Vai viajar ou encontrar a família no final de ano? Seis regras para blindar as festas e as férias da covid-19
Recomendação dos médicos é evitar viagens e as reuniões familiares. Caso não seja possível abrir mão do encontro, algumas estratégias certeiras podem ajudar a diminuir as chances de infecção
Durante meses como setembro e outubro, o mundo começava a se sentir otimista em relação à pandemia da covid-19. Os números de óbitos e de contágio diminuíram e restrições sociais começaram a ser aliviadas. Muita gente começou a planejar viagens e reencontros com familiares e amigos durante o Natal, Ano Novo e férias de verão. No entanto, a chegada da segunda onda da doença — já prevista pelos especialistas — mudou radicalmente o panorama.
O que fazer se alguns encontros forem mandatórios? O EL PAÍS conversou com diversos especialistas que concordam que a melhor opção seria evitar a reuniões e aglomerações. No entanto, se o encontro familiar é algo inegociável, cuidados rigorosos devem ser observados durante as celebrações de final de ano. As seis estratégias listadas abaixo podem ajudar a diminuir as possibilidades de transmissão e contágio do coronavírus. Ainda assim, vale a ressalva: não se trata de eliminar o risco, mas tão somente minimizá-lo.
Teresa Maia, que vive em São Paulo com o marido e o filho, viajará até Viamão, no Rio Grande do Sul, para visitar os sogros que não vê desde o ano passado. Ciente das possibilidades de contágio, a família abriu mão da ideia de ir de avião e vai realizar a viagem de carro. Antes da partida, Teresa e o marido se organizaram para fazer um isolamento restrito de 14 dias. “Sabemos que é arriscado, mas estamos tomando todos os cuidados necessários para minimizar os riscos. Vamos de carro justamente porque assim conseguimos controlar melhor a situação”, afirma. Veja a seguir dicas de especialistas.
Quarentena prévia
Aqueles que forem se reunir com pessoas que moram em outros lugares deverão realizar um isolamento prévio de 14 dias, afirma a biomédica e pós-doutoranda em bioquímica Mellanie Fontes-Dutra da Silva. As duas semanas abarcam o período entre o contágio, o aparecimento de sintomas e a transmissão do vírus a outras pessoas. No entanto, ela diz que “só a quarentena não resolve. É a soma de vários cuidados que possibilitará a minimização dos contágios”. Entre eles a máscara e o uso de álcool gel rotineiramente.
O infectologista Ricardo Kosop explica que a recomendação de isolamento social durante esse período é importante porque é durante esses dias que o indivíduo contagiado transmite o vírus. Dois dias antes do aparecimento dos sintomas, uma pessoa com covid-19 já está transmitindo a doença e o contágio, em geral, ocorre até dez dias depois dos primeiros sintomas, com o pico entre o segundo e o quinto dia.
No dia 27 de novembro, o Imperial College de Londres publicou uma análise sobre os riscos relativos de se contrair a covid-19 e concluiu que os pacientes com sintomas transmitem a doença até 4,3 vezes mais que aqueles que não possuem nenhum quadro da doença. No entanto, entre o período de contágio e o aparecimento de sintomas — que geralmente é de dois dias — a pessoa já está infectando as demais, o que mostra a importância da quarentena. Além disso, o estudo publicado aponta que, somados, os assintomáticos e os pré-sintomáticos representam mais das metades das transmissões registradas.
Questionado sobre a relevância de testes como a pesquisa de antígeno e RT-PCR para validar a ausência de infecção, Kosop esclarece que eles são importantes, mas os falsos negativos podem dar uma sensação equivocada de segurança. O infectologista explica que os testes de covid-19 possuem uma janela ideal de identificação que ocorre nos primeiros sete dias do início dos sintomas, podendo ficar prejudicada fora desse período. “O teste é a ferramenta certa que deve ser usada no tempo certo”, afirma.
Rogério Zeigler, médico no Instituto do Coração do Hospital das Clínicas da FMUSP, corrobora a ausência de garantias na realização de exames pré-viagens. “Os testes podem apresentar resultados falso negativos e a pessoa pode ter o vírus incubado no momento da coleta do exame e passar a transmiti-lo poucos dias depois”, destaca.
Uso de máscaras
As máscaras são o acessório indispensável desta temporada. Mais importante que o modelo, tecido e estampa, o fundamental é usá-las. A infectologista Rosana Maria Paiva dos Anjos esclarece que a utilização das máscaras é uma auto-responsabilidade, já que ela é uma via de mão dupla, diminuindo os riscos tanto de contágio quanto de transmissão. “Em questão de proteção toda a barreira, como a máscara, ajuda a evitar a transmissão por gotículas”, diz.
A médica afirma que a máscara de tecido comum é uma importante barreira contra o vírus. No entanto, o modelo N95 é o que oferece a maior proteção contra os aerossóis, já que possuem várias camadas de filtragem.
O médico Ricardo Kosop explica que as máscaras também auxiliam contra a contaminação do ambiente familiar, que também é umas das formas de contágio. “Quem se reunir terá que ficar de máscara”, diz. “O momento mais crítico da festa é quando todo mundo tirar a máscara. Não é à toa que as taxas mais altas de transmissão da covid-19 são nos restaurantes e bares, onde todos estão comendo ou bebendo algo. O risco de ir em um restaurante ou um bar é muito maior do que trabalhar em uma UTI”, complementa.
Caso alguém decida viajar de avião, Kosop afirma que a observância da etiqueta da máscara é essencial. “Se todos utilizarem as máscaras, os riscos de contágio serão diminuídos. Mas sempre onde há pessoas com um histórico epidemiológico distinto, ou seja, que não são do mesmo círculo de convivência, há a possibilidade de infecção”, destaca.
Distanciamento sem contato íntimo
Outra estratégia é a observância de um distanciamento entre as pessoas no local, sem aglomerações ou aproximações. O estudo do Imperial College de Londres aponta que o risco de transmissão durante eventos sociais com parentes e amigos é quase cinco vezes maior do que as taxas de contágios de uma interação social casual.
O infectologista Kosop explica que a transmissão via área da covid-19 se dá através de gotículas e aerossóis. As gotículas são produzidas ao falar, tossir e respirar e são partículas mais pesadas. A média de distância que essas gotículas podem chegar é, em geral, de dois metros, mas ao serem expelidas através da tosse ou espirro elas podem chegar até a dez metros. No entanto, qualquer anteparo, como as máscaras, podem bloqueá-las. Já os aerossóis, são partículas muito menores, que ficam em dispersão no ar ―daí a importância de manter os ambientes ventilados durante as reuniões familiares, como veremos logo abaixo.
O médico Rogério Zeigler também recomenda que as conversas sejam deixadas para quando as máscaras forem recolocadas. “Todos esses cuidados devem ser redobrados diante de pessoas pertencentes aos grupos de risco. O contato íntimo para demonstração de afeto, como beijos, abraços e apertos de mãos devem ser evitados até que a pandemia acabe”, diz.
Ambiente ventilado
Realizar o evento em um ambiente ventilado, se possível ao ar livre, é fundamental para a minimização dos riscos de contágio. A circulação de ar dispersa os aerossóis que, em um ambiente fechado, poderiam ficar por horas em suspensão. No entanto, como enfatiza a pós-doutora em bioquímica, Mellanie Fontes-Dutra da Silva, janelas abertas não substituem a ventilação que há em um ambiente totalmente aberto.
Higienização das mãos
Junto às máscaras, a higienização das mãos é apontada como a grande chave para a minimização das transmissões . A doutora em virologia animal e doenças infecciosas, Elisabete Takiuchi explica que apesar de ser um vírus com índices de contágio exponenciais, o Sars-Cov-2 é de fácil eliminação no ambiente, já que possui uma capa de gordura que facilita sua destruição com água e sabão.
A higienização das mãos também é importante porque é comum que as levemos aos olhos, bocas e nariz, onde há mucosas que são receptoras do vírus. Takiuchi sugere que aqueles que tem o hábito de constantemente colocar a mão no rosto utilizem proteções como óculos com as laterais fechadas (os modelos usados como EPI (Equipamentos de Proteção Individual) pela industria ou então as face shields, sempre acompanhados da utilização da máscara.
Conduta pessoal
Todos os especialistas ouvidos pelo EL PAÍS destacam a importância da auto-responsabilidade durante a pandemia. Além dos cuidados prévios, como o uso e máscara, distanciamento e higienização das mãos, é fundamental que, havendo sintomas ou contato com algum infectado, haja um isolamento voluntário e busca de ajuda médica.
O contágio prévio com a covid-19 não gera a certeza de imunidade. Os casos de reinfecção, apesar de raros, provam que é possível sim contagiar-se mais de uma vez com o coronavírus. O infectologista Ricardo Kosop explica que apesar de a maior parte de os pacientes gerar uma imunidade após se curar da doença, ainda não se sabe quanto tempo ela dura.
A mesma lógica segue a vacinação, que começou a ser aplicada em alguns países já em dezembro. O imunizante gera sim uma resposta imunológica à covid-19, mas ainda não há certeza se essa resposta dura semanas, meses ou anos. Além disso, há que se observar a taxa de efetividade da vacina e qual o percentual da população será vacinado.
Todos os cuidados acima mencionados devem ser somados para minimizar os riscos de transmissão da covid-19. É o que o Kossop chama de ‘estratégia do guarda-chuva’, adicionando-se capas de proteção para evitar o contágio direto, mas sempre há a possibilidade de transmissão, assim como uma pessoa que em uma dia de chuva é protegida pela maior parte das gotas que caem, mas sempre corre o risco de se molhar caso a direção do vento mude.
Carta aberta ao poder público
Já se foi um ano desde a primeira notificação de covid-19 em 2019. A doença, causada pelo vírus SARs-CoV-2, foi oficialmente comunicada à Organização Mundial da Saúde no último 31 de dezembro. Em 11 de março, a OMS anunciou que a covid-19, que já afetava países em todos os continentes, alcançou o patamar de pandemia.
A chegada das férias, recessos e festividades de final de ano, aumenta a preocupação com o crescimento dos casos, das internações e ocupações de UTIs em todas as capitais e cidades no interior do Brasil.
Ressaltamos que cientistas de todo o mundo têm buscado tratamentos e vacinas para conter o avanço da covid-19, mas ainda não há nenhum remédio ou terapia cientificamente comprovando, e os imunizantes, embora em estágios avançados de testes, ainda não chegaram para a população brasileira.
É fundamental apontar a necessidade de testagem e rastreamento dos casos para o combate efetivo da doença, o que é dever do poder público. Como exemplo, citamos os casos de óbitos em Montevidéu e Porto Alegre, desde o início da pandemia até o dia 9 de Dezembro de 2020:
- Montevidéu, a capital do Uruguai, realiza o rastreio de casos e o isolamento dos contatos mesmo sem testes. Resultado: 55 óbitos para 1.400.000 habitantes.
- A capital gaúcha, Porto Alegre, não faz isolamento de contatos e apenas testa os sintomáticos. Resultado: 1.638 óbitos para 1.400.000 habitantes.
Com base nestes dados, gostaríamos de solicitar um maior empenho do poder público com a saúde individual, pública e coletiva. Isto é, propostas mais efetivas de campanhas, leis, atos que sejam embasados na ciência, que criem condições para as pessoas permanecerem em casa ou diminuírem ao máximo os riscos de contaminação (como a abertura de locais comerciais não essenciais e falta de políticas públicas sociais). Também é fundamental que as políticas públicas tenham, nestes momentos de crise, cientistas e técnicos de universidades e centros de pesquisa públicos do país, para prestar consultorias com objetivo de pensar alternativas que minimizem as contaminações, levando em consideração as condições sociais e econômicas da população também.
Contamos com você, que é representante político da população, para tomar medidas cabíveis, incluindo campanhas públicas de peso, tanto para as festividades de final do ano, quanto para a continuidade da vida enquanto a pandemia durar, incluindo campanhas para uso de máscaras, higienização adequada, vacinação e combate às Fake News.
Atenciosamente,
Blogs de Ciência da Unicamp e a Rede Análise Covid-19
Esta carta aberta é uma colaboração do Blogs de Ciência da Unicamp e da Rede Análise Covid-19. Ana de Medeiros Arnt, é licenciada em Ciências Biológicas, Mestre e Doutora em Educação (UFRGS), Professora e Pesquisadora do Instituto de Biologia da Unicamp e Coordenadora do Blogs de Ciência da Unicamp; Mellanie Fontes Dutra da Silva, é biomédica mestre e Doutora em neurociências (UFRGS), Pesquisadora posdoc em Bioquímica - Departamento de Bioquímica da UFRGS e Coordenadora da Rede Análise Covid-19; Erica Mariosa Moreira Carneiro, é graduada em Relações Públicas (PUCCampinas), especialista em Jornalismo Científico e Mestre em Divulgação Científica e Cultural (Labjor/Unicamp). Gestora de conteúdos em Redes Sociais pelo Blogs de Ciência da Unicamp; Isaac Negretto Schrarstzhaupt, é administrador com especialização em gerência de projetos, trabalha com gestão da inovação, gestão de riscos em projetos e é consultor em empresas, é analista de dados na Rede Análise Covid-19
Aviso aos leitores: o EL PAÍS mantém abertas as informações essenciais sobre o coronavírus durante a crise. Se você quer apoiar nosso jornalismo, clique aqui para assinar.
Siga a cobertura em tempo real da crise da covid-19 e acompanhe a evolução da pandemia no Brasil. Assine nossa newsletter diária para receber as últimas notícias e análises no e-mail.