Negociar com o FMI e estabilizar a economia, os próximos desafios da Argentina
Acordo com credores privados reduz a pressão sobre o câmbio, mas o país ainda precisa enfrentar negociações delicadas e os desequilíbrios fiscal e monetário
Para a Argentina, o acordo fechado juntos aos credores privados para reestruturação de sua dívida é como desativar uma bomba, segundo muitos economistas. O problema é que ainda restam outras. O governo de Alberto Fernández tem pela frente as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), que na época da administração do ex-presidente Mauricio Macri emprestou ao país sul-americano 44 bilhões de dólares (cerca de 232 bilhões de reais) e a tarefa de estabilizar uma economia destruída pela pandemia e ameaçada por importantes desequilíbrios macroeconômicos.
A troca de títulos da dívida altera as expectativas do mercado, depois de meses de incerteza, e favorece as futuras conversações com outros credores, como o próprio FMI e o Clube de Paris. “Conseguir primeiro um acordo com o setor privado já é um ponto de partida muito favorável. A atual situação mundial coloca claramente em evidência a necessidade de os países receberem ajuda e o FMI concedeu ajudas importantes a países pobres, com o que parecem dadas as condições para ter negociações razoáveis”, aponta Cynthia Moskovits, economista da Fundação de Pesquisas Econômicas Latino-Americanas (FIEL). “O FMI apoiou a política de negociação da Argentina [com os detentores de títulos] e não se espera que mude sua posição”, acrescenta Leandro Ottone, do Instituto de Trabalho e Economia da Fundação Germán Abdala. Ottone lembra que hoje a Argentina é o maior devedor do FMI e que essa carta joga a favor do país sul-americano para uma reestruturação bem-sucedida da dívida.
Outra consequência imediata é a eventual descompressão do mercado cambial, que estava sujeito a controles cada vez maiores por parte do Governo e aonde o hiato entre a cotação da moeda norte-americana no mercado oficial e no paralelo chegou a ultrapassar os 80%. Nesta terça-feira, depois do acordo, o preço oficial permaneceu inalterado, em 75,6 pesos por dólar, mas no paralelo o valor do dólar caiu 6% em relação ao dia anterior.
A médio prazo, no entanto, o quadro é complexo. “O acordo é uma etapa necessária, mas não é suficiente. A Argentina ainda não resolveu as questões fiscal, monetária e cambial, e os credores não sabem como vão fazer para receber daqui a cinco ou dez anos porque não sabem se o dinheiro estará lá”, alerta Elisabet Bacigalupo, chefe da equipe macroeconômica da consultoria Abeceb.
A pandemia da Covid-19 atingiu uma Argentina já enfraquecida por dois anos de recessão econômica e a mergulhou em um poço do qual levará tempo para sair. Como os outros países, a nação sul-americana disparou os gastos públicos nos últimos meses para tentar minimizar o impacto da quarentena obrigatória nos setores menos favorecidos e no tecido produtivo. O aumento de gastos foi coberto por um déficit fiscal. No entanto, sem a possibilidade de receber empréstimos, a única fonte de financiamento para o Governo de Fernández é a emissão de moeda.
“Este ano, estamos nos encaminhando pela primeira vez a um duplo dez: 10% de déficit fiscal e 10% de queda da economia. No centro do programa deve estar a organização fiscal e, por trás, como o país veio se financiado com emissão, a organização monetária”, diz Rodrigo Álvarez, economista da Analytica. “Com este acordo, a Argentina poderia encarar seu principal desafio: estabilizar a economia e buscar uma inflação entre 20 e 30% daqui até 12 e 18 meses, o que pelos padrões argentinos é moderada”, destaca.
Além de organizar a macroeconomia e estabilizar o mercado de câmbio, a Argentina precisa voltar a crescer, enfatiza Ottone: “É preciso lançar as bases para um crescimento no próximo período que seja sustentável ao longo do tempo. Isso significa incentivar os setores exportadores e aqui é preciso ser inovador”. O preço das matérias-primas é hoje inferior ao registrado há 15 anos, quando a Argentina saía da crise conhecida como corralito.
Segundo Álvarez, a principal preocupação é como o Governo de Fernández administrará a economia diante da forte queda sofrida neste ano. “Você passou de um PIB de 600 bilhões de dólares para um de menos de 400 bilhões, com um Estado enorme, com empresas que terão de se ajustar a uma demanda menor e uma economia que é pouco flexível. A gestão de uma crise assim não tem precedentes”, adverte.