Novo Governo espanhol assume com desafio de taxar mais ricos e suavizar reforma trabalhista
Sem maioria absoluta, o novo Executivo do PSOE e Unidas Podemos tem seu futuro imediato condicionado pela negociação sobre o futuro da Catalunha e a aprovação do Orçamento de 2020
O primeiro Governo de coalizão da atual etapa democrática espanhola nasce fraco e assombrado pelo problema da Catalunha, a crise territorial mais complexa na história da Espanha. O Partido Socialista Operário Espanhol (PSOE, de centro-esquerda) e o Unidas Podemos (UP, de esquerda) somam 155 deputados no Congresso e necessitarão o apoio de outros 21 parlamentares para aprovar as reformas que prometeram em matéria econômica, judicial, social e ambiental.
Seu primeiro desafio, e o mais relevante para garantir certa estabilidade na legislatura, será a Lei de Orçamentos Gerais do Estado, ligada às reformas fiscais anunciadas nas leis que regulam o imposto de renda para pessoa física, o imposto sobre empresas e o IVA (sobre mercadorias).
O rechaço da oposição às contas elaboradas pelo Executivo socialista em 2019 levou à dissolução do Parlamento e à antecipação das eleições — repetidas em novembro devido à falta de acordo após o pleito de abril. Um veto ao Orçamento de 2020 é a primeira ameaça séria à continuidade do Governo de coalizão.
O PSOE precisou negociar a nomeação de Pedro Sánchez não só com o UP, mas também com partidos bastante minoritários, como os regionais PNV, do País Basco, e ERC, da Catalunha (neste caso, com a conveniente abstenção de seus 13 deputados). Nos documentos que certificam esses acordos não se inclui um compromisso de votar a favor do Orçamento. Mas algumas das condições acertadas para a investidura deverão ter reflexo nas contas se o Governo de coalizão quiser manter esperanças de levar adiante sua pauta legislativa.
A legislatura começa com uma situação de instabilidade consolidada, agora pendente das negociações do Governo de coalizão com diversos agentes políticos e sociais em diferentes mesas de diálogo, cujo desenlace influirá na sua vigência.
O futuro da Catalunha
Gabriel Rufián, porta-voz da Esquerda Republicana da Catalunha (ERC, independentista), vinculou a estabilidade do atual Executivo a uma mesa de negociação sobre o futuro dessa região, que deve se reunir pela primeira vez dentro de duas semanas.
O PSOE pretende concluir essas conversações entre o Governo central e a Generalitat (governo regional) com uma reforma do Estatuto catalão que melhore o autogoverno dessa comunidade autônoma. Mas o Partido Popular (de direita) já anunciou, mesmo antes de ser anunciado o conteúdo dessas reformas, que recorrerá ao Tribunal Constitucional se um novo Estatuto chegar a ser aprovado no Parlamento catalão.
A Esquerda tentará usar a mesa de negociação para convocar um referendo de autodeterminação para a Catalunha, algo que exigiria uma reforma constitucional para a qual o Governo não tem os votos necessários no Congresso.
Orçamento e política fiscal
O Ministério da Fazenda deverá elaborar um Orçamento que amplia o gasto público, em parte pelos compromissos de investimentos assumidos com os grupos parlamentares que facilitaram a posse de Sánchez, mas que também eleva a arrecadação, através de uma série de reformas fiscais que garantiriam uma tributação mínima de 15% no imposto empresarial (chegando a 18% para instituições financeiras e empresas de hidrocarbonetos), mais uma elevação de dois pontos percentuais no IRPF de contribuintes com renda superior a 130.000 euros (588.640 reais) por ano, e de até quatro pontos para quem supere os 300.000 euros (1.350.840 reais). Esta medida afeta 0,4% dos contribuintes.
Pensões
O Executivo de Pedro Sánchez pretende reformar o sistema de pensões no marco do Pacto de Toledo para garantir a sustentabilidade da previdência social. O gasto anual em pensões há vários anos supera a arrecadação. O plano do Governo de coalizão consiste em eliminar alguns gastos impróprios da Seguridade Social e reduzir as bonificações para a contratação de funcionários. Além disso, planeja revogar as reformas aprovadas no Governo do PP sobre o fator de sustentabilidade e o índice de revalorização das pensões, de maneira a garantir seu reajuste anual semelhante à elevação da inflação. Sobre este aspecto há um consenso quase geral na Câmara.
Reforma trabalhista
Mediante uma negociação com os agentes sociais (sindicatos e patrões), o Executivo pretende adotar uma série de medidas que na prática representam a revogação de muitos aspectos — mas não todos — da reforma trabalhista aprovada em 2012 pelo Executivo de Mariano Rajoy. Entre os desafios assumidos por PSOE e UP estão os seguintes:
- Elaborar um novo Estatuto dos Trabalhadores.
- Proibir por lei a possibilidade de demissão por absentismo trabalhista devido a licença por motivo de saúde.
- Os convênios coletivos permanecerão em vigor até a aprovação dos novos.
- Os convênios empresariais não terão prioridade em sua aplicação sobre os convênios setoriais.
Por enquanto, não há pactos nem compromissos sobre a eliminação do barateamento da demissão aprovado nos Governos de Zapatero (de 45 para 33 dias por ano trabalhado) e de Rajoy (de 33 a 20 dias por ano trabalhado).
Novas leis orgânicas (eutanásia, justiça universal)
Entre os anúncios reformistas do Governo de coalizão destacam-se a revogação da lei de segurança pública, a regulação legal da eutanásia e do direito a uma morte digna, e uma reforma da lei de justiça universal. Sobre estas três reformas, o Governo de coalizão tem, em princípio, garantidos os votos suficientes.
Contra a impunidade da corrupção
A pressão da União Progressista de Promotores pela revogação do artigo 324 da Lei de Processo Penal, que reduzia os prazos de instrução, consta no acordo de Governo entre PSOE e UP como uma das principais medidas na luta contra a corrupção e para evitar que esses delitos fiquem impunes. Contar com os 176 votos necessários para aprovar essa medida não parece ser um problema. Idem quanto a alterar o Código Penal para incorporar como agressão sexual o que atualmente é tipificado apenas como abuso sexual.
Renovação do Tribunal Constitucional e do Poder Judiciário
O novo Governo quer “promover os acordos parlamentares de consenso” que permitam a renovação dos órgãos constitucionais, como o Conselho Geral do Poder Judiciário e o Tribunal Constitucional. A lei estabelece uma maioria de três quintos no Congresso e no Senado para aprovar essas renovações. Sem o aval do Partido Popular, essa iniciativa estará fadada ao fracasso. O bloqueio parece, em princípio, a opção mais provável.
Restrição do foro privilegiado
O Executivo promete reformar a Constituição para restringir o foro privilegiado para políticos, “limitando-o ao exercício da função por parte do cargo público”. Essa promessa coincide com a feita, em diversos momentos da última etapa política na Espanha, pelo Partido Popular e o Cidadãos.
Lei de mudança climática
Nos programas eleitorais dos partidos com maior representação no Parlamento constavam, com diferentes prazos, diversas medidas para reduzir as emissões de gases de efeito estufa. PSOE e UP anunciam uma lei de mudança climática e transição energética para alcançar em 2050 uma geração de eletricidade cuja origem seja 100% renovável; e entre 85% e 95% antes de 2040.
Reforma educativa
A revogação da Lei Orgânica para a Melhora da Qualidade Educativa (LOMCE), que o PP aprovou sem consenso durante sua etapa de maioria absoluta, é uma das promessas do Governo de coalizão. Sua nova lei básica de educação, que necessita de 176 votos favoráveis, pretende eliminar a segregação escolar pelas condições de origem dos estudantes. Também será proibida a subvenção com recursos públicos a escolas que segreguem por sexo. Além disso, a disciplina de religião será de caráter voluntário sem que haja uma disciplina alternativa, e sua nota não será computável para fins acadêmicos.
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