STJ analisa afastamento de Witzel enquanto governadores apontam clima de Estado policial
O ministro do STF Dias Toffoli negou na manhã desta quarta-feira o pedido da defesa para suspender o julgamento. Outros Estados também são investigados sobre gastos na pandemia
O governador afastado do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, volta à pauta nacional nesta quarta (2), quando os ministros da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidirão se ele deve seguir afastado ou não do cargo depois da decisão monocrática do ministro Benedito Gonçalves da sexta-feira, 28. A defesa de Witzel recorreu ao Supremo para que o julgamento fosse suspenso e ele fosse reconduzido ao Governo, porém o ministro Dias Toffoli negou o pedido, alegando que o STJ é soberano na condução de suas pautas.
Witzel é acusado pela Procuradoria Geral da República (PGR) de ter atuado em esquema de desvio de recursos na saúde durante a pandemia. A decisão chamou a atenção pela rapidez com que foi tomada, tendo como pano de fundo uma denúncia baseada numa delação, avalizada apenas por um ministro do STJ.
A manobra abriu um clima de tensão entre governadores, que apontam uma espécie de Estado policial em curso no Brasil. Incentivado pelo Governo Jair Bolsonaro, investigadores da Polícia Federal têm mirado com maior empenho os gastos dos Estados no enfrentamento da pandemia. Ao mesmo tempo, a Procuradoria-Geral da República tem incentivado a assinatura de novos acordos de delações premiadas que podem resultar no indiciamento de chefes de Executivo estaduais e, em um próximo estágio, terminar por afastá-los dos seus cargos, como ocorreu na última semana com o Witzel (PSC), desafeto declarado do presidente.
Dois governadores que se consideram opositores de Bolsonaro disseram ao EL PAÍS que temem o uso político das forças policiais pelo presidente, assim como da PGR, sob o comando de Augusto Aras. “Na hora de coordenar os esforços no enfrentamento da pandemia o presidente se omitiu. Quando os Estados foram sozinhos comprar equipamentos, os preços estavam exorbitantes e agora acham que desviamos dinheiro”, reclamou um dos governantes. “Essa excrescência de afastar governador está cercada de símbolos políticos. Temo que o Judiciário esteja se deixando sequestrar pelo presidente”, afirmou outro. Outros especialistas, como o cientista político Fernando Limongi, concordam com essa visão.
Na semana passada, outros dois governadores já haviam dito à reportagem que temiam a criação de um precedente perigoso no afastamento de Witzel através da decisão liminar de apenas um membro do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o ministro Benedito Gonçalves. Witzel foi afastado para não atrapalhar a investigação do suposto esquema de corrupção na área de saúde durante a pandemia, que respingou até na primeira dama, Helena Witzel. A decisão foi cercada de desconforto, uma vez que o presidente Bolsonaro já deixou claro que o governador do Rio é seu rival. Witzel, por sua vez, afirmou que era preciso averiguar a influência da família para seu afastamento, que beneficiaria o senador Flavio Bolsonaro, enrolado em investigações sobre rachadinha quando era deputado estadual, e tinha como assessor principal Fabrício Queiroz, hoje em prisão domiciliar.
Nesta quarta-feira, a partir das 14h, os ministros da Corte Especial do STJ analisarão o caso e decidirão se Witzel deve seguir afastado ou não. Na Corte Especial o caso será julgado por 15 magistrados. Ao menos quatro deles se declararam impedidos e deverão ser substituídos. Um outro ainda analisa se participará do julgamento ou não. Quando um juiz de declara impedido de julgar, ele atende ao artigo 134 do Código de Processo Penal. São critérios objetivos, como ser parte ou parente de uma das partes do processo; por ter dado sentença ou decisão quando a ação tramitava na primeira instância; se tiver atuado como mandatário de qualquer uma das partes envolvidas na disputa ou ainda se tiver prestado depoimento como testemunha do caso. Os ministros que se declararam impedidos foram João Otávio de Noronha, Herman Benjamin, Félix Fischer e Jorge Mussi.
O advogado de defesa do governador, Roberto Podval, diz que o afastamento é uma história “sem pé nem cabeça”. “Ele não foi ouvido e foi afastado, e ainda queriam prendê-lo. Com base numa delação, que a principio é só uma delação. Não há provas”, afirma. Podval refuta os valores citados pela denúncia da PGR de que o governador teria recebido 554.000 reais de maneira ilícita. “São fatos anteriores ao exercício”, diz ele, que aponta o delator, o ex-secretário de Saúde Edmar Santos, como suspeito, uma vez que foram encontrados milhões de reais com ele, e não há registro de dinheiro oculto do governador. “Como alguém pratica corrupção e registra as operações”, questiona.
O advogado joga luz sobre a facilidade com que Witzel foi afastado. “Para se afastar um juiz tem que ter dois terços de votos. Um governador se afastar com canetada?”, reclama. “Vice [Claudio Castro] dizendo que [Witzel] não volta mais, e presidente comemorando. Como não posso pensar que haja forças escuras trabalhando?”
Há, ainda, um pano de fundo que coloca Bolsonaro como interessado na saída de Witzel: a escolha do procurador-geral de Justiça do Rio que conduzirá as investigações contra o primogênito de Bolsonaro, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), suspeito de comandar um esquema de desvio de salário de seus assessores chamado de rachadinha. Também nesta conta política está a tentativa de algumas figuras do mundo jurídico se cacifarem para uma das vagas do STF que serão abertas até o fim de 2022.
Até o momento ao menos sete Estados já tiveram ações da Polícia Federal para avaliar a atuação na pandemia: Amapá, Distrito Federal, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia e Santa Catarina. Em alguns deles, secretários de Saúde foram presos ou afastados de seus cargos e políticos tiveram recursos bloqueados.
Na segunda-feira, outro movimento neste xadrez aumentou a preocupação sobre o estado policialesco acelerado pelo afastamento de Wilson Witzel. A PGR negocia ao menos dez novas delações premiadas que podem atingir governos estaduais ou parlamentares, segundo reportagem do jornal O Globo. Augusto Aras decidiu agir de maneira distinta de sua antecessora, Raquel Dodge, que em dois anos assinou apenas duas delações. Até o momento, seus acordos envolvem ao menos três figuras com atuação no Rio de Janeiro. O ex-secretário de Saúde Edmar Santos, que foi afastado do cargo e acusou Witzel de irregularidades, o empresário Eike Batista e de José Carlos Reis Lavouras, ex-conselheiro da Federação de Transportes que cita pagamentos para desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio. Os dois últimos citam corrupção também de congressistas eleitos pelo Rio.
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