Bolsonaro pede impeachment do ministro Alexandre de Moraes e abre crise sem precedentes

Presidente havia prometido representar também contra Barroso, mas documento só contempla o relator do inquérito das ‘fake news’ no STF. Pedido foi feito ao Senado, cujo presidente, Rodrigo Pacheco, fala em “pacificação”

O presidente Jair Bolsonaro, participa da terceira fase da Operação Formosa 2021, no Campo de Instrução de Formosa, na última segunda-feira.Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
Brasília / São Paulo -
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A promessa não foi cumprida à risca, mas o presidente Jair Bolsonaro apresentou à presidência do Senado nesta sexta-feira um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Ao contrário do que havia antecipado no sábado passado, o mandatário não representou contra o ministro do STF e atual presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso. A fratura aberta entre o Executivo e o Judiciário se aprofunda, de qualquer forma. Mais cedo, o próprio Bolsonaro divulgou em suas redes sociais que apresentou ao STF uma ação que questiona “a constitucionalidade nas decisões do Inquérito das fake news”, relatado por Alexandre de Moraes. Essa ação conta com a assinatura do novo advogado-geral da União, Bruno Bianco Leal. No caso do pedido de impeachment, apenas Bolsonaro assina o documento.

Moraes incluiu Bolsonaro entre os investigados no inquérito das fake news após o presidente semear a dúvida sobre o processo eleitoral brasileiro, ao questionar a segurança da urna eletrônica. Desde então, o presidente elevou o tom de confronto com o ministro, que acusou de “jogar fora das quatro linhas da Constituição”. No documento apresentado ao Senado nesta sexta-feira, o presidente pede a destituição do cargo de Moraes por crime de responsabilidade. Segundo Bolsonaro, Moraes atua “como verdadeiro censor da liberdade de expressão ao interditar o debate de ideia e o respeito à diversidade, e ao descumprir compromisso expressamente assumido com este Senado Federal”. Na semana passada, o ministro mandou prender o ex-deputado Roberto Jefferson, apoiador barulhento de Bolsonaro nas redes sociais. Antes disso, Moraes também tinha autorizado a prisão do deputado Daniel Silveira (PSL-RJ), outro bolsonarista que fez ameaças ao Supremo.

No pedido de impeachment de Moraes, Bolsonaro argumenta que “não se pode tolerar medidas e decisões excepcionais de um Ministro do Supremo Tribunal Federal que, a pretexto de proteger o direito, vem ruindo com os pilares do Estado Democrático de Direito”. “Ele prometeu a essa Casa [o Senado] e ao povo brasileiro proteger as liberdades individuais, mas vem, na prática, censurando jornalistas e cometendo abusos contra o Presidente da República e contra cidadãos que vêm tendo seus bens apreendidos e suas liberdades de expressão e de pensamento tolhidas”, segue o texto, que parece destinado a ter mais serventia política do que formal.

Responsável por receber o pedido, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), já havia dito que que não tinha interesse no tema. Nesta sexta-feira, Pacheco falou em “maturidade política”, disse que o episódio de hoje “há de ser superado” e que ele buscará a “pacificação” entre os poderes. O presidente do Senado adiantou que não vê critérios para impeachment tanto de ministros do Supremo quanto do presidente da República, mas prometeu se debruçar sobre o pedido apresentado por Bolsonaro antes de decidir como irá conduzir o pleito do presidente.

O STF, por sua vez, divulgou uma nota para repudiar o ato de Bolsonaro. “O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal”, diz a mensagem, que finaliza: “O STF, ao mesmo tempo em que manifesta total confiança na independência e imparcialidade do Ministro Alexandre de Moraes, aguardará de forma republicana a deliberação do Senado Federal".

Novo inquérito

Nesta sexta-feira, o ministro criticado por Bolsonaro mirou no cantor Sérgio Reis, outro apoiador do presidente. Moraes determinou que o artista e outros investigados por atos antidemocráticos se mantenham a pelo menos um quilômetro de distância da Praça dos Três Poderes, dos ministros do Supremo e dos senadores da República. O ministro do STF também ordenou que Facebook, Instagram, Twitter e Youtube suspendam os perfis dos investigados e que o Banco Central bloqueie a chave Pix de financiamento de um protesto convocado para o dia 7 de setembro em defesa do voto impresso e da destituição de ministros do Supremo.

O inquérito que trata desses casos foi aberto no último dia 16 e está sob sigilo. É mais uma ação do STF para esvaziar a escalada autoritária de Bolsonaro, reverberada por seus apoiadores nas redes sociais. “Os investigados pretendem utilizar-se abusivamente dos direitos de reunião, greve e liberdade de expressão, para atentar contra a Democracia, o Estado de Direito e suas Instituições, ignorando a exigência constitucional das reuniões serem lícitas e pacíficas; inclusive atuando com ameaça de agressões físicas”, argumenta Moraes no despacho.

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O ministro detalha que a convocação começou em 7 de julho, com a transmissão da live Vamos fechar Brasília, na qual o caminhoneiro Marcos Antônio Pereira Gomes, conhecido como Zé Trovão, “incitou seguidores, a pretexto de fazer um pronunciamento sobre uma suposta greve dos caminhoneiros, a invadir o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional e a ‘partir pra cima’ do presidente e do relator da CPI da Pandemia de modo a ‘resolver o problema [do aumento] dos combustíveis no Brasil”. A mensagem foi endossada por Sérgio Reis em publicações no WhatsApp e no Twitter. Além deles, são investigados no inquérito o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ) e outras sete pessoas. Apenas o parlamentar não foi incluído na ordem de se afastar da área do Congresso, mas seu gabinete na Câmara foi alvo das buscas realizadas pela Polícia Federal nesta sexta.

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