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Escolha de civil para dirigir o INPE e monitorar queimadas surpreende, mas não tranquiliza cientistas

Criticado por militarizar controle dos incêndios da Amazônia, Governo promove nome que estava em lista tríplice do instituto. Pesquisadores elogiam, mas recebem nomeação com cautela

Imagem de 16 de agosto de 2020, mostra a vista aérea de uma área em chamas na reserva da floresta amazônica, ao sul de Novo Progresso no Estado do Pará.
Imagem de 16 de agosto de 2020, mostra a vista aérea de uma área em chamas na reserva da floresta amazônica, ao sul de Novo Progresso no Estado do Pará.CARL DE SOUZA (AFP)

O Governo Bolsonaro decidiu nomear o engenheiro Clezio Marcos De Nardin para a diretoria do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), responsável pelos sistemas de monitoramento de desmatamento na Amazônia, pelos próximos quatro anos. A nomeação surpreendeu a comunidade científica, mas não a ponto de fazê-la respirar aliviada. A expectativa era que o diretor interino, o militar reformado Darcton Policarpo Damião ―à frente da entidade desde a barulhenta saída do cientista Ricardo Galvão em 2019―, assumisse definitivamente o cargo, mesmo havendo um processo de seleção formal aberto. O motivo é a cruzada que o vice-presidente general Hamilton Mourão, que lidera o plano contra a devastação ambiental no Governo, vinha empreendendo contra o INPE. A queda de braço, com o Governo negando os dados de desmatamento e focos de incêndio apontados pelo órgão, levou à saída de Ricardo Galvão em agosto do ano passado. Desde então, era Damião quem respondia pelo órgão.

Em julho, uma reestruturação eliminou o cargo de Lúbia Vinhas, coordenadora geral de Observação da Terra do INPE, o que suscitou especulações de que essa mudança teria relação com a divulgação de dados de avanço da destruição na floresta naquele mês. Essa leitura, porém, é refutada pelos próprios funcionários – Lúbia continua atuando no INPE em outra área. Seja como for, a possibilidade de que um civil, com longa carreira na instituição e escolhido em uma lista tríplice assumisse um posto estratégico, parecia distante.

Fontes ouvidas pelo EL PAÍS, no entanto, afirmam que, ao escolher um cientista, o Governo Bolsonaro tenta se livrar da acusação de militarização do monitoramento da Amazônia. E que a pressão sobre a entidade vai continuar. O vice-presidente, responsável pelo Conselho da Amazônia, defendeu recentemente a criação de uma agência de monitoramento paralela ao INPE, com o objetivo de qualificar os dados que são divulgados. “Precisamos de uma agência a exemplo do que existe nos Estados Unidos, a NRO [Escritório Nacional de Reconhecimento], subordinada ao Ministério da Defesa, e que integre todos os sistemas que temos”, afirmou durante um evento on-line do Instituto para a Reforma das Relações de Estado e Empresas (IREE).

O NRO é responsável pelo sistema de satélites que fornece informações sigilosas para agências de inteligência, como a Agência de Segurança Nacional (NSA), e não atua com dados públicos sobre incêndios florestais, por exemplo. Na prática, o trabalho do INPE é um misto do que é realizado por duas agências norte-americanas civis, a Administração Nacional da Aeronáutica e Espaço (Nasa) e a Administração Oceânica e Atmosférica Nacional (NOA), que divulgam os dados abertamente.

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Esta não foi a única vez que o vice-presidente se mostrou insatisfeito com os dados públicos divulgados pela instituição. Mourão chegou a afirmar que alguém na entidade, contrário ao Governo, divulgava prioritariamente dados negativos sobre queimadas na Amazônia. Recentemente, sobrevoou áreas de Rondônia para examinar a veracidade dos focos de incêndios. E concluiu: “Tecnicamente, esses focos registram temperaturas de +47º e não são necessariamente uma queimada ou incêndio. Verifiquei pessoalmente”, informou por meio do Twitter.

Segundo o Observatório do Clima, porém, o problema da Amazônia não são os incêndios falsos. “O número de falsos positivos na análise do INPE é de apenas 2,9%. O problema são as queimadas onde o satélite não vê”, explica Claudio Angelo, coordenador de comunicação da ONG.

Dado o clima de animosidade entre o Governo e o INPE, a expectativa em relação à sucessão no comando era baixa. Damião, que agora assume como assessor especial do ministro Marcos Pontes, já havia iniciado um processo de reestruturação na instituição, que culminou com a fusão de três coordenações, o que levou a especulações sobre uma possível retaliação de profissionais por conta da divulgação dos dados sobre as queimadas na Amazônia e no Pantanal. No entanto, funcionários do INPE, que aceitaram falar na condição de manter o anonimato, afirmam que, apesar da pressão pública, não houve interferência e que desconhecem outros militares ocupando posições de destaque dentro da instituição.

Esta é a segunda vez que o ministro Marcos Pontes faz uma escolha técnica inesperada. Osvaldo Luiz Leal de Moraes, atual diretor do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), foi reconduzido ao cargo em janeiro deste ano, após o processo de seleção e definição da lista tríplice. No caso do Cemaden, a preocupação também era grande. De acordo com fontes que acompanharam o processo, um dos candidatos era negacionista climático e amigo da família Bolsonaro, mas foi vetado já na lista tríplice. O que foi considerado uma vitória, ainda que modesta, para a combalida ciência nacional. “O que os dois comitês mostraram é que o ministro Marcos Pontes respeitou as indicações, com resultados positivos”, afirma o cientista Carlos Nobre, um dos mais respeitados estudiosos do clima e das mudanças climáticas.

Nem todos respiram aliviados. “O Brasil anseia por um INPE que atue independentemente de governo e seja pautado pela excelência na ciência, sem ingerências políticas em um trabalho absolutamente estratégico, que é monitorar os biomas brasileiros”, afirma o cientista Paulo Artaxo Netto, membro do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), das Nações Unidas. “A comunidade científica espera pela continuidade do trabalho estratégico que o INPE realiza na área de mudanças climáticas.”

O EL PAÍS pediu entrevista ao novo diretor para entender se seus planos serão de continuidade ou se ele prevê mudanças, mas ainda está sem resposta. De seus pares, ouviu as expectativas sobre o futuro de sua gestão. De Nardini, por ser um cientista formado pelo INPE, e ex-coordenador-geral de Ciências Espaciais e Atmosféricas do instituto, é considerado alguém mais suscetível às pressões dos colegas, o que pode ser uma vantagem na definição de pautas coletivas para futuras negociações com o Governo. Isso porque, no momento, uma das grandes ameaças ao INPE são os violentos cortes no orçamento, que acontecem desde 2015, mas que se intensificaram nos dois últimos anos, o que impede a renovação de pessoal na velocidade necessária. “A idade média dos funcionários é de quase 60 anos. O INPE perde dezenas de profissionais para a aposentadoria todos os anos”, afirmou um colaborador.

Por outro lado, colegas de trabalho do novo diretor também temem que, por personalidade, ele não tenha uma predisposição à rebeldia ―uma característica que pode ser fundamental para segurar pressões externas. “Em relação ao que estava aí, melhorou, porque não tem comparação. Mas ninguém tem esperança de que a pressão para o controle estatal sobre a ciência tenha um fim com a nomeação do novo diretor”, afirma outro cientista, que também prefere manter o anonimato.

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