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Divergências adiam relatório final da CPI da Pandemia para que ela não acabe ‘em pizza’

Senadores opositores não concordaram com alguns termos de indiciamentos. Presidente e outras 59 pessoas eram apontadas como responsáveis por delitos no combate ao coronavírus

O presidente Bolsonaro no último dia 12, em Aparecida (SP).
O presidente Bolsonaro no último dia 12, em Aparecida (SP).CARLA CARNIEL (Reuters)

A Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia adiará em pelo menos uma semana a leitura e votação de seu relatório final. A decisão foi comunicada neste domingo pelo presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), ao grupo de sete senadores que fazem oposição ao Governo Jair Bolsonaro e deram o rumo das principais investigações do colegiado. Da maneira como fora redigido o relatório, corria-se o risco de ele não ser aprovado, já que havia uma falta de consenso entre os sete parlamentares que até agora votavam de maneira uniforme. Ou seja, ela poderia acabar ‘em pizza’, termo usado para definir apurações políticas que não chegam a lugar algum.

A informação sobre o adiamento foi confirmada ao EL PAÍS pela assessoria de imprensa do relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), e pelo senador Humberto Costa (PT-PE), um dos membros dela. Em princípio, o relatório seria lido na terça-feira, dia 19, e votado no dia seguinte. Parte dos senadores desse grupo, apelidado de G7, demonstrou descontentamento com trechos do relatório que estavam sendo divulgados pela imprensa nos últimos dois dias.

Havia a expectativa de que o relator discutisse detalhes do documento antes de repassar os dados à imprensa. Quando parlamentares notaram o vazamento iniciou-se uma discussão em um grupo de WhatsApp sobre alguns dos termos que estavam sendo utilizados. Houve quem demonstrasse descontentamento com indiciamentos de 60 pessoas – entre eles o do presidente Bolsonaro – e com a ausência de outros, segundo contou ao EL PAÍS o senador Humberto Costa, titular da comissão e um dos representantes do G7. O petista disse que não poderia detalhar quais foram as queixas de seus colegas, mas ressaltou que algumas das tipificações criminais dos indiciados descontentaram parte do grupo. “O que posso dizer é que tivermos algumas divergências maiores e outras menores. Agora, teremos de discutir como tudo será consertado”, disse.

Bolsonaro, por exemplo, estava sendo indiciado por 11 crimes, entre eles homicídio qualificado, epidemia, charlatanismo e incitação ao crime. O presidente postergou a compra de vacinas, fez campanha contra os imunizantes e promoveu medicamentos comprovadamente ineficazes no tratamento do coronavírus. Algo de possível rusga entre os parlamentares é o indiciamento de um de seus pares, o primogênito do presidente e membro suplente da CPI, Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ), por disseminação de fake News. Os outros dois filhos políticos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro e o deputado Eduardo Bolsonaro também seriam indiciados pelo mesmo delito.

Conforme publicado neste domingo pelo jornal O Estado de S. Paulo, o relatório previa que o Governo Bolsonaro teria agido com dolo na pandemia de covid-19. “O governo federal criou uma situação de risco não permitido, reprovável por qualquer cálculo de custo-benefício, expôs vidas a perigo concreto e não tomou medidas eficazes para minimizar o resultado, podendo fazê-lo. Aos olhos do direito, legitima-se a imputação do dolo (intenção de causar dano, por ação ou omissão)”, diz trecho do documento publicado pelo periódico.

Tribunal Penal Internacional

Para ser aprovado, são necessários os votos da maioria dos 11 senadores titulares da CPI. Quatro deles agem de maneira alinhada com o Governo: Luiz Carlos Heinze (PP-RS), Marcos Rogério (DEM-RO), Jorginho Mello (PL-SC) e Eduardo Girão (Podemos-CE) – este se identifica como um senador independente. O prazo limite para o funcionamento da CPI é 5 de novembro.

Dessa forma, a oposição seguiria com a maioria dos votos (7 entre 11). É com essa maioria que os opositores querem seguir contando para aprovar um relatório duro contra o presidente e seus aliados. Tipos penais não faltam. Alguns deles imprescritíveis e que poderiam acabar no Tribunal Penal Internacional, como o caso da acusação de genocídio. É uma espécie de cerco político-eleitoral e jurídico-criminal contra o presidente. Há desde grupos que disseminaram desinformação até ex-gestores e autoridades federais e estaduais que agiram contra as medidas de prevenção do coronavírus ou que atrapalharam a aquisição de vacinas.

No relatório preliminar de Calheiros, Bolsonaro estava sendo caracterizado como autor de genocídio de indígenas. “Fica nítido o nexo causal entre o anti-indigenismo do mandatário maior e os danos sofridos pelos povos originários, ainda que, como outros líderes acusados de genocídio, não tenha ele assassinado diretamente pessoa alguma”, diz trecho do documento, revelado pelo Estadão.

Em meados de setembro, um grupo de juristas elaborou um parecer a pedido da CPI que definiu uma lista seis possíveis crimes comuns cometidos pelo presidente: além do charlatanismo e do crime da epidemia, crime contra a humanidade, infração de medida sanitária preventiva, incitação ao crime e prevaricação. Todos esses seriam investigados pelo Ministério Público Federal. Há ainda um possível crime de responsabilidade pela violação das garantias individuais, como o direito à vida e à saúde. Neste caso, caberia ao Congresso Nacional avaliar e a punição seria o impeachment e a cassação dos direitos políticos do presidente.

“O presidente da República deixa de cumprir com o dever que lhe incumbe, de assumir a coordenação do combate à pandemia, dizendo lhe ter sido proibida qualquer ação pelo Supremo Tribunal Federal, que, como ressaltado antes, o desmente, pois há competência comum, e devem União, Estados e Municípios atuar conjuntamente segundo a estrutura do Sistema Único de Saúde”, diz o parecer coordenado pelo jurista e ex-ministro Miguel Reale Jr, um dos signatários do pedido de impeachment que resultou na destituição de Dilma Rousseff (PT) da Presidência da República.

Todos os dados que constam no relatório serão encaminhados ao Ministério Público Federal e para o equivalente de alguns Estados para que eles ajam. Uma primeira parte já chegou às mãos da força-tarefa do MP de São Paulo que apura os crimes da Prevent Senior.

O líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros.
O líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros.EVARISTO SA (AFP)

Ricardo Barros e a rede de fake news

Um dos capítulos do relatório abordará exatamente os grupos de bolsonaristas que espalhavam fake news e interferiram diretamente na disseminação de dados falsos sobre a pandemia. Nesse trecho do documento, serão citados os portais Terça Livre, Brasil Sem Medo e Crítica Nacional. Os responsáveis por esses sites e aliados deles também serão investigados, entre eles o blogueiro Allan dos Santos, o ex-secretário de Comunicação do Governo Fábio Wajngarten e o empresário Otávio Fakhoury.

Um outro trecho do relatório será dedicado ao líder do Governo na Câmara, Ricardo Barros (PP-PR). Várias frentes da investigação o vinculam a uma série de irregularidades. Um cruzamento de quebras de sigilos bancários, fiscais e telefônicos analisadas pelos 25 assessores parlamentares e policiais que trabalham no relatório dão conta de que todos os fios se conectam ao deputado. “Todos os caminhos levam ao Barros”, disse uma fonte da CPI.

Barros tem vínculo, por exemplo, com diretores que negociaram propina para a compra de vacinas, com a assinatura de um contrato fraudulento para a compra de outro imunizante, é apontado como um dos fatores de pressão contra os denunciantes do esquema e é investigado em outro inquérito por pagar 20 milhões de reais para a empresa Global por medicamentos que nuca foram entregues, quando era ministro da Saúde de Michel Temer. Além disso, o próprio presidente Bolsonaro teria dito em uma conversa com um dos denunciantes das irregularidades, o deputado Luís Miranda (DEM-DF), de que Barros teria “esquemas” dentro do Ministério da Saúde.

Ainda que haja, até o momento, uma barreira de contenção a favor de Bolsonaro na Câmara e na Procuradoria Geral da República, a CPI deve causar ainda mais dano à já fragilizada imagem do presidente —sua popularidade chegou ao pior índice do mandato, 53% de ruim e péssimo em setembro, conforme o Datafolha. Os opositores contam com o tempo. Apesar da inação de parte dos atores que deveriam agir contra o presidente, alguns dos crimes que serão relatados são imprescritíveis e não dependem, necessariamente, de um juízo político. Ou seja, a possibilidade de punição dos responsáveis, ainda que tardia, permanece viva.

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