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Fiocruz busca autorização para uso de vacina, mas falta de seringas ameaça imunização contra a covid-19

Instituição diz que expectativa é fazer pedido à Anvisa ainda nesta semana. Veto da Índia à exportação de imunizantes preocupa o Ministério da Saúde, que aguarda a chegada de 2 milhões de doses

Enfermeiras em um hospital montado em um ginásio em Santo André, no Estado de São Paulo, na véspera do ano-novo.
Enfermeiras em um hospital montado em um ginásio em Santo André, no Estado de São Paulo, na véspera do ano-novo.AMANDA PEROBELLI (REUTERS)

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O Brasil, laboratório de três vacinas contra o coronavírus, fica atrás na hora de aplicá-las, apesar de ter um dos programas de imunização mais ambiciosos do mundo. As primeiras injeções ainda vão demorar semanas porque nenhum imunizante foi autorizado até agora e até mesmo as milhões de seringas e agulhas necessárias para inocular a população estão em falta. É mais um exemplo da gestão caótica da pandemia e dos efeitos de ter um presidente, Jair Bolsonaro, que sabota metodicamente os esforços de outras autoridades políticas e de saúde para conter o vírus. A imunização esbarra também no veto da Índia à exportação de vacinas produzidas em seu território, como a AstraZeneca/Oxford, que está sendo testada no Brasil pela Fiocruz. Nesta segunda-feira, porém, autoridades da Fiocruz se reuniram com representantes Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) tratar do uso emergencial do imunizante e informaram que a expectativa é de que o pedido seja realizado ainda esta semana.

“Com o pedido protocolado e aprovado pela Agência, o início da vacinação poderá ocorrer ainda em janeiro”, afirmou a Fiocruz em nota. A Fundação afirma que está aguardando “a finalização das tratativas e o recebimento das informações necessárias para formalizar o pedido à Anvisa de autorização para seu uso emergencial”. Entre os documentos que devem ser apresentados à Anvisa estão “estudos de comparabilidade entre a vacina do estudo clínico, que é fabricada no Reino Unido, com a vacina produzida na Índia, bem como os dados de qualidade e condições de boas práticas de fabricação e controle”. No dia 31 de dezembro, a Anvisa autorizou a importação de 2 milhões de doses do imunizante da AstraZeneca/Oxford, mas o Ministério da Saúde teme que o veto à exportação da Índia atrapalhe o processo.

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Enquanto o Brasil ainda discute a autorização emergencial da vacina, o Reino Unido, que iniciou a imunização dos grupos prioritários da população no início de dezembro, decretou um novo confinamento rígido para evitar o colapso dos hospitais. Não há sinais de que o Governo Federal, Estados e municípios adotem medidas desse tipo, apesar do aumento do número de casos e mortes desde o início de novembro. Ainda nesta segunda, o Brasil registrou 543 novos óbitos por covid-19 nas últimas 24 horas, totalizando 196.561 mortes desde o início da pandemia, segundo o boletim divulgado pelo Ministério da Saúde. A pasta também registrou 20.006 novos contágios, totalizando 7.753.752 infecções. Os ainda refletem a subnotificação dos dias de feriado de Ano Novo e o fim de semana, quando os laboratórios de diagnóstico fizeram menos análises.

Vacina, nova vítima da polarização

Bolsonaro age de costas para uma realidade que pode ser resumida em um punhado de dados: o Brasil acumula 10% das mortes por coronavírus no mundo, apesar de abrigar menos de 3% da população mundial, e o desemprego bate recordes, com 14,6%. São 14 milhões de pessoas sem trabalho, uma catástrofe social mitigada por um auxílio emergencial de 600 reais que chegou ao fim para milhões de brasileiros. Além disso, a variante britânica do vírus já chegou ao país, embora desde quarta-feira o Brasil exija de todo viajante um teste de PCR negativo. O Governo do Estado de São Paulo confirmou nesta segunda que ao menos duas pessoas já foram infectadas com a nova cepa do vírus, que é 56% mais contagiosa.

A vacina é vítima da polarização política no Brasil, como antes foram as máscaras e o distanciamento social. Bolsonaro insiste que não pretende vacinar-se enquanto semeia dúvidas sobre a eficácia da vacinação, encorajando os mais céticos e temerosos neste país infestado de notícias falsas e com milhões de pessoas com baixa escolaridade.

Para piorar, a escassez de seringas e agulhas, que soa como uma piada de mau gosto depois de mais de um ano dos primeiros contágios na China, é um problema real. O Governo Federal fez uma licitação no dia 30 para comprar 331 milhões de seringas para aplicar as vacinas, mas só conseguiu oito milhões porque o preço oferecido é bem inferior ao dos fabricantes. O Brasil tem 210 milhões de habitantes e as vacinas exigem pelo menos duas doses.

O salve-se quem puder que tem marcado a gestão brasileira também tem seu reflexo nas injeções. O Estado mais rico, São Paulo, já possui 50 milhões de seringas.

As lacunas são ainda mais marcantes quando se considera que o Brasil se orgulha de ser modelo em vacinação. É um dos países que mais oferecem vacinas gratuitas. São 15 no caso das crianças e chegam às cidades mais remotas por via terrestre, fluvial e aérea. Um esforço de décadas que conseguiu eliminar a poliomielite, a rubéola e reduzir significativamente outras doenças vacináveis. De todo modo, o movimento antivacinas está avançando.

A microbiologista e comunicadora científica Natalia Pasternak resume assim a situação em matéria publicada neste sábado no jornal O Globo: “O Brasil, que tinha tudo para ser exemplo, como sempre, nas campanhas de vacinação, fica para trás, com poucas perspectivas reais para o início do ano. Temos duas vacinas candidatas fortes para atender à demanda em 2021, mas, infelizmente, ambas têm obstáculos”. São as da AstraZeneca/Oxford, patrocinada pelo Governo Bolsonaro, e a chinesa Sinovac, desenvolvida em parceria com o Instituto Butantan —a principal aposta do governador de São Paulo, João Doria, para se candidatar à presidência.

Algumas UTIs, como as do Rio de Janeiro, estão à beira do colapso. Manaus, capital da Amazônia e a cidade mais atingida no início da pandemia, está cavando novas sepulturas por causa do aumento de casos de contágio e vítimas, o que definitivamente enterraria a hipótese, sugerida em um estudo acadêmico, de que foi a primeira do mundo a alcançar a imunidade de rebanho. Números oficiais, prejudicados pela subnotificação decorrente da escassez de testes, indicam que o vírus matou proporcionalmente menos aqui do que em outros 16 países, incluindo Espanha, Peru e Estados Unidos. Do 1,8 milhão de mortes por coronavírus em todo o planeta, mais de 195.000 eram brasileiros.

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