“Veremos se a vacina de Oxford é eficaz para a população brasileira. Não sabemos a duração da proteção”
Coordenadora dos estudos da vacina britânica no Brasil, Lily Yin Weckx, da Unifesp, celebra primeiros resultados, mas afirma que ainda é cedo para falar em datas
Em maio, a epidemiologista Lily Yin Weck ―professora do Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)― recebeu o convite da Universidade de Oxford para coordenar uma nova fase de estudos sobre uma vacina contra o coronavírus desenvolvida pela instituição inglesa. A ideia era ampliar os testes para outros países, e o Brasil foi um dos primeiros a serem considerados porque apresentava uma curva ascendente de contágios. Contava mais de 20.000 mortes e se aproximava de meio milhão de casos confirmados naquele momento ― hoje, já são mais de 80.000 mortes e 2 milhões de infectados. “O Brasil tinha uma circulação intensa do vírus, então era um lugar bom para realização de estudos de fase três. Além disso, tem muita tradição na área de vacinação. A gente tem um ótimo programa, com bons centros de pesquisa”, explica Yin Weck.
No mês seguinte, em junho, ela começou o trabalho no país. Um total de 5.000 pessoas devem ser vacinadas em São Paulo, Rio de Janeiro e na Bahia. Nesta segunda-feira, os resultados publicados das duas primeiras fases do estudo ―que envolveu 1.000 participantes no Reino Unido― indicaram que a vacina é segura e capaz de estimular a produção tanto de anticorpos quanto de células T (que identificam e destroem células infectadas). As primeiras respostas soam animadoras para Yin Weck, mas ela evita estimar quando essa vacina poderá de fato chegar ao público. “Não temos dados ainda para dizer que teremos a vacina licenciada neste ano”, pondera. O desafio agora no seu trabalho é observar se a vacina realmente é capaz de proteger a população e por quanto tempo. Na entrevista a seguir, a epidemiologista conta mais detalhes sobre quais as respostas apresentadas nesses estudos até o momento.
Pergunta. O que esses resultados já publicados sobre a vacina de Oxford sinalizam exatamente? Em que o estágio estamos até que ela possa ser distribuída?
Resposta. O que os estudos publicados mostram é o resultado da vacina em cerca de 1.000 participantes no Reino Unido. Eles indicam que a vacina é segura. Há efeitos colaterais leves a moderados [como fadiga e dor de cabeça], que você consegue contornar com paracetamol. E mostraram que a vacina é muito imunogênica. Ou seja, ela produz uma resposta imune tanto de células T [que não reconhecem o vírus, mas atacam as células infectadas por ele] quanto de anticorpos. Então são dados muito positivos. Isso apoia e realmente dá um ânimo grande para continuarmos a fase três do estudo porque indica que estamos no caminho certo. Agora, cabe a nós na fase três ver se a vacina é eficaz ou não, se ela protege de fato a nossa população ou não.
P. Com os dados disponíveis hoje então ainda não é possível dizer se a vacina é protetora ou mesmo se impediria a transmissão do vírus?
R. Não dá pra dizer isso ainda. Dá pra dizer que ela produz anticorpos. Geralmente, os anticorpos protegem. Mas, na prática, a gente precisa ver o quanto esses anticorpos protegem. Então vamos observar isso em pessoas vacinadas e em outro grupo de pessoas que receberam outra vacina. Vamos analisar agora como isso vai reduzir o número de casos. Ainda não temos dados de eficácia. Então, com isso, eu não posso dizer ainda quando vamos ter uma vacina. O que dá pra dizer é que, como nós vamos ter muitas pessoas em vários países participando do estudo nesta fase três, se a gente acumular dados positivos mais cedo, é possível que se tenha um licenciamento mais cedo. Mas é muito difícil você precisar isso neste momento.
P. Um desafio de vários estudos em desenvolvimento no mundo que já mostram resultados promissores é saber a duração da proteção das vacinas. Já há respostas sinalizadas pelo estudo de vocês? Preveem, por exemplo, a necessidade de doses anuais como é o caso da H1N1?
R. É diferente do H1N1, da vacina contra a influenza, que necessita uma dose anualmente. Isso se deve ao fato de que o vírus da influenza sofre mutações constantes. Então todo ano o vírus muda, e a gente precisa fazer uma nova vacina de influenza contra a cepa [as linhagens de vírus utilizadas na formulação das vacinas contra a gripe] daquele ano. Não é o que está ocorrendo com o novo coronavírus ainda. São poucas cepas presentes, e não estamos vendo uma mutação nesse ritmo. Então, por enquanto, a gente não está pensando que vamos precisar fazer uma vacina nova todo ano porque o vírus muda. O que não sabemos ainda é a duração da proteção porque a vacina começou a ser aplicada agora. Não houve tempo hábil ainda, de seguimento, para dizer se essa proteção dura seis meses, um ano, dois anos. A vacina começou a ser administrada agora. O fato é que você ter uma resposta forte, robusta, da produção de células T e anticorpos é um bom sinal. Pode ser que a efetividade seja mais prolongada, mas essa é uma informação que não dá pra saber ainda.
P. A fase três do estudo é a última de testes? Quando devem sair os resultados dessa fase e quais são os próximos passos?
R. O nosso estudo vai durar um ano, e os dos outros também. Geralmente, a fase três é a última fase pré-licenciamento. Se os resultados forem positivos, geralmente ela é licenciada primeiro no país de origem e depois em outros países. Mas neste caso de uma pandemia como a que vivenciamos agora, é possível dar agilidade. Se houver análises de tempo em tempo acumulando dados positivos, o licenciamento da vacina pode sair mais rápido. Mas isso depende ainda dos dados que nós vamos ter. Então é muito arriscado falar que em dezembro vamos ter a vacina registrada. Precisamos primeiro ter resultados.
P. Como estão os estudos no Brasil? Quantas pessoas já foram vacinadas e o que vocês têm conseguido identificar até o momento?
R. No plano de desenvolvimento global da vacina, está no projeto incluir 50.000 pessoas pra esse estudo de fase três. Cinquenta mil onde? No Brasil, África do Sul, Estados Unidos e um país da Ásia, assim você pega todos os continentes. No Brasil, nós vamos incluir 5.000 participantes. São adultos, com faixa etária de 18 a 55 anos, profissionais de saúde ou adultos com risco elevado de infecção pelo coronavírus. Este vai ser nosso público alvo que poderá participar do estudo. O que eu posso dizer agora é que o estudo foi aprovado pelas agências regulatórias do país no começo de junho. Ele já começou em três centros aqui no Brasil, em São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia.
P. Quantas pessoas já foram vacinadas? Há uma previsão de quando essa fase deverá ser encerrada no Brasil?
R. O desenho do estudo prevê um seguimento de 12 meses. Então todos os vacinados serão seguidos por 12 meses. Os estudos em geral são assim.
P. Os testes ainda estão em curso, mas num cenário de resultados satisfatórios, é possível estimar quando a vacina pode ser disponibilizada ao público?
R. Tem muita gente já apostando que a vacina possa ser licenciada até o final do ano. Mas o Governo precisa adquirir a vacina, e a indústria precisa produzi-la. Aqui no Brasil, o Governo já fez um acordo com a Astrazaneca de aquisição de 15 milhões de doses em dezembro deste ano, mais 15 milhões em janeiro de 2021 e depois possivelmente mais de 70 milhões de doses. Então o Brasil já tem acordado a aquisição de 100 milhões de doses e em um tempo breve. São projeções que estão sendo feitas. Eu não tenho dados ainda para dizer que teremos a vacina licenciada neste ano. É possível que, com a análise interina, a gente possa conseguir um licenciamento antecipado em caráter emergencial, mas são especulações. Todo mundo quer uma vacina o mais rápido possível. O tempo depende da vacina. Algumas delas levaram cinco, dez anos para serem produzidas. É claro que numa pandemia você não perde tempo. Por isso, o estudo de Oxford tocou as fases um e dois ao mesmo tempo. Por isso que há estudos de várias vacinas com velocidade acelerada.
P. Com o acordo que temos, caso a vacina de Oxford demonstre de fato eficácia, haverá vacina para todo mundo no Brasil?
R. Nesse acordo feito pelo Brasil, o mais importante é a possibilidade de produção da vacina no país. O acordo inclui a aquisição das doses, mas também a transferência de tecnologia. O Brasil vai adquirir no início as doses, mas a ideia é que seja produzida numa quantidade suficiente pra suprir toda a população que necessita. Na minha avaliação, acho que o Governo deve eleger um público alvo de vacinação, com as pessoas que têm maior risco de infecção ou um maior risco de desenvolver a doença na sua manifestação grave. Neste caso, devem entrar profissionais de saúde, idosos, pessoas com comorbidades. Acho que a prioridade deve ser dada para elas. Porém, a vacina não chegou ainda. O Brasil não tem isso traçado ainda. Mas eu creio que a tendência será esta.
P. Acredita que, com a vacina, chegaremos à “imunidade de rebanho” e conseguiremos controlar também os contágios?
R. Acho que vai ter “imunidade de rebanho”, mas não posso afirmar isso ainda. O que sabemos da vacina neste momento é que ela produz anticorpos. Vamos ver se ela protege contra a covid-19. Se a vacina vai ser eficaz para impedir a transmissão do vírus, é outro aspecto. E aí, sim, você vai atuar na imunidade coletiva, de rebanho. A gente ainda não tem dados pra dizer se a nossa vacina vai impedir a transmissão de uma pessoa pra outra mesmo sem ter doença aparente, sem ser sintomático. São dados futuros.
P. Há outras vacinas sendo testadas, como por exemplo a chinesa que está em ensaio no Brasil pelo Instituto Butantan. Como a senhora localiza o Brasil na corrida global pelo desenvolvimento e acesso a uma vacina contra o coronavírus?
R. O Brasil neste momento tem dois estudos de fase três [e Anvisa autorizou mais dois fabricantes a fazerem testes no país, o que elevará o o total a quatro, no futuro]. Em ambos existe acordo de transferência de tecnologia para que a vacina seja produzida aqui mesmo. Então acho que o Brasil está bem e, se tudo der certo, além de produzir vacina suprindo a nossa população, o Brasil pode ser um importante ponto de produção de vacina para ajudar na imunização de outros países também.
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