Butantan poderia ter fornecido o dobro de vacinas até maio se Bolsonaro não tivesse atrapalhado
Dimas Covas detalha na CPI da Pandemia percalços nos contratos com Ministério da Saúde, que já havia rejeitado propostas da Pfizer. Se ambos os contratos tivessem sido firmados quando propostos, cerca de 50 milhões de brasileiros já teriam sido imunizados, mais que o dobro do contingente atual
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Antes de assinar o contrato para a compra de 46 milhões de doses de vacina do Instituto Butantan, em janeiro deste ano, o Governo Jair Bolsonaro rejeitou duas propostas do órgão e deixou de receber até 60 milhões de doses ainda em 2020. A informação consta de depoimento do presidente do Butantan, o médico Dimas Tadeu Covas, na Comissão Parlamentar de Inquérito da Pandemia do Senado Federal nesta quinta-feira. Se somadas as doses da Pfizer rejeitadas pela pasta, é possível afirmar que o Ministério da Saúde ignorou ao menos sete propostas para a compra de vacinas contra o coronavírus. “O Brasil poderia ser o primeiro país do mundo a iniciar a vacinação, não fossem os percalços do caminho. Tanto para o contrato quanto no ponto regulatório”, disse Dimas Covas.
Caso tivesse aceitado as propostas da Pfizer e do Butantan, o Brasil teria hoje cerca de 50 milhões de pessoas vacinada com as duas doses dos imunizantes até o fim de maio. Hoje 21 milhões de brasileiros receberam as duas doses, de acordo com dados do Ministério da Saúde, quando o país alcança mais de 456.000 mortes na pandemia ―2.245 só nesta quinta-feira. Nos cálculos de Pedro Hallal, da Universidade Federal de Pelotas, citado pela Folha de S. Paulo, as doses a mais apenas da Coronavac poderiam ter salvo 81.500 vidas (com margem de erro que varia de 80.300 a 82.700) e evitado ao menos 174.642 internações em UTIs .
A primeira proposta do Butantan ocorreu em 30 de julho de 2020. De acordo com Covas, no último trimestre do ano passado seriam entregues 60 milhões de doses da coronavac. Ainda em agosto, a proposta foi reiterada, mas o ministério não disse se assinaria o contrato. Apenas em outubro, o Ministério da Saúde sinalizou que compraria a vacina, diante da segunda proposta, feita no dia 7 de outubro. Desta vez, oferecendo 100 milhões. Deste total, 45 milhões seriam entregues até dezembro de 2020, outros 15 milhões no final de fevereiro e 40 milhões até maio deste ano. Em 20 de outubro, o então ministro Eduardo Pazuello se reuniu com governadores de todo o país e, em tom de comemoração, anunciou o acordo para compra da “vacina do Brasil”.
Mas, em 21 de outubro, dia seguinte ao anúncio feito pelo então ministro Eduardo Pazuello, o presidente Bolsonaro disse que não faria a compra, atacando a vacina pela sua origem, o laboratório chinês Sinovac. “Houve, sim uma manifestação do presidente da República dizendo que a vacina não seria, de fato, incorporada. Não haveria o progresso desse processo”, disse Covas. Segundo este dirigente, a “inexistência de um contrato com o ministério, que era nosso único cliente, colocava uma incerteza em nosso financiamento”. “Se tivéssemos o contrato com quantitativo maior, de 100 milhões de doses, o cronograma seria outro, poderia ter sido cumprido até maio”, disse. O senador Fabiano Contarato (REDE-ES) disse que a atitude do Governo foi criminosa. “Essa negligência tem nome, é prevaricação”.
O contrato, de fato, ocorreu apenas em 7 de janeiro, com fornecimento de 46 milhões de doses. Em fevereiro, novo contrato de mais 54 milhões. O prazo de entrega é 30 de setembro de 2021. Ainda assim, com o atraso de insumos que vêm da China, há a possibilidade de que haja alteração no calendário, conforme Covas. “O que limita é o quantitativo da matéria prima, que não chega”, e neste quesito também apontou as frases anti-China do presidente e dos governistas como complicadores.
Para o médico e advogado sanitarista, Daniel Dourado, pesquisador do Centro de Pesquisa em Direito Sanitário da Universidade de São Paulo, “a CPI já deixa claro para a sociedade que, além de incompetência, houve uma estratégia intencional de Bolsonaro: ações e omissões com o propósito de boicotar a vacinação da população brasileira”.
Ao longo de seu depoimento, Dimas Covas ainda afirmou que não recebeu recursos do Governo Federal para o desenvolvimento da vacina. “Nós não recebemos um centavo do Ministério da Saúde para o desenvolvimento dessa vacina.”
Parte dos opositores do Governo considerou o depoimento dele como “demolidor”. “O depoimento é demolidor quando diz o seguinte: ‘Quando nós pudemos reapresentar a oferta de praticamente 100 milhões de doses, nós já tínhamos nossos parceiros com compromissos firmados com outros países em relação a insumos’”, disse a líder da bancada feminina, Simone Tebet (MDB-MS).
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Clique aquiAlguns dos senadores bolsonaristas, por sua vez, minimizaram a gravidade dos fatos relatados por Dimas Covas. “Erros cometidos aqui ou acolá é natural que aconteça. Você está diante de um problema complexo. Nenhum Governo estava preparado para essa pandemia”, disse o senador Marcos Rogério (DEM-RO), principal defensor de Bolsonaro na comissão.
Vários outros insistiram na tese de que a cloroquina tem reduzido a mortalidade da covid-19 ―algo sem qualquer comprovação científica. Outro, o senador Eduardo Girão (Podemos-CE), insinuou que a vacina Coronavac era produzida a partir da célula de fetos abortados, o que foi refutado pelo depoente Dimas Covas. E houve momentos em que os governistas tentaram, deliberadamente, distorcer a verdade. Misturaram repasses feitos ao Butantan para o desenvolvimento de outras vacinas ou para o pagamento de bolsas de estudo aos seus pesquisadores como se fossem para ajudar o instituto a produzir a Coronavac. “Esta vacina não teve apoio [do Governo] na hora que foi solicitado, o que poderia ter dado uma velocidade maior no desenvolvimento da vacinação”, sentenciou Dimas Covas.
Os trabalhos da CPI da Pandemia serão retomados na próxima terça-feira, com o depoimento da médica Nise Yamaguchi, uma das consultoras informais do presidente Jair Bolsonaro, que é defensora do ineficaz tratamento com cloroquina para o coronavírus. No dia seguinte, serão ouvidos o presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia Clóvis Arns da Cunha, a presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família, Zeliette Zambom, e o microbiologista e youtuber de divulgação científica Átila Iamarino.
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