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Pesquisa que rastreia redes sociais aponta que próxima onda da pandemia será mais grave no Brasil

Base de dados criada a partir de parceria entre o Facebook e a Universidade de Maryland compila informações de usuários e consegue antecipar o nível de contágio duas semanas antes da notificação oficial de novos casos

Pessoas com sintomas de covid-19 aguardam atendimento em um hospital de Ribeirão Preto. A cidade ampliou as medidas restritivas nesta semana.
Pessoas com sintomas de covid-19 aguardam atendimento em um hospital de Ribeirão Preto. A cidade ampliou as medidas restritivas nesta semana.Andre Penner (AP)
Beatriz Jucá

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As redes sociais já conseguem prever que a próxima onda da pandemia que se desenha no Brasil poderá ser ainda mais grave que as anteriores. Uma parceria entre o Facebook e a Universidade de Maryland dos Estados Unidos compila dados de usuários da rede social. Eles são sorteados para responder a uma pesquisa que inclui se eles têm sintomas semelhantes aos da covid-19 e desde quando os sentem. A Rede Análise Covid-19 estudou as informações referentes ao Brasil e, ao cruzá-las com os casos oficiais registrados pelo Ministério da Saúde, percebeu uma alta taxa de acerto, capaz de antecipar o cenário da crise sanitária em 15 dias antes do que mostrarão os boletins oficiais. A perspectiva para as próximas duas semanas, porém, não é boa. Os dados mostram a proximidade de uma nova onda potencialmente mais grave no país, que já havia estacionado em um patamar elevado, com uma média de quase 2.000 mortes diárias pelo coronavírus e hospitais ainda sob pressão. O desfecho do que virá dependerá das medidas restritivas ―hoje relaxadas em grande parte do país― e da possibilidade de espalhamento da variante indiana. O cenário preocupa especialistas, que alertam para a necessidade de políticas efetivas para frear o contágio.

A metodologia desenvolvida pela Universidade de Maryland, que usa o Facebook como ferramenta para atingir usuários, não é absoluta, mas serve como um termômetro para o que virá nos próximos dias. Embora não quantifique exatamente uma previsão de crescimento ―ou seja, quanto a curva poderá subir―, seus dados revertidos em gráficos demonstram neste momento uma curva de crescimento íngrime e, por isso, preocupante. “Percebi um aumento de relato de sintomas muito forte, que é uma previsão do que pode acontecer. Já é possível ver uma subida grande no gráfico”, explica o especialista Isaac Schrarstzhaupt, coordenador na Rede Análise Covid-19. Os sintomas considerados na metodologia são febre, tosse e falta de ar. A ferramenta é mais uma forma de tentar vislumbrar o futuro próximo da pandemia antes mesmo das notificações de diagnósticos, que costumam demorar cerca de duas semanas para aparecer nos dados oficiais pelas burocracias e tempo de processamento dos testes. Até agora, a curva desenhada nesta base de dados coincide com a curva de novos casos dos boletins oficiais.

No gráfico, a Rede Análise de covid-19 adianta em 15 dias os dados de sintomas reportados (linhas) e os sobrepõe aos casos registrados pelo Ministério da Saúde (barras azuis). A curva final das linhas dão a previsão do que deve vir nas próximas semanas.
No gráfico, a Rede Análise de covid-19 adianta em 15 dias os dados de sintomas reportados (linhas) e os sobrepõe aos casos registrados pelo Ministério da Saúde (barras azuis). A curva final das linhas dão a previsão do que deve vir nas próximas semanas.Rede Analise covid-19 (Reprodução)

“Se os dados [de covid-19] seguirem o caminho das outras ondas, nos próximos 15 dias teremos uma subida forte. Faço ressalvas porque esta é uma pesquisa, com dados adjacentes”, diz Schrarstzhaupt. Feita a ponderação, o que se vislumbra na análise de dados por Estado é a tendência de uma nova onda de infecções em todo o país. “Está tudo muito ruim e não vejo uma região com um cenário mais grave. O aumento de pessoas reportando sintomas é constante em praticamente todo o país”, explica. A chegada do inverno historicamente já traz o aumento sazonal de doenças respiratórias, mas uma nova aceleração da pandemia guarda outras preocupações. Primeiro, os sistemas de saúde não desafogaram o suficiente para conseguir responder a uma nova subida exponencial e já estão pressionados em várias partes do país. As medidas restritivas já foram bastante relaxadas ―o presidente Jair Bolsonaro inclusive acionou o Supremo Tribunal Federal para tentar reduzi ainda mais em alguns Estados― e a circulação de pessoas beira a normalidade. A equação ainda inclui a chegada da nova variante indiana, que pode acelerar ainda mais o crescimento, a depender do seu comportamento com a brasileira P1. Ambas são mais transmissíveis. “O Brasil parece que desistiu de se proteger e ficar recluso”, lamenta Schrarstzhaupt.

Vários Estados com sistemas de saúde pressionados

A curva de aumento no relato de sintomas no país corrobora com a sobrecarga hospitalar já visível em alguns Estados. Há filas de pacientes com covid-19 à espera de um leito de UTI em vários locais, como em regiões do Ceará, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais, entre outros. São Paulo, o Estado mais populoso do país, já supera 80% de leitos ocupados e vê a fila por leito crescer no interior. A Secretaria da Saúde de Curitiba afirmou nesta semana ter chegado ao limite da expansão, e a cidade ampliou as restrições. As UTIs lá estão com mais de 100% de ocupação. Neste contexto, o saldo deixado pelas ondas anteriores não ajudam. “Na subida anterior, que ocorreu entre fevereiro e março, a gente não conseguiu deixar os hospitais realmente aliviarem”, lembra o pesquisador. Vários Estados retomaram a abertura de atividades mesmo com níveis de ocupação altos e agora começam a frear o ritmo de abertura, com várias cidades até aumentando as restrições.

“A doença pode subir de forma exponencial, mas a alta hospitalar não. As pessoas têm o tempo delas para se recuperar. Como estamos com hospitais muito cheios, mesmo que tivéssemos um aumento que não fosse ultraforte, já seria problemático”, argumenta Schrarstzhaupt. O último boletim do grupo Infogripe da Fiocruz ―que analisa os casos de síndrome aguda respiratória grave no país― aponta que após uma abertura precoce, o cenário é de retomada de alta nas internações em todo o país e vislumbra um agravamento para as próximas semanas.

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O aumento dos indicadores da crise sanitária ocorre em cadeia: aumenta-se o relato de sintomas, as internações, os novos casos e, por fim, os óbitos. Com hospitais já saturados, a letalidade também tende a crescer. Isso porque se acumulam filas por terapia intensiva, enfermarias são adaptadas em UTIs, e isso gera uma assistência diferente da que se espera. “Eu diria que a nova onda deve ser mais letal porque os hospitais já estão esgotados. Quanto mais demorarmos a agir, mais isso repercutirá nos óbitos. O tamanho da nova onda depende muito das ações que vamos tomar”, explica o pesquisador. Fechamentos do comércio e aumento das restrições, defende, seriam fundamentais para amortecer a nova alta que ele já vê como inevitável. “Tem que cortar a cadeia o quanto antes.”

Soma-se a essas questões a chegada da nova cepa indiana, potencialmente mais transmissível e com risco de acelerar o agravamento da crise já em curso no Brasil. As análises com dados da Universidade de Maryland, que já apontam para um aumento exponencial de casos, não a consideram na equação. “Se ela competir com a nossa P1, vai poder acelerar isso”, alerta Schrarstzhaupt. Ele não projeta números absolutos, mas pondera que a covid-19 não tem um teto previsível. “Onde se deixa a doença tomar conta, há números gigantes. Na atual situação do Brasil, um aumento leve já é perigoso”, aponta.

Ministério admite terceira onda

Nesta semana, o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, admitiu a possibilidade de o Brasil enfrentar uma nova onda da pandemia, mas creditou a ela uma nova variante. Ele não citou especificamente a cepa indiana, já identificada em ao menos oito pessoas no país. “Estávamos com medidas de bloqueio, mas quando houve mais disponibilidade de leitos, se flexibilizou. E pode haver tendência de aumento de casos, que vai se refletir em nova pressão sobre sistema de saúde. Mas também pode ser fruto de uma variante. Nós não temos essa resposta ainda”, afirmou durante uma audiência na Câmara Federal. Ele admite que pode ser necessário adotar medidas mais restritivas e diz que o Ministério da Saúde está vigilante para orientar prefeitos e governadores, mas não sinaliza ações efetivas. Enquanto isso, Bolsonaro segue atacando o isolamento social.

O Brasil parou de ver cair a média diária de mortes pelo coronavírus, estacionada em um patamar que beira 2.000 óbitos. O ritmo de vacinação segue lento ― caiu 17% em maio, em comparação com o mês de abril, segundo a plataforma Info Tracker, mantidas pela Unesp e pela USP. As hospitalizações voltaram a crescer e há especialistas que afirmam que a terceira onda está vindo até antes do previsto. Nesta sexta, o país contabilizou 2.371 novas mortes, chegando a 459.045 vítimas fatais na pandemia. “Essa terceira onda está vindo antes do esperado, pelo menos na minha percepção. Eu achei que ela começaria com um pouco mais de força no final de junho, começo de julho, ela está vindo com um mês de antecedência”, afirmou o epidemiologista Pedro Hallal, em entrevista à Globo News.

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