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Argentina procura saídas ao labirinto de sua dívida, e deve ser laboratório de testes econômicos

Apoio do FMI à renegociação com os donos de bônus privados abre uma janela de oportunidades ao Governo de Alberto Fernández

Federico Rivas Molina
A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, e o ministro da Economia argentino, Martín Guzmán.
A diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, e o ministro da Economia argentino, Martín Guzmán.Reuters

A Argentina vive uma nova crise. Há dois anos sua economia está em números vermelhos, a inflação é recorde e a taxa de pobreza supera 40%. O Governo de Alberto Fernández se lançou em meio a essa recessão em uma complexa reestruturação dos vencimentos de sua dívida externa, por volta de 150 bilhões de dólares (658 bilhões de reais) que já avisou que não poderá pagar. Encontrou no caminho um inesperado apoio político: o do Fundo Monetário Internacional, a quem a Argentina deve 44 bilhões de dólares (193 bilhões de reais) do resgate financeiro recebido por Mauricio Macri em 2018, e o dos países com mais peso no órgão, como os Estados Unidos e os membros da União Europeia. Agora Fernández precisa sentar-se com os credores privados e convencê-los a aceitar um pagamento de 30% a 50% da dívida.

O FMI divulgou na semana passada o resultado do relatório técnico da missão que durante uma semana visitou Buenos Aires. Os inspetores do órgão concordam com Fernández em que a dívida argentina é “não sustentável” e pediram aos donos de bônus que aceitem um pagamento “apreciável” dos títulos que têm em seu poder. Esses papéis pagam hoje 45 centavos por cada dólar da emissão original, ou seja, o mercado já os considera em risco iminente de cessação de pagamentos.

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O Governo já contava com o apoio da oposição macrista, que prometeu não causar complicações em tudo o que for relacionado às negociações com os credores. O ex-presidente Mauricio Macri sabe de sua responsabilidade na crise atual e não tem muito mais para oferecer. O comunicado do Fundo foi, por outro lado, um balão de oxigênio inesperado para Fernández.

“O FMI disse que para que a dívida seja sustentável a Argentina precisaria ter um superávit que não é consistente com a política e a economia. Habilitou assim a não fazer um ajuste fiscal tradicional e se colocou ao lado do Governo”, diz Marina Dal Proggetto, diretora executiva da consultoria Estudio EcoGo. É uma novidade o FMI não exigir um ajuste duro. “Talvez queiram se afastar do que aconteceu com Macri, mas atestar um programa que não persegue um superávit fiscal no curto prazo é raro. O FMI diz à Argentina: ‘Faça como quiser, porque minha receita falhou e eu estou te esperando para chegar a um acordo”, diz Ezequiel Zambaglione, chefe de estratégia da Balanz, uma empresa argentina que assessora grandes investidores.

O ministro da economia da Argentina, Martín Guzmán, adiantou que não haverá cortes orçamentários até 2023, quando a Argentina elegerá o sucessor de Alberto Fernández. Enquanto isso, o Governo usará o dinheiro que, espera, não deverá destinar à quitação da dívida para resgatar a economia. Quando a Argentina crescer, disse Guzmán, poderá pagar seus credores. Mais uma vez, o país sul-americano pode se transformar em um laboratório de testes. Em uma longa coluna publicada no Financial Times, a diretora-gerente do FMI, Kristalina Georgieva, disse que esperava superar as limitações do que chamou de “pensamento econômico mais convencional”.

“Estamos repensando a maneira como aconselhamos os países emergentes”, escreveu, principalmente no relativo ao “uso do mercado de câmbios como amortizador” das “perturbações externas”. A desvalorização da moeda argentina foi fundamental na gravidade da crise de dívida que o país atravessa. 80,3% dos bônus emitidos estão em moeda estrangeira e o valor do dólar em relação ao peso aumentou de 14 unidades em 2016 a mais de 60 em 2019 (80 pesos no mercado negro). O peso da dívida em relação ao PIB multiplicou, ainda que a dívida bruta em dólares se mantenha estável desde meados do ano passado.

A mudança de enfoque do FMI é uma decisão política. No mercado entendem que a búlgara Georgieva se formou em uma economia bimonetária e, portanto, é mais sensível ao impacto que a taxa de câmbio tem nas economias mais frágeis. Pretende, também, continuar com a tarefa de sua predecessora, Christine Lagarde, de dar ao Fundo um verniz de sensibilidade social a suas exigências de ajuste. Sobre isso, “a posição é mais amigável porque tem na Argentina um caso chave para refundar o FMI como entidade que auxilia economias em problemas”, afirma o chefe de estratégia da Portfolio Personal, Joaquín Bagues. “Agora dizem que deveriam ter intervindo um pouco mais quando a moeda argentina se complicava, isso é uma mudança absoluta”, acrescenta.

A negociação da dívida é um jogo a três, em que o Governo e o FMI estão juntos contra as pretensões dos donos de bônus privados. Fernández deverá encontrar o equilíbrio entre as necessidades da Argentina e as exigências dos donos de bônus, que pedirão pelo menos um plano de previsibilidade que garanta que eles receberão no futuro. “Os donos de bônus são os que irão financiar o crescimento, porque hoje não há acesso ao crédito. Se você é muito duro, o mercado vai se fechar”, diz Bagues. A Argentina corre contra o tempo. O Governo colocou como limite a segunda semana de março para ter pronta a lista de ofertas aos seus credores. Aí se saberá se o mundo voltará a acreditar na Argentina.

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