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Governo Bolsonaro
Coluna
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Passou da hora das redações reagirem aos repetidos ataques à imprensa, em especial às mulheres

Prestar solidariedade nas redes sociais e publicar notas de repúdio, apesar de bem-vindas, estão longe de resolver o problema. As redações precisam assumir seu papel na proteção online de seus jornalistas. Se os ataques são organizados, as respostas a eles também precisam ser

O presidente Jair Bolsonaro durante evento em Feira de Santana (BA), pouco antes de xingar uma repórter.
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Wearing a protective face mask as a precaution against the new coronavirus, Brazil's President Jair Bolsonaro greets people after a ceremony to deliver affordable homes built by the government, in Brasilia, Brazil, Monday, April 5, 2021. In a television interview on Friday, April 23, 2021, Bolsonaro suggested that the army might be called into the streets to restore order if lockdown measures against COVID-19 that he opposes lead to chaos. (AP Photo/Eraldo Peres)
Por que os ditadores e tiranos enchem a boca falando de “povo”?

A repetição é um dos conceitos da psicologia da desinformação que explica uma das muitas falhas de design do raciocínio humano que nos fazem mais vulneráveis às notícias falsas. Nosso cérebro tende a confundir o que é familiar com o que é verdadeiro. Quanto maior a nossa exposição a um conteúdo, mais familiar ele vai se tornando, e, consequentemente, mais verdadeiro ele soa. Isso quer dizer que a célebre frase de Joseph Goebbels, ministro da propaganda na Alemanha Nazista, “uma mentira repetida mil vezes torna-se uma verdade”, foi comprovada cientificamente pela neurociência.

A repetição é também uma das estratégias mais eficazes dos agentes da desinformação. Não é de hoje que instituições democráticas, a exemplo da imprensa, vêm sendo atacadas de maneira sistemática, coordenada e insistente. Discursos autoritários contra a imprensa e ataques a repórteres, com o objetivo de silenciá-los, se espalham livremente pelas redes sociais. E a repetição deles vai minando dia a dia a confiança na imprensa. Nesta segunda-feira o presidente da República, Jair Bolsonaro, repetiu a violência que emprega contra jornalistas, principalmente mulheres, em visita a Feira de Santana, na Bahia. Diante da pergunta da repórter Driele Veiga, da TV Aratu, sobre a foto em que o presidente aparece com um cartaz “CPF cancelado” —gíria associada a milícias, mas que chocou diante do número cada vez maior de mortos pela covid-19— Bolsonaro se irritou respondeu. “Você não tem o que perguntar, não? Deixa de ser idiota”.

O Ranking Mundial da Liberdade de Imprensa, que avalia anualmente as condições para o livre exercício do jornalismo em 180 países, mostra que o crescimento das violações à liberdade de imprensa é algo observado em todo o mundo, já que o índice global está 12% mais baixo em comparação ao contexto em que foi criado em 2013. De acordo com a organização Repórteres Sem Fronteiras (RSF), o Brasil recuou cinco casas só entre 2018 e 2020, ocupando atualmente a 107ª posição na classificação mundial.

No Brasil, choca o alto índice de violência contra a imprensa. O Relatório sobre Violações à Liberdade de Expressão 2020, da Associação Brasileira de Rádio e TV Aberta, apontou que, no ano passado, a imprensa sofreu 7.945 ataques virtuais por dia, ou quase seis agressões por minuto.

A estratégia da maior parte das redações ainda é ignorar os ataques e orientar os repórteres a não se engajarem com os trolls, o que, na prática, deixa a vítima dos assédios tendo que lidar e documentar os ataques sozinha. Os departamentos jurídicos, daquelas instituições que têm recursos, não acompanharam a evolução da natureza dos ataques. Em poucos anos, esses passaram de linguagem inapropriada na caixa de comentários ou e-mails abusivos a milhares de mensagens em todas as redes sociais, ameaças, insultos e verdadeiras campanhas difamatórias que afetam principalmente o repórter na ponta, mas que também põem em xeque a credibilidade de toda a categoria.

Já passou da hora de redações se estruturarem para reagir de maneira institucional aos ataques que os veículos e seus repórteres, sobretudo as mulheres, sofrem. Prestar solidariedade nas redes sociais e publicar notas de repúdio, apesar de bem-vindas, estão longe de resolver o problema. As redações precisam assumir seu papel na proteção online de seus jornalistas contra os danos profissionais e também pessoais que ataques digitais provocam.

Em 2018, o International Press Institute, organização internacional que promove a liberdade e a segurança na mídia internacional, visitou 45 redações em cinco países europeus para criar um protocolo de apoio a redações e jornalistas vítimas de assédio virtual. Foram entrevistados mais de 110 editores, jornalistas e moderadores de redes sociais, além de especialistas em assuntos jurídicos, representantes da sociedade civil e acadêmicos para elaboração do documento. O Redes Cordiais e o Instituto Tecnologia e Sociedade (ITS-Rio) traduziram o protocolo para o português.

Em linhas gerais, o protocolo orienta primeiro que as redações criem canais de denúncia claros e se responsabilizem pela documentação dos casos de ataques e assédio virtuais. Dessa forma acolhem e liberam o repórter desse fardo. Em segundo lugar, as instituições precisam estar aptas a fazer avaliação de risco dos danos não só à reputação do repórter, mas também do risco de dano físico e psicológico. Em seguida, mecanismos de apoio à vítima precisam ser acionados. São eles: suporte em segurança digital, apoio jurídico, apoio emocional e psicológico, licença temporária (quando necessária), transferência e/ou recolocação, declaração pública de apoio e moderação de conteúdo danoso no ambiente online. Por fim, os casos precisam ser acompanhados e reavaliados periodicamente. Se os ataques são organizados, as respostas a eles também precisam ser. Afinal, a goteira com a água mole está aberta e furando muitas pedras duras.

Clara Becker é fundadora do site Redes Cordiais, uma iniciativa que alia educação digital e combate às notícias falsas e discursos de ódio nas redes sociais.

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