‘Superpedido’ de impeachment testa a muralha de Arthur Lira em momento trágico para o Governo
Petição, que unifica mais de 100 requerimentos e tem apoio de movimentos de esquerda e nomes da direita, foi protocolada em meio a denúncias de corrupção contra o Governo e às vésperas de manifestações convocadas em todo o país
Em meio a denúncias de corrupção que pesam sobre o Governo, e às vésperas de mais uma convocatória de atos em todo o país contra o presidente Jair Bolsonaro, uma articulação de grupos lança uma semente de frente ampla antibolsonarista ao protocolar na Câmara dos Deputados um superpedido de impeachment. O requerimento contempla 23 crimes da Lei do Impeachment que, segundo eles, recaem sobre o presidente e que já estavam presentes nas outras 122 ações paradas na Mesa Diretora da Câmara. O documento é assinado principalmente por movimentos sociais e partidos de esquerda e centro esquerda como PT, PDT, Rede, PSB, PSTU e PSOL, além do Cidadania. Mas nomes associados à direita e que deram força ao bolsonarismo no passado também se somaram ao superpedido, incluindo os deputados Joice Hasselman (PSL-SP), Kim Kataguiri (DEM-SP) e Alexandre Frota (PSDB-SP), além do Movimento Brasil Livre (MBL). A ausência de partidos como o PSDB ou PL mostra que a unidade em torno do assunto ainda tem resistências entre partidos da direita tradicional e que pode não haver votos suficientes na Câmara para peitar essa empreitada caso prospere.
Seja como for, o novo pedido bate na muralha do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), aliado de Bolsonaro. Lira tem declarado que não pretende colocar o impeachment em pauta. “Falta circunstância”, afirmou, em entrevista ao jornal O Globo no último dia 22. “Falta um conjunto de coisas.” Nesta quarta-feira, Lira proferiu declarações semelhantes. “Aqui seguimos a pauta do Brasil, das reformas e dos avanços. Respeito a manifestação democrática da minoria. Mas um processo de impedimento exige mais que palavras. Exige materialidade”, disse ao Blog de Gerson Camarotti.
Para os responsáveis pelo pedido, porém, faltavam evidências que agora estão presentes nas mais recentes suspeitas de corrupção no Ministério da Saúde em plena pandemia. O advogado Mauro Menezes, um dos autores do superpedido, afirma que os últimos episódios da CPI foram cruciais para alavancar a entrega do documento na Câmara. “Após o depoimento [do deputado Luis Miranda e seu irmão Luis Ricardo Miranda que acusaram irregularidades no contrato da Covaxin], ficou ainda mais nítida a ocorrência de crime de responsabilidade contra a probidade administrativa.” São considerados atos de improbidade aqueles em que o agente público comete algum ato contra a administração pública. Pesa contra Bolsonaro, segundo Menezes, o fato de ele ter tomado conhecimento das suspeitas na compra da Covaxin, segundo relataram à CPI os irmãos Miranda, e mesmo assim, não ter tomado nenhuma atitude, o que configura prevaricação. Bolsonaro jamais negou ter tido a conversa com os Miranda.
Segundo Menezes, o fato de não ter agido é um dos pontos fundamentais do pedido de impeachment. “O presidente seria conhecedor dos fatos e também da autoria dos fatos e deliberadamente, sabendo, absteve-se de tomar qualquer medida”, diz. “Essa é uma novidade que deve ser considerada como decisiva.” O presidente, por sua vez, segue negando irregularidades e afirma, insistentemente, que nenhuma vacina indiana foi comprada, embora 1,6 bilhão de reais tenha sido empenhado para o contrato. “Me acusam agora de corrupção virtual”, afirmou, em um vídeo na última segunda-feira e publicado em suas redes sociais. Na noite desta terça, porém, um dos funcionários do ministério identificado como um dos autores de pedido de propina para a compra de vacinas foi exonerado pelo Governo. O diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, teria proposto o pagamento de um dólar por dose de vacina comprada a um negociador que se disse representante da AstraZeneca.
Se a oposição a Bolsonaro ganha artilharia com o desenrolar da CPI, a dúvida é saber se Lira considera os novos fatos apresentados como suficientes para aceitar o novo pedido. As acusações de corrupção alcançam o deputado Ricardo Barros (PP-PR), colega de partido do presidente da Casa. Barros é apontado como uma pessoa ligada à Precisa Medicamentos, que teria tentado intermediar a compra da Covaxin, e seria um nome de influência do Centrão dentro do Ministério da Saúde em negócios suspeitos de corrupção em outras compras.
O casamento de Lira e Bolsonaro se fortaleceu em fevereiro deste ano quando Lira derrotou Rodrigo Maia na disputa pela presidência da Casa. Desde então, o presidente da Câmara ganhou poder e prestígio defendendo as pautas econômicas e acelerando projetos de interesse do Governo. A soma da impopularidade do presidente Bolsonaro com as denúncias de corrupção pode, em tese, aumentar a pressão sobre Lira. Só não se sabe até que ponto. Nos dois casos recentes em que presidentes tiveram na berlinda ― o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016, e as denúncias criminais contra Michel Temer que chegaram a Câmara no ano seguinte― tiveram desfecho diferente no Parlamento. Ambos em baixa nas pesquisas e enfrentando denúncias de corrupção. Temer, porém, tinha ao seu lado o mercado financeiro, e isso ajudou a azeitar alianças no Congresso, já representado em seu gabinete, para conseguir votos que derrubassem seu pedido de impeachment.
Lula faz aceno a impeachment e direita anti-Dilma testa discurso
Agora, nos cálculos de Lira devem entrar outros fatores. A pressão sobre o presidente da Câmara deve aumentar nos protestos deste sábado nas ruas, que ainda estão tomadas por movimentos esquerda. Atores com o Movimento Brasil Livre e o Vem pra Rua ensaiam apoio ao impeachment por uma estratégia de ver a chance de ter um candidato mais competitivo para derrubar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que desponta com força nas pesquisas. “É impeachment ou o PT de volta”, escreveu Renan Santos, um dos líderes do MBL, em um artigo na Gazeta do Povo. “Manter Bolsonaro no poder é certeza do retorno de Lula. Ou derrubamos este criminoso, ou ele entrega o país (em frangalhos) de bandeja para o petismo.”
Já o Vem pra Rua não se uniu à coalizão, mas protocolou um pedido de impeachment sozinho nesta terça-feira (29), listando 35 crimes que Bolsonaro teria cometido. Nenhuma das duas organizações participarão dos atos neste sábado. Segundo a assessoria do Vem pra Rua, o movimento deve marcar uma manifestação em outubro “quando a vacinação estará mais avançada”.
Enquanto a direita populista anti-Dilma testa o discurso, Lula faz seus primeiros movimentos para impulsionar um pedido de impeachment ―apesar do apoio do PT, nos bastidores a leitura sempre foi a de que o ex-presidente prefere um Bolsonaro sangrando até 2022 à empreitada incerta de tentar derrubá-lo pela vias legais. “Parabenizo as forças de oposição ao Bolsonaro e os movimentos sociais que conseguiram unificar os mais de 120 pedidos de impeachment pra pressionar o Lira. Espero que as manifestações de rua convençam o presidente da Câmara a colocar em votação”, escreveu Lula no Twitter.
As circunstâncias, no entanto, se ainda não servem para passar o impeachment na Câmara, fustigam Bolsonaro, em baixa nas pesquisas de opinião e agora sob a pressão de denúncias de corrupção no Ministério da Saúde que partiram da CPI da Pandemia. Após denúncia de que o diretor de Logística da pasta, Roberto Ferreira Dias, teria pedido propina de 1 dólar por dose da AstraZeneca, a CPI se voltará também à compra desse imunizante para investigar.
Já a Covaxin teve contrato suspenso pelo Ministério da Saúde e a Controladoria-Geral da União (CGU). “Por orientação da Controladoria-Geral da União, por uma questão de conveniência e oportunidade, decidimos suspender o contrato para que análises mais aprofundadas sejam feitas”, afirmou o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, em uma entrevista coletiva na terça. Nesta quarta-feira, o Ministério Público Federal aprofundou mais uma frente, abrindo uma investigação criminal sobre o caso Covaxin. Diante dessa enxurrada negativa para o Planalto, uma pergunta-chave será respondida nas próximas semanas: Bolsonaro chegou a um piso de popularidade considerando sua base mais fiel ou vai desidratar ainda mais com o agravamento da crise política?
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