivenciar o luto por 606.000 mortos pela covid-19 sob um Governo que humilhou os brasileiros ao longo da pandemia
O Brasil mergulhou numa tristeza profunda com a pandemia do coronavírus. A evolução das mortes por covid-19 desde março de 2020 abriu um vale de lágrimas, ao menos entre os que não esqueceram de vivenciar sua humanidade com a empatia de ver seu semelhante sofrer. Foram notícias devastadoras, famílias dizimadas, o país ficou cinza, num luto duradouro. Mães que foram embora e deixaram crianças órfãs. Pais que perderam seus filhos, avôs, irmãos, médicos e enfermeiros que adoeceram atuando na linha de frente para salvar quem se asfixiava pelos efeitos do coronavírus. Artistas queridos foram embora.
O medo de morrer e de ter seus familiares mortos no auge da pandemia foi permanente entre os que acreditaram nos médicos e nos porta-vozes da ciência. O Brasil aprendeu a nomear de cor os cientistas que nos preveniam sobre os riscos. Margareth Dalcomo, Átila Iamarino, Miguel Nicolelis, Natália Pasternak, Mariana Varella e tantos outros. Resistimos até onde pudemos, engolindo nossa tristeza e tentando salvar mais uns. Tudo enquanto tivemos de conviver com a raiva de lidar com negacionistas que riram de quem se esforçava por usar a máscara, por manter distância, por buscar soluções seguras que fugissem das falsas promessas oportunistas. Muitos deles morreram por minimizar os riscos.
Foi um tempo devastador, que acabou com nossas forças e esperanças. Já teria sido terrível por si só, mas houve um presidente, num papel central, que piorou o que já era terrível. O Brasil precisou conviver com Jair Bolsonaro zombando do desespero de seu povo. Riu de quem quis ficar em casa, chamou o Brasil de país e maricas, insuflou atos antidemocráticos com requintes de escárnio diante das mortes. Pessoas de boa fé que acreditaram em cloroquina ou ivermectina, porque o presidente dizia que trariam a cura, mataram seus familiares sem saber que o faziam a mando de um líder que buscava apenas seu projeto de poder.
Escancarou suas intenções de correr atrás da imunidade de rebanho, acelerando os contágios, por temer os efeitos na economia. Se ela andasse mal, com as pessoas isoladas em suas casas, Bolsonaro poderia não se reeleger. Verbalizou esse raciocínio diversas vezes. Foi o sabotador de uma política que poderia ter poupado centena de milhares de vida se não tivesse entrado numa guerra vulgar e verborrágica com a China, e com os fornecedores de vacina. Com o país em carne viva, humilhava quem acreditou na ciência. O Brasil superou 4.000 mortes diárias entre março e abril, um filme de terror para qualquer nação. Não contente, até hoje propaga maldades, como a correlação entre vacina e contágio de Aids.
Veio então a CPI da Pandemia, que colocou o espelho na cara do presidente. A comissão não foi perfeita, exagerou, virou palco de políticos, na visão de alguns, mas escancarou a mesquinharia que reinou em todo o Governo Bolsonaro. Do Palácio do Planalto aos ministérios da Saúde e da Economia. Os senadores ajudaram a organizar a linha do tempo do Brasil da pandemia, do oportunismo saído das sombras que se abateram sobre a sociedade. Um tempo que ficará na história de cada um que tem consciência, feito tatuagem. Os que fomentam um anseio de tornar o Brasil um país mais digno, onde os que cometem atrocidades paguem pelos seus crimes. Jair Bolsonaro é o primeiro da lista, a grande batalha que o país enfrenta a partir de agora. Com o fim da CPI depois de seis meses, o país precisa avançar sem passar por cima desta página em que a má fé reinou. É hora de acreditar num país que presta contas a seus mortos, sem ódio ou vingança, mas com justiça.
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