O mundo se mobiliza perante o descontrole do coronavírus na Índia
Especialistas concordam sobre a necessidade de acelerar o processo de vacinação nos países em desenvolvimento para frear a proliferação de novas variantes da doença
Neste mais de um ano de pandemia, os olhos do mundo se voltaram sucessivamente da China para a Europa e depois para as Américas. Hoje, todos olham para a Índia, que vive uma situação descontrolada, uma emergência humanitária pelo coronavírus que nenhum outro país havia experimentado até agora, levando-se em conta o número de mortes e diagnósticos diários. A comunidade internacional está se mobilizando para prestar socorro nesta crise na qual falta quase tudo ―ventiladores, oxigênio, medicamentos, leitos para atender os pacientes…―, enquanto os cientistas apresentam a crise no subcontinente como exemplo da importância de acelerar a vacinação também nos países em desenvolvimento. “Enquanto não estivermos todos protegidos, ninguém estará”, é o mantra que repetem.
Com seus mais de 1,3 bilhão de habitantes, a Índia tem mais características de continente que de país. Nunca um só tinha produzido tantos casos diários. Nesta terça-feira, foram 320.000 e 2.771 mortes, algo menos que na segunda-feira, mas não se pode falar em uma mudança de tendência. A incidência acumulada continua subindo, e na terça-feira alcançava 285 casos por 100.000 habitantes em 14 dias, segundo o site My World in Data, um repositório de dados da Universidade de Oxford. E, como recordava na segunda-feira Fernando Simón, principal autoridade espanhola para o combate à pandemia, é provável que os diagnósticos sejam apenas a ponta do iceberg, já que a capacidade de detecção no país é muito limitada.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a variante indiana do coronavírus pode estar por trás do grande boom da pandemia no Sul da Ásia. Estudos laboratoriais mostram que a nova cepa dá sinais de ser mais contagiosa e resistente a algumas vacinas e tratamentos. Além disso, inclui mutações “associadas ao aumento da transmissão” e com menor capacidade de neutralizar o vírus com alguns tratamentos com anticorpos monoclonais, destacou a OMS em seu relatório epidemiológico semanal. Da mesma forma, algumas análises feitas nos Estados Unidos mostram uma possível redução dos efeitos neutralizantes das vacinas contra essa variante e até mesmo estudos preliminares com a vacina Novavax-Covaxin mostram que ela não é capaz de neutralizá-la, afirma a OMS.
Neste contexto, os governos ocidentais estão mobilizando o envio de ajuda para amenizar a crise. A Espanha anunciou nesta terça-feira um carregamento com material sanitário para a Índia, e a União Europeia está tratando de coordenar a resposta dos membros e cobrir os custos de transporte. Bruxelas prevê enviar “nos próximos dias” à Índia um carregamento de oxigênio, medicamentos e equipamentos urgentemente necessários, através do Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia, disse a Comissão Europeia (Poder Executivo da UE) em nota nesta terça-feira. O mecanismo de emergência, ativado na sexta-feira passada diante de um pedido de ajuda internacional de Nova Délhi, coordenará as contribuições dos diversos Estados-membros, informa Guillermo Abril.
“Estamos alarmados pela situação epidemiológica na Índia”, expressou neste domingo a presidenta da Comissão, Ursula von der Leyen, pelo Twitter. “Estamos dispostos a ajudar. A UE está reunindo recursos para responder rapidamente.” Até o momento, contribuíram para a iniciativa europeia a Irlanda (com 700 concentradores de oxigênio, um gerador de oxigênio e 365 respiradores), Bélgica (com 9.000 doses de antivirais Remdesivir), Romênia (80 concentradores de oxigênio e 75 botijões de oxigênio), Luxemburgo (58 respiradores), Portugal (5.503 frascos de Remdesivir e 20.000 litros de oxigênio por semana) e Suécia (120 respiradores).
A Comissão espera concretizar nos próximos dias uma ajuda substancial por parte dos grandes países, como a França e a Alemanha. “Estamos em estreito contato com Paris e Berlim”, afirmou nesta terça-feira um porta-voz do Executivo comunitário. “A UE se solidariza plenamente com o povo indiano e está disposta a fazer o possível para apoiá-lo neste momento crítico”, disse em nota Janez Lenarèiè, comissário europeu para a Gestão de Crises, acrescentando que o Centro de Coordenação da Reação de Emergência se encarrega dos acertos logísticos.
Os Estados Unidos também estão tramitando uma ajuda que consistirá em concentradores de oxigênio, medicamentos e vacinas, anunciou a Casa Branca na segunda-feira, depois de uma conversa do presidente Joe Biden com o primeiro-ministro indiano, Narendra Modi.
Toda esta ajuda é “muito necessária”, nas palavras de Gerardo Álvarez-Uría, bom conhecedor do país e do seu sistema sanitário, como médico e diretor da unidade de pacientes infecciosos do hospital de Bathalapalli, no Estado de Andra Pradesh (sudeste da Índia). “Há um enorme déficit de respiradores, oxigênio e medicamentos. É um sistema que recebe pouquíssimo investimento e no qual os recursos técnicos são mais escassos que os de pessoal”, disse ele à Fundação Vicente Ferrer.
Acelerar a vacinação
A crise na Índia está pondo sobre a mesa a necessidade de acelerar a vacinação nos países em desenvolvimento. Daniel López Acuña, ex-diretor de emergências da Organização Mundial da Saúde, recorda que a covid-19 “é uma pandemia” e, como tal, controlá-la em um país não quer dizer acabar com o risco. Uma das variantes que circulam na Índia torna o vírus potencialmente mais contagioso e resistente às vacinas, o que pode causar problemas além da própria crise que o país atravessa.
Acuña alerta, além disso, que a desigualdade na vacinação mundial pode gerar “problemas importantes para o controle da pandemia”. Como disse ao EL PAÍS Marcos López Hoyos, presidente da Sociedade Espanhola de Imunologia, “quanto mais tempo o vírus circular e mais infecções houver, maior é a probabilidade de mutações que gerem problemas”.
Rafael Vilasanjuan, diretor de análise do ISGlobal, um instituto de saúde impulsionado pela Fundação La Caixa, concorda que “enquanto o vírus não estiver controlado em todo o mundo estaremos em risco”. “Se os governos dos países desenvolvidos se preocupam apenas em vacinar a sua população, na verdade não estão lhe fazendo um grande favor”, observa. Membro da aliança mundial Gavi, que coordena o plano Covax para levar vacinas aos países de renda média e baixa, afirma que este é o único meio para distribuir doses de forma mais equitativa, mas faz um apelo aos países para que comecem a doar vacinas antes de juntarem excedentes. Nesta terça-feira, a Espanha anunciou que começará a fazê-lo quando tiver imunizado 50% da população.
A Índia é, aliás, o maior fabricante de vacinas do mundo. E a iniciativa Covax está enormemente atrasada, em parte porque o país tinha paralisado a exportação para usar as doses em seus cidadãos. “Temos medo de que com esta crise volte a acontecer, é preciso evitar este tipo de nacionalismo”, diz Vilasanjuan.
A Covax distribuiu até agora apenas 52 milhões de doses, dos dois bilhões previstos até o final de ano, embora o especialista acredite que, como aconteceu na Europa, o ritmo começará a se acelerar a partir de agora até chegar a essa meta. “Para isso também são necessários recursos econômicos. Já foram arrecadados seis dois oito bilhões de euros (52,7 bilhões de reais) necessários, mas agora é preciso conseguir os outros dois bilhões, para que não haja problemas nas compras”, acrescenta Vilasanjuan.
Enquanto a população se vacina, os países vão impondo restrições para evitar que a variante indiana se disperse pelo mundo. “É urgente sequenciar o maior número de amostras para saber se ele se espalha para fora de do país, como já aconteceu no Reino Unido. E é preciso propor uma estratégia de contenção”, diz Acuña. A Espanha impôs nesta terça-feira quarentena obrigatória a todas as pessoas provenientes da Índia, além de recomendar aos seus cidadãos que se encontrem temporariamente no país asiático que “retornem o antes possível”.
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