Eleição pode levar bolsonarista ao comando do MP do Rio, que cuida dos casos Marielle e Queiroz
Promotoria vota nesta sexta para formar a lista tríplice, mas governador não se compromete a escolher o mais votado. Um dos candidatos é Marcelo Rocha Monteiro, próximo de Flávio Bolsonaro
Os quase mil membros do Ministério Público (MP) do Rio de Janeiro escolhem nesta sexta-feira, 11 de dezembro, quais promotores ou procuradores de Justiça devem formar a lista tríplice da qual sairá o próximo procurador-geral do organismo. A escolha para o comando do MP deverá ser feita pelo governador interino, Cláudio Castro (PSC). A eleição ocorre sob um clima de apreensão interna, segundo apurou o EL PAÍS, porque entre os cinco candidatos do pleito está o procurador de Justiça Marcelo Rocha Monteiro. Monteiro é bolsonarista convicto e faz questão deixar isso claro em postagens nas redes sociais e eventos públicos. Caso seja escolhido para chefiar o órgão pelos próximos dois anos, terá em suas mãos as investigações do caso Marielle Franco e do caso Queiroz —que resultou na denúncia, feita pelo próprio MP, do senador Flávio Bolsonaro por lavagem de dinheiro e organização criminosa em suposto esquema de rachadinha na Assembleia do Rio.
Apoie nosso jornalismo. Assine o EL PAÍS clicando aqui
De acordo com um membro do MP que prefere não se identificar, promotores e procuradores de Justiça vem se manifestando suas preocupações em grupos de WhatsApp com a candidatura de Monteiro. Uma das principais está no fato de que nem Monteiro nem o governador interino se comprometem com a candidatura mais votada da lista tríplice. Ao contrário da esfera federal, a Constituição estadual obriga que o governador escolha dentro dessa lista tríplice o próximo procurador-geral de Justiça. Porém, é de praxe nos últimos 15 anos que o chefe do Executivo fluminense escolha o nome mais votado da lista. Além disso, também é de praxe que os candidatos se comprometam a assumir o comando do MP somente se for o mais votado da lista — e assim diminuir as chances de indicação com viés político. Assim fizeram, por escrito, quatro candidatos.
Monteiro foi exceção, conforme expressou em uma mensagem aos demais integrantes do MP. ”Deixo claro que considero perfeitamente legítimo (e coerente com sua natureza de representação classista) que nossa Associação se dirija ao governador para PLEITEAR a nomeação do mais votado”, escreveu. “Pleitear é legítimo, repito. Coisa diferente, no entanto, é pretender, através de artifício (por bem intencionado que seja) IMPOR ao governador (e, de resto, a toda a população) um sistema de escolha do PGJ [procurador-geral] que o legislador expressamente não admitiu”, continuou. “A escolha de qualquer um dos que venham a compor a lista tríplice é legítima — e essa continuará sendo minha posição, não tenham dúvida, se eventualmente estiver o meu nome no topo da lista. Assim é porque assim a lei determina”.
O atual posicionamento de Monteiro, que também é professor de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), difere do que ele próprio defendeu em 2012. Naquele ano, ele enviou um e-mail para colegas em que pedia pela nomeação do mais votado da lista tríplice, conforme checou o EL PAÍS. Na mesma linha segue o governador interino Cláudio Castro, que também não se compromete com o candidato mais votado da lista tríplice —algo que também havia sinalizado o governador afastado Wilson Witzel (PSC), que sofre um processo de impeachment. “Esse debate está sendo muito antecipado. Eu só vou receber [a lista tríplice] das mãos do [procurador-geral de Justiça] Eduardo Gussem no dia 1º de janeiro. No dia 1º de janeiro a gente marca outra coletiva para falar disso”, afirmou o governador interino durante evento no MP. Ao contrário de Witzel, que entrou em choque com o clã Bolsonaro depois que assumiu o Governo estadual, Castro tem bom trânsito no Palácio do Planalto.
Os outros candidatos são os promotores Luciano Mattos e Virgílio Stravidis, considerados os favoritos na eleição, além dos procuradores Leila Costa e Ertulei Laureano —este último é o mais antigo dos postulantes ao cargo. Os membros do MP podem votar em até três pessoas para compor a lista tríplice. Entre aqueles que se preocupam com a eleição de Monteiro existe uma movimentação para concentrar o voto em Mattos, Stravidise e Costa, de forma que os três componham a lista e Monteiro fique de fora, não havendo risco de que governador acabe optando pelo bolsonarista.
Proximidade com o clã Bolsonaro e Witzel
Monteiro aparece em várias fotos ao lado de Flávio Bolsonaro, a quem apoia desde que o atual senador foi candidato à prefeitura do Rio em 2016. Ele também demonstra intimidade com o Witzel, a quem apoiou nas eleições de 2018. Depois da posse, passou a formar parte do Conselho de Segurança formado pelo governador afastado. Os dois se conhecem desde que Witzel era juiz e, segundo uma postagem no Facebook de Monteiro, ambos fundaram o Movimento de Combate a Impunidade.
As redes sociais de Monteiro são abertas para o público e estão repletas de postagens com conteúdo de extrema direita e de fotos ao lado de figuras públicas, como os membros do Movimento Brasil Livre e o deputado estadual Rodrigo Amorim, que quebrou a placa em homenagem a Marielle Franco durante a campanha de 2018. Também já atacou abertamente jornalistas e magistrados do Supremo Tribunal Federal.
Por exemplo, já chamou o ministro Luís Roberto Barroso de “palhaço, leviano, mentiroso”. Em junho, compartilhou a notícia “Gilmar Mendes concorda com Celso de Mello ao comparar Brasil à Alemanha Nazista” com a seguinte mensagem: “Fezes mais fezes = 2 fezes”. Semanas depois, ao comentar a matéria “Acho difícil superar a pandemia com esse governo, diz Cármen Lúcia”, escreveu: “Mais uma comentarista política no que deveria ser uma corte de justiça. Acho difícil superar a mediocridade jurídica com esse tipo de magistrado”. Monteiro também já atacou o ministro Edson Fachin por causa da decisão que proibiu operações policiais em favelas do Rio durante a pandemia de coronavírus. “A origem desse autoritarismo está exatamente no tribunal do qual o senhor Fachin é ministro. A quem esse cidadão pensa que engana?”. Entre os xingamentos proferidos, já chamou de “vagabunda” a uma mulher que havia dito que Jair Bolsonaro propaga ódio.
Conforme noticiou o jornal Folha de S. Paulo em agosto, a família Bolsonaro está implicada em influenciar na escolha do próximo procurador-geral de Justiça do Rio. O atual procurador-geral, Eduardo Gussem, foi criticado por Flávio Bolsonaro por causa das investigações. De acordo com o jornal, Flávio chegou a dizer que considerava natural que Witzel, ainda no cargo, o consultasse no momento da escolha do próximo chefe do MP, como forma de se aproximar do Palácio do Planalto. Ele também expôs que o ideal seria alguém que distencionasse o que chama de clima político no órgão. “Não conheço ninguém da família Bolsonaro”, disse Monteiro à Folha naquele mês, apesar das fotos ao lado de Flávio.
O senador é investigado por suposto esquema corrupto —apelidado de rachadinha— que desviava parte dos salários —pagos com dinheiro público— de 23 ex-assessores de seu gabinete entre 2007 e 2018, período em que foi deputado estadual no Rio. Ele já foi denunciado pelo MP em novembro pelos crimes de peculato, lavagem de dinheiro, organização criminosa e apropriação indébita. Como o Tribunal de Justiça do Rio definiu que Flávio deve ter foro especial, as investigações devem ser conduzidas pelo chefe do MP do Rio.
O EL PAÍS entrou em contato com Monteiro por e-mail e enviou algumas perguntas sobre sua relação com a família Bolsonaro, como sua ideologia política afetará a condução do MP do Rio, sua recusa em se comprometer pela candidatura mais votada, entre outras questões. Mas o jornal não recebeu uma resposta até o fechamento da reportagem. Caso o procurador se manifeste após a publicação do texto, suas respostas serão acrescentadas.
Dissolução de grupos especializados
Outra preocupação gerada pela candidatura de Monteiro é pelas estruturas criadas dentro do MP, como Grupo de Atuação Especializada no Combate à Corrupção (Gaecc), responsável por auxiliar em investigações consideradas complexas —como por exemplo, nas investigações envolvendo Flávio Bolsonaro. Outra estrutura importante é o Grupo de Atuação Especializada contra o Crime Organizado (Gaeco), que investiga grupos milicianos e o homicídio da vereadora Marielle Franco (PSOL) e o motorista Anderson Gomes. Também há o Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp), que muitas vezes é chamado para atuar em casos de pessoas mortas por policiais e outros agentes do Estado.
O procurador-geral de Justiça não pode interferir nas investigações de promotores, mas pode se desfazer dessas estruturas especializas. O EL PAÍS apurou que existe entre movimentos sociais a preocupação de que o Gaesp e outros grupos sejam dissolvidos. Sua atuação é considerada uma conquista por parte dos familiares de vítimas do Estado e sua atuação é considerada positiva. Mas, de acordo com um membro do MP, Monteiro vem fazendo críticas à atuação desses grupos especializados, sobretudo o Gaesp, e vem ameaçando com dissolvê-los. Segundo ele, esses grupos “retiram” das mãos de promotores certas investigações com mais “destaque”. Em debate com alguns representantes desses grupos, Monteiro passou mal e se retirou nos primeiros minutos —como acontecera com o próprio Flávio Bolsonaro em debate na TV durante as eleições municipais de 2016. Em postagem nas redes sociais nesta quarta-feira, a Rede Comunidades e Movimentos contra a Violência anunciou que movimentos sociais protocolaram uma representação disciplinar pedindo o afastamento do procurador.