Supremo manda prender deputado Daniel Silveira, e Lira tem primeiro teste institucional na Câmara
Deputado divulgou vídeo com ataques à Corte e foi detido em flagrante no inquérito das ‘fake news’, após ordem do ministro do STF Alexandre de Moraes. Câmara decide se o manterá preso e presidente da Casa diz que irá se guiar pela Constituição
A batalha entre os Poderes em Brasília ganhou um novo front nesta quarta-feira. Quase no início da madrugada, o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) recebeu uma visita da Polícia Federal em sua casa, por instrução do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. “Polícia Federal na minha casa neste momento cumprindo ordem de prisão, ilegal, do ministro Alexandre de Moraes”, publicou em suas redes sociais o deputado, dando início a uma série de vídeos em que divulgaria os passos de sua detenção. Horas antes, o parlamentar havia publicado outro vídeo com duras críticas e ataques aos ministros do Supremo que foram consideradas por Moraes como parte das “condutas criminosas” de Silveira. O vídeo, de acordo com o ministro, configurou ”flagrante delito”, o que justificou a ordem de prisão inafiançável do deputado no âmbito do polêmico inquérito das fake news, aberto pelo próprio STF, sem pedido da Procuradoria Geral da República, para investigar ameaças à Corte Suprema. Silvera é um dos investigados. Caberá à Câmara, contudo, a última palavra sobre a prisão. Os deputados podem decidir soltar o colega após uma votação com maioria absoluta ―257 dos 513 votos da Casa.
O recém-empossado presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), anunciou convocação de reunião extraordinária da Mesa para as 13h desta quarta-feira. Na sequência, ocorre encontro do Colégio de Líderes. “Vamos, em conjunto, avaliar e discutir a prisão do deputado Daniel Silveira.” Na madrugada, ele já havia comentado via redes sociais que “a Câmara não deve refletir a vontade ou a posição de um indivíduo, mas do coletivo de seus colegiados, de suas instâncias e de sua vontade soberana, o Plenário”. “Nesta hora de grande apreensão, quero tranquilizar a todos e reiterar que irei conduzir o atual episódio com serenidade e consciência de minhas responsabilidades para com a Instituição e a Democracia”, escreveu Lira, que chegou ao comando da Casa legislativa com o apoio do presidente Jair Bolsonaro. “Para isso, irei me guiar pela única bússola legítima no regime democrático, a Constituição. E pelo único meio civilizado de exercício da Democracia, o diálogo e o respeito à opinião majoritária da Instituição que represento”, finalizou.
No vídeo que desencadeou a reação de Alexandre de Moraes, Silveira, que ficou mais conhecido no país após quebrar uma placa em homenagem à vereadora assassinada Marielle Franco, diz que por várias vezes já imaginou o ministro Luiz Edson Fachin “levando uma surra”. “Quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa Corte aí. Quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra. O que você vai falar? Que eu tô fomentando a violência? Não, só imaginei. Ainda que eu premeditasse, ainda assim não seria crime, você sabe que não seria crime”, diz o deputado em um trecho da gravação, que Moraes mandou o Facebook tirar do ar. “Você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível. Então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada nessa sua cara com um gato morto até ele miar, de preferência após a refeição, não é crime”, completa Silveira, ainda em referência a Fachin.
O fio desse novelo de fim desconhecido começou a ser puxado em 2018, quando o então comandante do Exército Eduardo Villas-Bôas comentou nas redes sociais o julgamento de um pedido de habeas corpus do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Villas-Bôas escreveu em seu perfil no Twitter que o Exército brasileiro compartilhava do “anseio de todos os cidadãos de bem de repúdio à impunidade e de respeito à Constituição, à paz social e à Democracia, bem como se mantém atento às suas missões institucionais”, numa mensagem que foi interpretada como manifestação indevida de um chefe militar, ainda que não mencionasse diretamente o caso de Lula, que seria julgado pelo STF naquele mesmo dia. Villas-Bôas comenta esse episódio em livro recém-lançado, no qual detalha que aquela manifestação foi discutida previamente com o Alto Comando do Exército.
O ministro Fachin divulgou nota nesta terça-feira para dizer, à luz do que o general detalhou em seu livro, que a manifestação de Villas-Bôas foi uma “intolerável e inaceitável” pressão das Forças Armadas no Judiciário. Foi contra esse comentário de Fachin que o deputado Daniel Silveira se insurgiu. “Vá lá, prende Villas-Bôas”, provocou o deputado no vídeo, sempre se dirigindo a Fachin. “Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas-Bôas. Seja homem uma vez na tua vida, vai lá e prende Villas-Bôas. Fala pro Alexandre de Moraes, o homenzão, o fodão, vai lá e manda ele prender o Villas-Bôas. Vai lá e prende um general do Exército. Eu quero ver, Fachin. Você, Alexandre de Moraes, Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, o que solta os bandidos o tempo todo. Toda hora dá um habeas corpus, vende um habeas corpus, vende sentenças”, acusa o deputado na gravação, incluindo outros ministros do STF em seus ataques.
“Fachin, um conselho pra você. Vai lá e prende o Villas-Bôas rapidão, só pra gente ver um negocinho”, provoca Silveira em outra passagem do vídeo, quando também inclui provocações ao ministro Luís Roberto Barroso.. “Se tu não tem coragem, porque tu não tem culhão pra isso, principalmente o Barroso que não tem mesmo. Na verdade ele gosta do culhão roxo. Gilmar Mendes... Barroso, o que é que ele gosta: culhão roxo. Mas não tem culhão roxo. Fachin, covarde. Gilmar Mendes... [esfrega os dedos no sinal de dinheiro] é isso que tu gosta né Gilmarzão? A gente sabe.” Em outro trecho, o ataque fica mais generalizado: “Eu sei que vocês vão querer armar uma pra mim pra poder falar ‘o que é que esse cara falou no vídeo sobre mim, desrespeitou a Supremo Corte’. Suprema Corte é o cacete. Na minha opinião, vocês já deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação convocada e feita de onze novos ministros. Vocês nunca mereceram estar aí. E vários que já passaram também não mereceram. Vocês são intragáveis”.
A prisão de Silveira pôde ser acompanhada por seus seguidores por meio do Facebook. No último vídeo que divulgou, o deputado aparece no Instituto Médico Legal (IML) batendo boca com uma agente sobre a obrigação de usar máscara para evitar a disseminação do novo coronavírus. Após resistir, Silveira acaba colocando uma máscara. Seus perfis nas redes sociais seguem sendo abastecidos após a detenção. “Aos esquerdistas que estão comemorando, relaxem, tenho imunidade material. Só vou dormir fora de casa e provar para o Brasil quem são os ministros dessa suprema Corte. Ser preso sob estas circunstâncias, é motivo de orgulho”, diz uma das mensagens.
O PSL, partido do parlamentar, afirmou em nota que o parlamentar deve ser afastado do partido, e informou que “repudia com veemência os ataques proferidos pelo deputado Daniel Silveira (PSL-RJ) a ministros do Supremo Tribunal Federal”. A direção nacional da legenda pela qual o presidente Jair Bolsonaro foi eleito ―mas do qual ele saiu em novembro de 2019 para fundar um partido próprio, ainda não consolidado― também defendeu o STF, que classificou como “guardião da Constituição Federal e, como tal, um dos pilares do Estado Democrático de Direito”. A nota de repúdio do PSL é uma explícita tentativa de afastar o partido do viés golpista das mensagens divulgadas pelo parlamentar. “A Executiva Nacional do partido está tomando todas as medidas jurídicas cabíveis para a afastamento em definitivo do deputado dos quadros partidários.”
Resta saber como a Câmara, enquanto instituição, irá se manifestar. “Foi uma fala gravíssima contra a ordem democrática e contra a autonomia dos Poderes, e [o deputado] deve ser duramente reprimido. Mas para ser preso não basta que ele tenha cometido um crime”, comentou o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), 1º vice-presidente da Câmara, em entrevista ao programa Sua Excelência, o Fato, dos jornalistas Luis Costa Pinto e Eumano Silva. “Se a Câmara tivesse dado exemplo desde o primeiro caso [de ataques ao STF], não estaríamos passando por este momento. Se não tivesse sido leniente com outras declarações, não estaríamos nisto”, comentou.