Candidato bolsonarista perde eleição e fica de fora da lista tríplice que definirá chefe do MP do Rio
O procurador Marcelo Rocha Monteiro, próximo da família Bolsonaro, ficou em quarto lugar após mobilização entre membros do órgão, que cuida dos casos Marielle Franco e Queiroz
O Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro está afastado, ao menos por ora, da influência direta da família do presidente Jair Bolsonaro. Em eleição ocorrida nesta sexta-feira, os integrantes do órgão formaram a lista tríplice da qual saíra o próximo procurador-geral de Justiça, o chefe máximo do MP. E decidiram deixar de fora procurador Marcelo Rocha Monteiro, candidato bolsonarista próximo do clã presidencial e do governador afastado Wilson Witzel (PSC).
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Em meio a um clima de apreensão dentro do organismo, responsável pelas investigações do caso Marielle Franco e do caso Queiroz, a candidatura do promotor Luciano Mattos foi a que mais adesão recebeu, ficando com 546 votos (31,92%). Em segundo lugar ficou a procuradora Leila Machado Costa, com 501 votos (29,29%). Em terceiro, o promotor Virgilio Panagiotis Stavridis, com 427 votos (24,97%). Esses são os três nomes que serão enviados ao governador em exercício, Cláudio Castro (PSC). A Constituição estadual determina que o chefe do Executivo fluminense deve escolher o chefe do MP do Rio a partir da lista tríplice formada. O bolsonarista Monteiro ficou em quarto lugar, com 143 votos (8,36%), seguindo do procurador Ertulei Laureano Matos, com 93 votos (5,43%).
Monteiro é bolsonarista convicto e faz questão deixar isso claro publicamente. Suas redes sociais são abertas e estão repletas de postagens com conteúdo de extrema direita e de fotos ao lado de figuras públicas, como o senador Flávio Bolsonaro, Witzel, os membros do Movimento Brasil Livre e o deputado estadual Rodrigo Amorim, que quebrou a placa em homenagem a Marielle Franco durante a campanha de 2018. Também já atacou abertamente jornalistas e magistrados do Supremo Tribunal Federal. Esse histórico gerou preocupações entre promotores e procuradores, preocupados uma possível ingerência de Bolsonaro no órgão.
Os membros do MP podiam votar em até três pessoas para compor a lista tríplice e, conforme apurou o EL PAÍS, havia uma movimentação para concentrar os votos em Mattos, Stravidise e Costa. A mobilização, organizada sobretudo em grupos de WhatsApp, surtiu efeito e Monteiro ficou de fora. A abstenção foi quase nula: apenas três dos 907 membros do MP não votaram.
Uma das principais preocupações estava no fato de que nem Monteiro nem o governador interino se comprometiam com a candidatura mais votada da lista tríplice. É de praxe nos últimos 15 anos que o chefe do Executivo fluminense escolha o nome mais votado da lista. Além disso, também é de praxe que os candidatos se comprometam a assumir o comando do MP somente se for o mais votado da lista — e assim diminuir as chances de indicação com viés político. Assim fizeram, por escrito, quatro candidatos. Monteiro foi exceção: “A escolha de qualquer um dos que venham a compor a lista tríplice é legítima — e essa continuará sendo minha posição, não tenham dúvida, se eventualmente estiver o meu nome no topo da lista. Assim é porque assim a lei determina”, escreveu para seus colegas.
Revés para os Bolsonaro
Conforme noticiou o jornal Folha de S. Paulo em agosto, a família Bolsonaro estava implicada em influenciar na escolha do próximo procurador-geral de Justiça do Rio. O atual procurador-geral, Eduardo Gussem, foi criticado por Flávio Bolsonaro por causa das investigações. De acordo com o jornal, Flávio chegou a dizer que considerava natural que Witzel, ainda no cargo, o consultasse no momento da escolha do próximo chefe do MP, como forma de se aproximar do Palácio do Planalto. Ele também expôs que o ideal seria alguém que distencionasse o que chama de clima político no órgão. “Não conheço ninguém da família Bolsonaro”, disse Monteiro à Folha naquele mês.
Porém, Monteiro aparece em fotos ao lado de Flávio Bolsonaro, a quem apoia desde que o atual senador foi candidato à prefeitura do Rio em 2016. Ele também demonstra intimidade com o Witzel, a quem apoiou nas eleições de 2018. Depois da posse, passou a formar parte do Conselho de Segurança formado pelo governador afastado. Os dois se conhecem desde que Witzel era juiz e, segundo uma postagem no Facebook de Monteiro, ambos fundaram o Movimento de Combate a Impunidade.
Flávio Bolsonaro é investigado por suposto esquema corrupto —apelidado de rachadinha— que desviava parte dos salários —pagos com dinheiro público— de 23 ex-assessores de seu gabinete entre 2007 e 2018, período em que foi deputado estadual no Rio. Ele já foi denunciado pelo MP em novembro pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita. Como o Tribunal de Justiça do Rio definiu que Flávio deve ter foro especial, as investigações devem ser conduzidas pelo chefe do MP do Rio.
Ingerência na Abin
A condução de Monteiro para a chefia do MP seria um trunfo para a família Bolsonaro, que vem sendo acusada de fazer uso de instituições públicas escapar das acusações de corrupção na Justiça. De acordo com reportagem da revista Época publicada nesta sexta-feira, a Agência Brasileira de Inteligência (Abin), comandada por Alexandre Ramagem, próximo do clã presidencial, produziu ao menos dois relatórios que orientavam Flávio Bolsonaro e seus advogados sobre o que deveriam fazer para obter documentos que pudessem embasar um pedido de anulação do caso Queiroz. Os documentos foram obtidos pela revista, que confirmou a autenticidade e a procedência com a própria defesa do senador.
Conforme relata a reportagem, a Abin detalhou o funcionamento de suposta organização criminosa na Receita Federal que, segundo suspeita-se, teria feito um escrutínio ilegal nos dados fiscais de Flávio para fornecer o relatório que gerou o inquérito das rachadinhas. Um dos documentos explicita que sua finalidade é “defender FB no caso Alerj demonstrando a nulidade processual resultante de acessos motivados aos dados fiscais de FB”. O material produzido pela agência foi enviado para o filho zero um do presidente em setembro e repassado por ele para seus advogados.
Nesta mesma semana também veio a tona a informação de que uma produtora contratada pelo Governo Federal trabalhou gratuitamente na inauguração de uma empresa de Jair Renan Bolsonaro, o filho zero quatro do presidente, conforme relatou o jornal Folha de S. Paulo. A Astronauta Filmes já recebeu 1,4 milhão de reais do Governo somente neste ano. Ela foi responsável por realizar a filmagem e a fotografia do evento de inauguração. “Trocamos por permuta pela divulgação das nossas marcas, assim como fazemos em diversos outros projetos”, disse o proprietário da produtora à Folha.
A Bolsonaro Jr Eventos e Mídia tem como único sócio Jair Renan, de 22 anos. Foi aberta com um capital 105.000 reais com a finalidade de organizar, promover e criar conteúdo publicitário para feiras, leilões, congressos, conferências e exposições comerciais e profissionais, conforme revelou a revista Veja. De acordo com a publicação, a firma solicitou ao gabinete da Presidência da República uma audiência para tratar de interesses comerciais de um de seus patrocinadores. O pedido encaminhado por um assessor especial do presidente Bolsonaro ao ministro Rogério Marinho, do Desenvolvimento Regional, que recebeu o filho de seu chefe.
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