Pressão leva Senado a jogar votação do ‘PL da Grilagem’ para semana que vem
Senadores e deputados têm no horizonte projetos que mudam as regras de regularização fundiária e o licenciamento ambiental no país
Enquanto o Governo Bolsonaro insistiu, durante a Cúpula do Clima na semana passada, no falso discurso de que ampliará a fiscalização ambiental ao mesmo tempo que reduzia o Orçamento para a área, no Congresso Nacional parte da bancada ruralista tenta emplacar projetos que fragilizam a vigilância ou estimulam a grilagem de terras públicas. Os alertas sobre o avanço destas propostas vêm sendo dado por ativistas há pelo menos dois meses. Mas se intensificaram nesta semana depois que o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que dois deles devem seguir para análise do plenário do Legislativo em breve. No Senado, os parlamentares queriam votar nesta quarta-feira um projeto que flexibiliza as regras de regularização fundiária e que derivou, quase em sua totalidade, da MP da Grilagem, derrubada no ano passado pela Câmara. No entanto, após pressão das redes sociais e ao elevado número de emendas, 98, o PL 510/2021 acabou sendo adiado para a próxima semana. Entre os deputados, a expectativa é que a votação da Lei Geral do Licenciamento Ambiental e das alterações na titulação de terra da União sejam votados até meados de maio.
O combo de medidas legislativas tem sido chamado entre ambientalistas de a “boiada do Congresso”, em referência à fala do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, em uma reunião ministerial com o presidente Jair Bolsonaro de que durante a pandemia era o momento de se passar a boiada na flexibilização de regras.
São dois os projetos que mais preocupam os ativistas. O 510/2021, que tramita no Senado, trata da regularização, mas é apontado como incentivador da ocupação de terra pública e do desmatamento. O outro é a lei geral de licenciamento ambiental (3729/2004). Neste caso há uma espécie de consenso que as alterações devem ocorrer, mas o temor é que o debate que costuma acontecer em comissões parlamentares seja atropelado e a maior mudança nas regras que tratam da proteção ambiental seja feita de maneira apressada e atabalhoada, diretamente no plenário da Câmara.
“Com a aprovação de propostas como essas, a Amazônia estará totalmente exposta. Ao que parece, a preocupação do Governo Federal e dos estaduais é o de que a terra seja vendida, não protegida”, diz a pesquisadora Brenda Brito, do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon).
Brito acompanha o tema há quase duas décadas. Com doutorado na área pela Universidade Stanford, na Califórnia, ela diz que tradicionalmente os invasores de terra atuam da seguinte maneira: identificam uma área pública desocupada, a desmatam, plantam pasto, loteiam e vendem. E esse processo seria acelerado, caso os projetos fossem aprovados no Legislativo e sancionados pelo presidente da República. “A MP da Grilagem, que foi derrubada, e os PLs que agora querem votar abrem brechas para regularizar quem ocupa ilegalmente desde 2011. E esse boom de desmatamento desde 2019, tem várias evidências que possuem relação com a especulação fundiária”, alerta. Entre os especialistas, é comum ouvir relatos de que há centenas de áreas com pasto sem boi nelas.
No mês passado, um documento assinado por 254 organizações não governamentais pediu a paralisação dos debates sobre esses dois PLs e sobre a proposta do Governo que defende a mineração em terras indígenas (191/2020) ―este sem data para ser votado― e outro (2633/2020) que pretende regularizar áreas ocupadas, mas afrouxa a fiscalização delas. No texto, os ambientalistas alertam que enquanto as comissões da Câmara estiverem paralisadas há a possibilidade de se votar medidas sem ouvir a sociedade civil, como costuma ocorrer.
“Se essas propostas forem aprovadas, estimularão frentes simultâneas de impactos negativos, piorando as condições socioambientais do país e sua imagem perante o mundo. As limitações de funcionamento do Congresso Nacional, decorrentes da pandemia, agravam radicalmente esse quadro”, diz a nota.
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O PL 510, de autoria do senador Irajá Silvestre Filho (PSD-TO), libera a concessão de terras para os ocupantes que estiverem em áreas de até 2.500 hectares, sem uma vistoria prévia pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Hoje, o limite máximo é de quatro módulos fiscais (ou 400 hectares, conforme pré-determinado por cada município). Na prática, implica em dizer que haveria uma espécie de auto declaração em que um fiscal não precisaria ir até o local a ser legalizado para constatar se há algum conflito naquela área que impeça a situação dela ou até mesmo se ela não está infringindo regras ambientais.
A proposta ainda prevê uma redução dos valores do título para quem já possui outro imóvel, o que favorece os médios e grandes proprietários, e permite a extinção de assentamentos rurais, o que ameaça populações tradicionais e agroextrativistas. Questionado pela reportagem sobre os potenciais estímulos à grilagem, o senador Irajá se negou a responder às oito perguntas enviadas pelo EL PAÍS. Ele não quis defender o seu projeto ―que segundo o Imazon é 87% copiado da MP da Grilagem― e enviou uma manifestação dizendo que os temas todos serão debatidos esclarecidos no momento da análise da proposta em plenário.
“O texto recebeu até agora 42 emendas de parlamentares que representam diversos segmentos da nossa sociedade. Todas elas serão analisadas e pontos do projeto podem e devem ser aprimorados. Assim é o processo legislativo. Ninguém é dono da verdade”, afirmou o senador. Na mesma nota, o parlamentar afirmou que pretende aprovar uma lei moderna, segura e eficaz. “O Brasil tem um passivo de 10,5 milhões de hectares à espera de regularização fundiária. São 147 mil propriedades rurais, sendo 99% de pequeno e médio porte, ou seja, ocupadas quase que exclusivamente por famílias de pequenos agricultores.”
O relator da proposta no Senado, Carlos Fávaro (PSD-MT), disse que não vê nenhum ataque ao meio ambiente no PL , diz que não passará a mão na cabeça de grileiros ou latifundiários e defende que, ao titular a terra, você teria quem responsabilizar por eventuais danos ambientais. “É muito cômodo a grileiros de terras e terras públicas ficarem no anonimato”, afirmou na sessão desta quarta no Senado.
O outro projeto que trata de tema similar está na Câmara e foi assinado pelo deputado Zé Silva (SD-MG), que é membro de duas frentes parlamentares a Ambientalista e a Ruralista. Os ativistas dizem que, assim como o projeto do Senado, o de Silva abre brechas para que grileiros sejam beneficiados, já que ela autorizaria a titulação da terra para quem a ocupou depois de 2008. Ao que o autor da lei rebate. “Nesse ponto, queremos manter o marco temporal como está, não pretendemos ampliar o prazo”, diz.
Segundo o projeto de Silva, haveria a ampliação da área que pode ser legalizada sem que um fiscal do Incra a inspecione, de quatro módulos fiscais para seis módulos fiscais. “Quem critica essa mudança diz que ela amplia a possibilidade de grilagem, mas não é verdade. Não basta a declaração da pessoa, mas apresentação de uma série de documentos e imagens de satélites para solicitar a titulação”, disse à reportagem. A expectativa de Silva é que em caso de aprovação a lei poderia regularizar 445.000 imóveis rurais, sendo 300.000 deles na Amazônia e o 145.000 no restante do país.
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