Dez capitais brasileiras exibem sinais de aumento nas hospitalizações por suspeita de covid-19
Embora ainda não seja possível comparar a situação brasileira com a segunda onda vivida pela Europa, governos estaduais já sofrem pressão hospitalar e alguns planejam reabrir leitos de UTI
Há quase dois meses os dados oficiais da pandemia do coronavírus indicam sinais de arrefecimento no Brasil. O número de mortes notificadas diariamente ― que estacionou ao longo de meses acima da trágica marca de 1.000 óbitos ― agora está em torno de 500. Mas o país segue vendo a pandemia se espalhar sobre o seu território com distintas velocidades, e a tendência de queda geral contrasta com o fato que dez capitais brasileiras apresentaram sinais de retomada de crescimento das infecções nas últimas semanas, segundo o Infogripe, um grupo da Fiocruz que acompanha as internações hospitalares por síndrome respiratória aguda grave, corrige atrasos de notificação e calcula a probabilidade de crescimento de contágio em todo o país.
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Aracaju, Florianópolis, Fortaleza, João Pessoa, Macapá, Maceió e Salvador são as que apresentam sinais fortes desse crescimento, enquanto Belém, São Luís e São Paulo apresentam sinais moderados. Esta é a primeira semana que São Paulo dá sinais de que parou de cair e pode ver o contágio voltar a crescer.
Esse aumento de internações ― concentrado especialmente em capitais do Nordeste, uma das primeiras regiões a vivenciar o quadro mais grave da pandemia no país ― ainda está muito distante da demanda apresentada no auge da crise. Desde então, o país fechou 65% das vagas de UTI abertas emergencialmente e as medidas de distanciamento começaram a ser relaxadas à medida que os casos diminuíam. Mas esse relaxamento, somado à preocupação com as movimentações decorrentes da campanha eleitoral, têm feito alguns Estados voltarem a sofrer pressão em seus sistemas de saúde, recuando da flexibilização do isolamento e anunciando a reabertura de novos leitos.
Manaus se prepara para reabrir leitos
É o caso, por exemplo, de Manaus. A capital do Amazonas foi uma das primeiras no país a ver seu sistema de saúde colapsar pela pandemia do coronavírus. Atingiu rapidamente um cenário trágico entre abril e maio e, às custas de muitas mortes, se levantou hipóteses de que havia atingido a sonhada imunidade de rebanho. Mas neste mês de outubro, as infecções voltaram a crescer. No último fim de semana, o Hospital Delphina Aziz, referência em covid-19 na capital amazonense, anunciou que estava com quase todos os seus leitos de UTI ocupados. Além da demanda por novas internações, o hospital ainda respondia a uma demanda do pico da pandemia: 60% de seus 90 leitos de UTI estão ocupados por pacientes que já estão livres do vírus, mas ainda precisam de cuidados intensivos pelas sequelas da covid-19.
A oferta de leitos na cidade também está menor agora. Em junho, quando os casos caíram, um hospital de campanha com 180 leitos, 39 deles de UTI, foi desativado pela Prefeitura de Manaus. O Governo do Estado também redistribuiu leitos de covid-19 para o tratamento de outras doenças diante da estabilização. “A situação neste momento está sendo revista”, informa a secretaria da Saúde. Até a última terça-feira, 77% dos leitos de UTI e 70% dos leitos clínicos do Estado estavam ocupados por pacientes ― fruto de uma explosão de internações nas últimas duas semanas. Se entre julho e setembro o Estado apresentava uma média de 15 internações por dia, neste mês de outubro a demanda diária dobrou. O próprio governador Wilson Lima admitiu esta semana que a rede hospitalar do Amazonas está pressionada.
“Não temos indicativo de segunda onda, mas algumas situações têm acontecido e nos deixado em estado de alerta", explicou o Wilson Lima durante uma coletiva de imprensa esta semana. Ele anunciou a criação de 42 novos leitos de UTI e a proibição de aglomerações em praias e balneários para conter uma eventual aceleração do contágio. Mas disse estar preocupado com os impactos que poderiam ter os eventos eleitorais e o início do período chuvoso. “Todo esse cenário tem causado pressão sobre a rede e feito hospitais atingirem sua capacidade máxima”, disse. O monitoramento do Infogripe coloca Manaus em uma situação de alerta. “Aparece em estabilização, mas não conseguiu ainda reverter a tendência de retomada do crescimento”, explica o pesquisador Marcelo Gomes.
Na Grande Florianópolis, hospitais privados cancelam cirurgias
Uma cidade classificada como preocupante é Florianópolis. Gomes explica que a capital de Santa Catarina apresenta sinais de crescimento das internações há cinco semanas consecutivas. "E é um crescimento bastante acentuado”, acrescenta. Pela classificação do Estado, Florianópolis está em “risco potencial grave”, o segundo mais grave estágio de uma escala de quatro criada pelo Governo. Já esteve em altíssimo risco, mas caiu um patamar na primeira quinzena de outubro. A cidade está com 86,83% dos seus leitos de UTI ocupados. Na Grande Florianópolis, essa taxa é de 74,07%. Lá, os hospitais Imperial Hospital de Caridade e Unimed decidiram suspender cirurgias eletivas diante do aumento de casos na região neste mês de outubro. E prefeituras anunciam uma maior fiscalização para conter aglomerações durante o feriadão de Finados.
Santa Catarina viu sua curva de contágio ganhar força meses depois da pandemia chegar ao Brasil e não chegou a fechar leitos de UTI covid-19. Agora, trabalha para tentar manter os 724 leitos que conseguiu habilitar junto ao Ministério da Saúde ativos até pelo menos o fim deste ano. Esses leitos representam mais do que o dobro (127%) da estrutura hospitalar que o Estado já possuía. A Secretaria da Saúde de Santa Catarina afirma que monitora diariamente a situação para evitar uma segunda onda de infecções.
Fortaleza, no Ceará, é outra capital que completou cinco semanas com uma tendência de crescimento de infecções, segundo o monitoramento do Infogripe. “A curva de Fortaleza engana um pouco porque o pico foi muito forte lá, com casos semanais extremamente elevados. Como caiu bem, quando se olha em escala, parece que crescimento é suave. Mas requer bastante cautela”, pontua Gomes. A Região de Saúde de Fortaleza, que compreende a capital e outras 42 cidades, tem registrado um aumento expressivo de novos casos de covid-19 e está com 63,64% dos leitos de UTI ocupados.
O Ceará, atualmente com 57% de seus leitos covid-19 preenchidos, opera com 313 leitos de UTI. No auge da crise sanitária, chegou a ter 911. Mas segundo a secretaria da Saúde, estruturas criadas para ampliar esses leitos continuam disponíveis, caso seja preciso reativá-las. Nas últimas semanas, o aumento de casos em algumas regiões do Ceará, incluindo a capital Fortaleza, levou o governador Camilo Santana a frear o ritmo de relaxamento das medidas restritivas. Voltou a cancelar eventos em locais fechados, que teriam sido apontados como um importante vetor de contaminação, já que os dados mais recentes apontam infecção mais intensa entre pessoas de 20 a 39 anos e, nestas atividades, não se costuma usar máscara. Reiteradas vezes, o governador também tem expressado preocupação com as aglomerações provocadas em atos eleitorais.
A pandemia não acabou
“O processo de queda (no número de casos e mortes por covid-19) e as flexibilizações dos Estados não deveriam ser interpretados pela população e pelas autoridades da Saúde como um quadro irreversível, como algo gradual pra volta à normalidade e ao fim da pandemia”, defende o pesquisador Marcelo Gomes. Ele diz que não há indícios de imunidade de rebanho em nenhum local do país e que a população brasileira ainda está suscetível ao vírus. Gomes lembra que as capitais com uma tendência de crescimento estão em uma situação muito diferente do pico que enfrentaram, mas naquele momento havia mais leitos adicionais e hospitais de campanha disponíveis. "É algo que deve ser reavaliado pelas autoridades locais. Observar como está a oferta e o que é importante para preparar a infraestrutura”, afirma.
Isso porque não está descartada a possibilidade de uma segunda onda ― o termo não tem definição no vocabulário epidemiológico, mas significa um novo crescimento após um arrefecimento da pandemia. Vários países europeus que já haviam aparentemente conseguido reduzir o contágio agora vivenciam essa realidade. Nas últimas semanas, a Espanha retomou o estado de alarme que deve ser prorrogado até o ano que vem, a França retomou o confinamento, a Alemanha fechou bares. Mas é complicado fazer comparações com a realidade brasileira. “Tivemos um crescimento muito acentuado e em muitos locais uma queda lenta e sem valores realmente baixos. Isso pode fazer que em uma retomada o percentual de pessoas suscetíveis não seja alto como a Europa. Mas não é vantagem. Significa que não conseguimos conter a crise", explica Gomes.
O médico Marcio Sommer Bittencourt, do Centro de Pesquisa Clínica e Epidemiologia do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, afirma que há lugares do Brasil que mostram uma tendência de crescimento da pandemia, mas que os dados disponíveis neste momento são insuficientes para cravar que há risco de uma nova onda de infecção. Ele pondera que todos os dados usados para acompanhar o curso da pandemia têm alguma limitação ― desde atraso na notificação de hospitalização até subnotificação de casos e a baixa testagem.
“Testamos menos do que deveríamos, e várias cidades têm uma virada de curva, mas é um aumento gradual. Para a proporção da primeira grande onda, é menos descontrolada”, observa. Bittencourt acredita que o contágio está aumentando em razão das medidas de relaxamento das restrições que vêm sendo tomadas em todo o país, mas pondera que a população mantém cuidados como uso de máscara e distanciamento. “Apesar do Governo estar acabando com o distanciamento, a circulação não está normal. As pessoas não saem todas de casa, o que faz com que (o ritmo de contágio) aconteça de forma mais lenta”, pondera. Ele defende que o importante não é saber se o Brasil está passando neste momento por uma segunda onda e nem identifica um lugar que esteja de fato enfrentando uma retomada forte assim. Mas alerta: “Se a gente ficar num platô mais baixo, mas até março do ano que vem, a gente vai ter uma das piores taxas de mortalidade”.
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