No calor dos protestos anti-Governo, Bolsonaro se encaminha ao Patriota para disputar 2022

Presidente intensifica estratégia de minimizar manifestações de opositores e de desviar foco de debates

O presidente Jair Bolsonaro entre os ministros Luiz Eduardo Ramos e Paulo Guedes, no Fórum de Investimentos Brasil 2021, em Brasília.Marcos Correa/Divulgação/PR
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Enquanto se torna alvo dos maiores protestos nas ruas contra o seu Governo até agora, o presidente Jair Bolsonaro começa a traçar sua estratégia em busca da reeleição em 2022, quando deverá insistir na polarização com o Luiz Inácio Lula da Silva e o PT para tentar se manter na presidência. Sem partido desde novembro de 2019, quando deixou o PSL que o elegeu, e incapaz de criar a sua própria legenda, a Aliança pelo Brasil, o presidente encaminha a sua filiação ao Patriota. Nesta segunda-feira, o senador Flávio Bolsonaro, primogênito do presidente, anunciou que estava deixando o Republicanos e aderindo à legenda. Sua entrada no partido foi anunciada aos integrantes ainda no domingo, em uma tumultuada convenção nacional que contou com manobras no estatuto para facilitar que a família Bolsonaro tenha o controle da sigla a partir dos próximos meses.

O Patriota é um partido com seis deputados federais que recebeu, no ano passado, 21 milhões de reais do fundo partidário, figurando como o 15º entre 23 partidos que mais receberam os recursos que bancam as agremiações. O PSL, com 98,3 milhões de reais, e o PT, com 87,1 milhões de reais, foram os que mais receberam o recurso público. O valor é distribuído de acordo com o número de deputados eleitos. Estar em um partido pequeno, com pouquíssima tradição, é a saída que o presidente encontrou para poder interferir nas candidaturas estaduais. É algo parecido que ele fez em 2018, quando ingressou no PSL, que tinha apenas um deputado federal, e conseguiu eleger consigo quatro senadores e 52 deputados federais, a maioria de extrema direita.

Na convenção realizada no domingo, o Patriota discutiu se o presidente da sigla, Adilson Barroso, poderia convidar formalmente Bolsonaro para se filiar. Não houve oposição ao convite, mas, sim, sobre a maneira que ele seria feito. Com canetadas que agora estão sendo questionadas no Tribunal Superior Eleitoral, Barroso destituiu membros do diretório e ampliou a participação de seus aliados internos.

“Eu quero a vinda do Bolsonaro, mas quero construída com absoluta transparência e garantia de que as pessoas boas vão permanecer”, disse o deputado Fred Costa (MG), líder do partido na Câmara. “Ninguém aqui é contra a vinda do presidente Bolsonaro, mas ele jamais virá para um partido com essa insegurança”, completou o deputado Marreca Filho (MA) durante a convenção.

Claramente irritado, Barroso disse aos seus opositores internos que Bolsonaro não fez qualquer exigência para se filiar. “Se vocês [opositores] pegassem o partido, ele não vinha nem se desse o mundo para ele. Mas, graças a Deus, ele vem hoje para o partido por causa da amizade, sem pedir uma bala”. Essa é a segunda vez que Barroso entrega a sigla ao clã Bolsonaro. Em 2017, então deputado e pré-candidato Bolsonaro estava com acordo verbal para ir à legenda, inclusive atuou para que ela mudasse de nome de Partido Ecológico Nacional (PEN) para Patriota. Mas, de última hora, o presidente se filiou ao PSL.

Internamente, no Planalto, a avaliação é que nenhum outro partido estaria disposto a ceder tudo o que o presidente pede. Como em 2022 a tendência é que a eleição seja mais polarizada que a passada, o mandatário espera poder se unir a um ou dois partidos considerados médios ou grandes para ter mais recursos dos fundos partidário e eleitoral, além de exposição nas propagandas de rádio e TV. Entre as siglas que estão sendo assediadas pelo presidente para esta composição estão o próprio PSL, que também passa por uma reformulação interna, o Progressista, o PL e o Republicanos.

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Diversionismo e maconha

Ao longo desta segunda-feira, dando mais um sinal do candidato que se prepara para 2022, Bolsonaro reagiu de três maneiras distintas aos protestos do fim de semana contra o Governo. Ele exaltou a sua radical militância, apostou no diversionismo para desviar o foco de seus problemas e a tentou parecer otimista ao mercado financeiro. Na manhã desta segunda-feira, quando parou para falar com seus apoiadores que se aglomeram no cercadinho do Palácio do Alvorada, Bolsonaro minimizou as manifestações que reuniram milhares de pessoas pelo país, disse que elas estavam vazias porque havia pouca “maconha”.

“Você sabe por que teve pouca gente nessa manifestação da esquerda, agora, no último fim de semana? Porque a PF [Polícia Federal] e a PRF [Polícia Rodoviária Federal] estão apreendendo muita maconha pelo Brasil. Faltou erva para o movimento”, afirmou presidente aos seus apoiadores. Na prática, centenas de cidades brasileiras registraram atos contra o presidente. Na avenida Paulista, em São Paulo, ao menos dez quarteirões foram tomados pelos manifestantes, claramente sendo maior do que os atos de apoiadores realizados no início de maio.

Na linha do diversionismo, Bolsonaro sinalizou à Confederação Sul-Americana de Futebol (Conmebol) de que o Brasil aceitaria receber a Copa América, torneio organizado pela instituição. O tema foi alvo de debate ao longo de todo o dia porque ele estaria sendo realizado em junho, em um momento em que a pandemia de covid-19 ainda está longe de acabar e diante de uma terceira onda de mortes e infecções. No início da noite, diante de repercussões negativas, o chefe da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, disse que ainda não estava certo de que o torneio ocorreria no Brasil. “Ainda não tem nada certo, quero pontuar de forma bem clara. Estamos no meio do processo, mas não vamos nos furtar a uma demanda, caso seja possível de atender”.

Inicialmente, a sede do campeonato seria a Colômbia, mas o país está diante de uma série de protestos contra o Governo. Houve, então, a migração para a Argentina, que acabou rejeitando a competição justamente por causa do coronavírus. Quando o Brasil foi consultado, ele sinalizou que poderia atender ao pedido da Conmebol.

A terceira face de Bolsonaro apareceu quando ele se mostrou otimista a investidores internacionais. Durante um evento promovido por um dos braços do Ministério das Relações Exteriores, a Apex, Bolsonaro disse em um fórum destinado a investidores que a longo prazo a pandemia de coronavírus pouco atingirá a economia do Brasil. “A partir das propostas desenvolvidas aqui, espera-se que o país receba aproximadamente 50 bilhões de dólares em investimentos e gere 22 mil empregos entre 2021 e 2022”, afirmou o mandatário em evento realizado por videoconferência com representantes de 101 países.

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