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Estudo indica que queimadas na Amazônia ocorreram em áreas desmatadas em 2019

Relatório científico divulgado pelo Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP) aponta uma clara sobreposição de áreas de desmatamento e focos de incêndio

O céu estrelado da Amazônia com queimadas na floresta, feito na reserva de Tenharim Marmelos (AM).
O céu estrelado da Amazônia com queimadas na floresta, feito na reserva de Tenharim Marmelos (AM).Fernando Cavalcanti (AWW Germany.)
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As dramáticas fotos de uma Amazônia em chamas que atraíram a atenção mundial em agosto não correspondem à queima de florestas tropicais, e sim a áreas que foram desmatadas ao longo de 2019 e incendiadas em agosto para concluir sua conversão para uso agrícola. É o que revela um relatório divulgado esta semana pelo Projeto de Monitoramento da Amazônia Andina (MAAP) ao qual a Mongabay teve acesso exclusivo antes de seu lançamento.

Pelo menos 125.000 hectares (o equivalente a 172.000 campos de futebol) foram desmatados desde o início de 2019 e depois queimados em agosto, segundo o relatório. A maioria das ocorrências foi observada no Amazonas, onde 39.100  hectares foram desmatados e depois queimados, ou cerca de 30% do total. A mesma sobreposição também foi detectada em Rondônia e no Pará, onde houve numerosos focos de incêndio em agosto. Esses foram os últimos números disponíveis pelo estudo antes da publicação desta reportagem.

O MAAP divulgou um mapa inédito que liga o desmatamento de 2019 aos focos de incêndio, além de 16 vídeos em time-lapse de alta resolução como evidências complementares da sobreposição de áreas de desmatamento e queimadas na Amazônia.

O mapa sobrepôs duas camadas de dados principais: alertas de desmatamento coletados em 2019 pelo GLAD, o laboratório de Análise e Descoberta Global de Terras da Universidade de Maryland, nos Estados Unidos, e alertas de incêndio da agência espacial americana NASA do mesmo período, revelando uma clara sobreposição entre o desmatamento e as queimadas. Na sequência, pesquisadores do MAAP ampliaram imagens de satélites de alta resolução da empresa americana Planet e da Agência Espacial Europeia (satélite Sentinel-2) de áreas selecionadas e criaram vídeos impressionantes em time-lapse no site da Planet que comprovam focos de incêndios em áreas.

O mapa mostra a sobreposição de áreas de desmatamento e focos de incêndio na Amazônia em 2019. As áreas alaranjadas mostram que pelo menos 125.000 hectares (o equivalente a 172.000 campos de futebol) de floresta foram derrubados ao longo de 2019 e depois queimados em agosto.
O mapa mostra a sobreposição de áreas de desmatamento e focos de incêndio na Amazônia em 2019. As áreas alaranjadas mostram que pelo menos 125.000 hectares (o equivalente a 172.000 campos de futebol) de floresta foram derrubados ao longo de 2019 e depois queimados em agosto.MAAP

“A questão principal é o desmatamento. Agora faz sentido por que os incêndios tinham tanta fumaça. Parece um incêndio florestal, é fumegante como [seria] um incêndio florestal, mas na verdade são queimadas em áreas desmatadas recentemente. O ponto chave era analisar o arquivo de imagens de satélite coletadas ao longo de 2019. Temos muito mais informações do que uma simples foto”, declarou Matt Finer, pesquisador sênior e diretor do MAAP, uma iniciativa da Associação de Conservação da Amazônia (ACA).

“Não estamos minimizando a importância dos incêndios, mas nossas descobertas estão mostrando que o desmatamento também é uma questão crítica”, disse Finer à Mongabay, que teve acesso exclusivo ao relatório antes de seu lançamento. “O mundo precisa estar tão alerta e incomodado com o desmatamento quanto em relação aos incêndios, porque é com a derrubada da floresta que esse processo, que todo esse sistema, tem início… Precisamos dar ao desmatamento a mesma atenção que estamos dando às queimadas, porque ambos estão conectados.”

O vídeo em time-lapse acima mostra desmatamento seguido de incêndio no Amazonas.

Em agosto, dezenas de milhares de focos de incêndio devastaram a região amazônica e provocaram protestos em todo o mundo, com manifestantes no Brasil e em vários países exigindo ações efetivas do presidente Jair Bolsonaro para conter as chamas. Os incêndios na Amazônia tornaram-se destaque depois que um corredor de fumaça repentinamente escureceu o céu de São Paulo na tarde de 19 de agosto, provocando uma onda de consternação nas mídias sociais em todo o mundo sob a hashtag #PrayforAmazonas, que alcançou mais de 300.000 tweets em apenas dois dias.

Bolsonaro reagiu imediatamente, levantando a hipótese, sem qualquer prova, de que ONGs poderiam estar por trás dos incêndios como retaliação contra o Governo por causa da suspensão de um repasse de 33,2 milhões de dólares da Noruega ao Fundo Amazônia.

Especialistas destacaram rapidamente a ligação entre o desmatamento e os incêndios, devido à inexistência de uma estação seca severa deste ano. De acordo com a análise dos especialistas, a estratégia de conversão de floresta em pastagem na Amazônia consiste em cortar árvores da floresta tropical, esperar que a madeira seque e depois incendiá-la para limpar completamente a terra e, com as cinzas, fertilizar o solo onde será plantado o capim para pastagem — um processo que claramente ganhou peso científico com as descobertas do MAAP.

As novas descobertas também parecem sustentar as acusações feitas por críticos de Bolsonaro, de que sua retórica inflamada durante e após as eleições de 2018 encorajou os fazendeiros a derrubaram a floresta amazônica depois que o novo presidente assumiu o cargo em janeiro.

De fato, as autoridades brasileiras estão atualmente investigando um grupo de cerca de 70 agricultores e grileiros no estado do Pará que supostamente organizaram o “Dia do Fogo” em 10 de agosto, em apoio a Bolsonaro e a suas medidas para enfraquecer a ação de fiscalização de órgãos ambientais no país, informou a revista Globo Rural.

Procurado pela Mongabay para comentar o relatório do MAAP, o Ministério do Meio Ambiente não se pronunciou.

Risco crescente

Embora a análise do MAAP não tenha detectado grandes incêndios florestais no Brasil até o momento, o risco ainda existe à medida que a estação seca se aproxima, dado que muitas ocorrências de incêndios foram detectadas nos limites entre terras agrícolas e áreas florestais, explicou Finer.

“Os incêndios… atingem a linha da floresta e [parecem] apagar-se, mas [ainda] estão impactando sua borda… E esses incêndios que queimam áreas recentemente desmatadas podem facilmente se transformar em incêndios florestais. Ainda não vimos isso acontecer este ano na Amazônia brasileira, mas, à medida que a estação seca continua, ou se houver um ano de [piora] da estiagem, esse processo de queima de terras desmatadas recentemente ficará muito, muito pior. Podemos começar a testemunhar grandes incêndios florestais”, alertou o diretor do MAAP.

Até agora, o MAAP detectou grandes incêndios atingindo a vegetação nativa apenas em ecossistemas menos úmidos, incluindo a floresta seca da Bolívia e o Cerrado brasileiro.

O relatório também inclui vídeos em time-lapse de alta resolução de incêndios ocorridos nos territórios indígenas Kayapó e Munduruku, onde Finer supõe que as queimadas tenham como objetivo regenerar áreas de pastagem para criação de gado. A área queimada nas duas reservas indígenas totalizou 24.000 hectares e 700 hectares, respectivamente. O relatório também detectou incêndios recentes nos limites do território Kayapó, no norte de Roraima, que queimaram cerca de 930 hectares.

“Quando vimos a floresta seca queimando na Bolívia, lá vimos realmente a imagem que todos tinham na cabeça: incêndios fora de controle, queimando ecossistemas naturais. Mas, no Brasil, toda vez que ampliávamos a imagem de um incêndio, o que víamos era o fogo queimando uma área já desmatada. Nunca vimos um incêndio fora de controle varrendo a floresta tropical [em agosto]”, explicou Finer.

Na versão preliminar do relatório, também obtida com exclusividade pela Mongabay, a área desmatada e depois queimada era de 52.500 hectares (o equivalente a 72.000 campos de futebol).

Em março, o MAAP detectou grandes incêndios florestais no norte de Roraima, incluindo queimadas próximas ao território indígena Yanomami. Entre janeiro e agosto, as queimadas em terras indígenas aumentaram 88% em comparação com o mesmo período de 2018, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), citando dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE).

"A narrativa global [é que] a floresta amazônica está queimando; há incêndios devastando a Amazônia”, conclui Finer. Mas, segundo ele, é fundamental que o mundo “compreenda a importância do desmatamento nesse processo. O cenário principal que estamos vendo é o do desmatamento seguido de incêndio. Essa é a mensagem que o público precisa entender: há duas questões juntas — floresta derrubada e floresta queimada, e não apenas incêndios. E para evitar as queimadas, precisamos evitar o desmatamento.”

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