STF proíbe Governo de monitorar opositores e fecha cerco sobre setor de inteligência de Bolsonaro

Por 9 votos a 1, ministros entenderam que fazer relatórios de inteligência contra grupos antifascistas é desvio de finalidade. Na semana passada, Supremo delimitou ações da Abin

O ministro da Justiça, André Mendonça, em julho deste ano.Daniel Estevão/ MJ

O Supremo Tribunal Federal proibiu que o Ministério da Justiça elabore relatórios de inteligência contra opositores do Governo de Jair Bolsonaro. A decisão foi tomada pelo placar de 9 a 1. Nesta quinta-feira, a Corte concluiu um julgamento iniciado no dia anterior em que era questionada a produção de um dossiê contra 579 servidores e professores universitários apontados como membros de um grupo antifascista. Esta é a segunda vez neste mês que os ministros do STF trataram do tema inteligência e impuseram uma derrota à gestão Bolsonaro.

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Na semana passada, também por 9 a 1, os ministros limitaram a atuação da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), que encabeça o Sistema Brasileira de Inteligência (Sisbin). Naquela ocasião, a Corte entendeu que a Abin precisa justificar os pedidos de compartilhamento de informação feito a outros órgãos. Definiu ainda que a atividade de inteligência não pode acessar a dados protegidos por sigilo, como chamadas telefônicas e informações financeiras. Para isto, necessitaria da expressa manifestação de um magistrado. Ficou delimitado também que os outros órgãos do Sisbin só podem repassar informações para a Abin desde que seja comprovado o interesse público da medida, afastando qualquer possibilidade desses dados atenderem a interesses pessoais.

Nos dois casos o autor da ação foi a Rede Sustentabilidade ―em um deles teve como coautor o Partido Socialista Brasileiro. A relatora foi a ministra Cármen Lúcia. E o único que divergiu dos colegas foi Marco Aurélio Mello. O decano Celso de Mello não participou dos dois julgamentos por razões de saúde. Preste a se aposentar, ele se licenciou nesta semana dos trabalhos para realizar uma intervenção cirúrgica.

No julgamento desta quinta-feira, os ministros entenderam que houve “desvio de finalidade” no dossiê elaborado pela Secretaria de Operações Integradas do Ministério da Justiça que apresentou uma relação de policiais e outros servidores que se opunham ao Governo e se declaravam antifascistas. Rejeitaram, no entanto, a abertura de uma investigação contra o ministro da Justiça, André Mendonça.

Em seu voto, o ministro Roberto Barroso disse que, se o Governo Bolsonaro estivesse realmente preocupado com o risco de manifestações contra a democracia, “talvez fosse o caso de monitorar os grupos fascistas e não os antifascistas”.

Ex-titular da Justiça no Governo Michel Temer (MDB), o hoje ministro do STF Alexandre de Moraes disse que o relatório estava rotulando pessoas, o que é vedado pela legislação. “Não é possível que qualquer órgão público possa atuar fora dos limites da legalidade. Isso é grave. Estava mais para fofocaiada do que para relatório de segurança”, afirmou. Todos os ministros tiveram acesso ao dossiê. Nele, conforme Moraes, estão listados policiais de cada Estado que seriam opositores ao Governo.

Em seu voto, o ministro Luiz Fux ressaltou que o dossiê é uma afronta à liberdade de expressão e não tem qualquer embasamento legal. “Esse relatório é a cultura do medo baseada em um nada político, em um nada jurídico”, afirmou. Já a ministra Rosa Weber destacou que não cabe ao Estado definir como seus alvos em relatórios de inteligência pessoas que expressam determinada ideologia ou crença. “Um Estado constitucional não admite que sejam as ações do Estado orientadas pela lógica do pensamento ideológico”, frisou a ministra.

Na quinta-feira, a ministra Cármen Lúcia já havia delineado em seu voto a existência desse desvio de finalidade. “No direito constitucional o uso ou o abuso da máquina estatal, mais ainda, para a colheita de informação de servidores com postura política contrária a qualquer Governo caracteriza, sim, desvio de finalidade, pelo menos em tese”.

O único que divergiu dos demais ministros, Marco Aurélio afirmou que o relatório seria lícito e é uma espécie “cadastro de pessoas naturais e entidades” e de “movimentos que estão ocorrendo no território brasileiro”. Afirmou ainda que os levantamentos desses dados “são necessários e indispensáveis à manutenção da segurança pública.”

O advogado-geral da União, José Levi Mello do Amaral, e o procurador-geral da República, Augusto Aras, haviam defendido o arquivamento do processo, denominado ação de descumprimento de preceito fundamental (ADPF). Ambos entenderam que o relatório não se trata de uma peça de investigação, mas de informação. Para Aras, ele era um compilado de dados públicos acessados pelas redes sociais dos alvos do dossiê, o que não seria ilegal, em sua opinião.

Após o julgamento, o ministro André Mendonça emitiu uma nota para tentar amenizar sua derrota na Corte. Afirmou que a decisão “reconhece a importância do regular exercício da atividade de inteligência como essencial para o Estado Democrático de Direito e a segurança dos cidadãos”. Mendonça ainda agradeceu as manifestações dos ministros do STF sobre a “integridade, transparência e isenção” dele neste episódio. Ele é um dos cotados pelo presidente Bolsonaro para assumir uma vaga no Supremo neste ano, com a aposentadoria compulsória de Celso de Mello, em novembro.

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