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Na CPI, deputado arrasta líder do Governo Bolsonaro para o escândalo da Covaxin

Ricardo Barros nega qualquer irregularidade. Relator da CPI diz que comissão agora vai investigar corrupção da Gestão Bolsonaro. Apesar de pontas soltas, sessão aumenta pressão sobre o Planalto

O servidor Luis Ricardo Miranda e o deputado Luis Miranda na CPI da Pandemia.
O servidor Luis Ricardo Miranda e o deputado Luis Miranda na CPI da Pandemia.ADRIANO MACHADO (Reuters)

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O deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) arrastou para o centro da crise política da CPI da Pandemia o líder do Governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR). Após mais de sete horas de questionamentos e insistências dos senadores, Miranda admitiu que, em 20 de março, quando avisou o presidente Jair Bolsonaro sobre uma possível irregularidade, ele citou o nome de um deputado, que ainda teria influência sobre a pasta. A reação de Bolsonaro, conforme o relato, foi de exaltação e de preocupação, pois não teria forças para alterar o cenário. “Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar, não é?”, teria dito o presidente a Miranda. Durante o seu depoimento na CPI nesta incomum e tumultuada sexta-feira, o parlamentar resistiu em citar o nome desse colega, mas acabou cedendo e falou, às lágrimas, que era Ricardo Barros. Disse ter tirado “um peso das costas” e que temia pela sua segurança e a de sua família.

“Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas vocês não sabem o que eu vou passar”, desabafou Miranda em resposta a um questionamento da senadora Simone Tebet (MDB-MS). “Apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta e ele sabe que tem alguma coisa errada, sabe quem é, sabe o nome e não faz nada, por medo da pressão que ele pode levar do outro lado. Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo o errado? De quem desvia dinheiro público das pessoas morrendo dessa porra desse covid?”, disse.

Depois da fala, o relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), disse que o depoimento do deputado e do irmão dele, o servidor do Ministério da Saúde Luis Ricardo Fernandes Miranda, são divisores de água na investigação. “Essa comissão até hoje era uma e a partir de hoje fará uma investigação diferente”, disse Renan. O senadores querem que o líder do Governo na Câmara seja chamado a depor.

Em suas redes sociais, o deputado Barros, um dos expoentes do Centrão que blinda o Governo no Congresso, negou ser esse parlamentar citado pelo presidente. “Não tenho relação com esses fatos.” No entanto, foi Barros quem, enquanto ministro da Saúde no Governo Michel Temer (MDB), nomeou uma das pessoas citadas pelo servidor Luis Ricardo como quem teria cometido irregularidades no processo da Covaxin. Também foi na Gestão Barros que o Governo levou um prejuízo de 19,9 milhões de reais pelo não fornecimento de medicamentos que foram comprados, mas não foram entregues. O contrato era com a Global Gestão em Saúde, que é sócia da Precisa Medicamentos, a intermediadora entre o Brasil e a farmacêutica indiana Bharat Biotech, produtora da Covaxin. Neste ano, o líder do Governo apresentou emenda a uma medida provisória para abrir caminho para vacinas registradas na Índia, como a Covaxin. O deputado afirma que outros parlamentares da oposição também fizeram propostas para a MP no mesmo teor.


Brazil's Deputy Ricardo Barros listens Brazil's Economy Minister Paulo Guedes during a Flag Day ceremony at the Planalto Palace, in Brasilia, Brazil November 19, 2020. REUTERS/Adriano Machado
Brazil's Deputy Ricardo Barros listens Brazil's Economy Minister Paulo Guedes during a Flag Day ceremony at the Planalto Palace, in Brasilia, Brazil November 19, 2020. REUTERS/Adriano MachadoADRIANO MACHADO (Reuters)

Os irmãos Miranda ainda afirmaram que o esquema foi todo relatado ao então ministro Eduardo Pazuello, no dia 21 de março. Segundo o relato do deputado, o general demonstrou impotência para fazer qualquer alteração. Luis Miranda afirmou que, quando foi informado, o ministro fez uma cara de descontentamento e disse que seria demitido por não admitir o pagamento de “pixulecos” (propinas). “No duro, eu vou ser exonerado. Tenho conhecimento de algumas coisas. Tento coibir, mas por eu não compactuar com algumas situações, eu vou ser exonerado.”

Pontas soltas no caso Covaxin

Apesar de entregar em uma bandeja a cabeça do líder da Gestão Bolsonaro, algumas pontas ainda estão soltas na apuração e precisarão ser descobertas pelos senadores. Por exemplo, por que Bolsonaro não determinou a abertura de uma investigação sobre o tema, apesar de ter dito que o faria? Por que o Governo continuou fazendo negócio com uma empresa que tinha como sócia outro grupo acusado de dar calote no Poder Público? Qual a relação entre o Governo e o empresário sócio da Precisa, Francisco Emerson Maximiano? Por que o Governo assinou o contrato com uma vacina sem reconhecimento internacional em apenas três meses enquanto que outras empresas, como a Pfizer, levaram ao menos 11 meses?

O contrato com a Precisa, como intermediadora da Bharat Biotech, foi firmado em fevereiro e previa a entrega de 20 milhões de doses até maio ao custo aproximado de 1,6 bilhão de reais ―cerca de 15 dólares por dose, é o imunizante mais caro contratado pelo Brasil. Até o momento, nem uma dose foi entregue e o contrato inicial previa o pagamento apenas na entrega do produto. E é nesse argumento que o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o presidente Bolsonaro embasam suas defesas, de que não foi gasto nem um centavo de recursos públicos, apesar de o dinheiro ter sido empenhado (reservado) no orçamento.

Independentemente do desfecho desta CPI, ainda há explicações a serem dadas ao Ministério Público Federal, que abriu investigação no setor de combate à improbidade administrativa para apurar os fatos, e ao Tribunal de Contas da União, que sugeriu a suspensão do contrato com a Precisa. Segundo pontua a procuradora Luciana Loureiro em seu despacho, a omissão de correções no contrato, somada ao risco de uma compra a preço elevado, de uma empresa que já tem um histórico de irregularidades “não se justifica”. Além de ser investigada pelo calote no passado, a Precisa também é investigada no Distrito Federal, acusada de vender testes para covid-19 com preços acima do mercado ao Governo Ibaneis Rocha, um aliado do bolsonarismo. Também entrou no radar da imprensa o contrato da Precisa com o Ministério da Saúde para vender preservativos femininos, que dobrou de valor, supostamente por causa das variações do câmbio, enquanto oa Covaxin era negociada.

Quando questionados sobre a Covaxin, Queiroga e Bolsonaro demonstraram irritação. O ministro abandonou uma entrevista na quinta-feira. O presidente, como de costume, foi grosso com uma mulher disse que nada foi gasto, que recebe “uma infinidade de pessoas que eu não conheço” e atacou a repórter Victoria Abel, da rádio CBN. “Volta para a faculdade”, disse. Diante da insistência da repórter, o presidente afirmou que que ela deveria na verdade voltar para o ensino médio, depois para o jardim de infância e aí nascer de novo.


O servidor Luis Ricardo Miranda, na CPI da Pandemia.
O servidor Luis Ricardo Miranda, na CPI da Pandemia.ADRIANO MACHADO (Reuters)

Militares na Saúde na mira

Outras pontas soltas que terão de ser seguidas pela CPI e pelos órgão de controle diz respeito às denúncias do servidor Luis Ricardo Fernandes Miranda. Ele reafirmou à Comissão Parlamentar de Inquérito que sofreu pressão para acelerar a importação do imunizante fabricado pela empresa indiana Bharat Biotech. Ele já tinha prestado depoimento semelhante ao Ministério Público Federal e, agora, citou quatro nomes que entraram de vez no radar dos senadores da comissão: Regina Célia Silva Oliveira, coronel Marcelo Bento Pires, tenente-coronel Alex Lial Marinho e Roberto Ferreira Dias. Os três últimos são vinculados ao ex-ministro e general Eduardo Pazuello e teriam pressionado o servidor para acelerar a importação de 3 milhões de doses da vacina ao custo de 45 milhões de dólares ―cerca de 220 milhões de reais― dentro do contrato todo de 1,6 bilhão de reais.

Já Regina Célia é uma funcionária comissionada do ministério, indicada pelo ex-ministro e deputado Ricardo Barros. Ela é a fiscal do contrato que teria autorizado a licença de importação da vacina por meio da Madison, um dos braços da Precisa Medicamentos que nem estava citada no contrato de venda da Covaxin.

Enquanto a sessão ainda ocorria no Senado, os advogados de defesa da Precisa Medicamentos emitiram uma nota afirmando “que não há nada de irregular” em relação à companhia, “além de ficar evidente os interesses políticos de quem a acusa. E para que não pairem dúvidas, a empresa irá também esclarecer os questionamentos da CPI”. Na comissão já foi aprovado um requerimento de convocação de Maximiano, sócio da empresa, e da quebra de sigilo fiscal e bancário da Precisa.

A defesa também afirmou ser a representante formal e autorizada do laboratório indiano Bharat Biotech no Brasil e que seguiu “irrestritamente todos os processos de governança nas interlocuções com as autoridades sanitárias brasileiras e representantes do Ministério da Saúde”. E que enviaram os “melhores esforços para viabilizar no menor tempo possível a importação de milhões de vacinas ao Brasil, com preços dentro do padrão internacional do laboratório indiano, o mesmo de outros laboratórios já contratados no nosso país.”

Diante dos questionamentos sobre o papel da empresa Madison nas negociações, a Baraht Biotech informou, por meio de nota, que a Madison Biotech foi fundada em 2020 para “vendas globais e marketing de vacinas” e faz parte do grupo. “Mais de 3.000 funcionários são empregados nessas organizações”, diz a nota. A companhia indiana também se defende, informando que rejeita e nega “veementemente qualquer tipo de alegação ou implicação de qualquer irregularidade com relação ao fornecimento da Covaxin”.


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