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Vacina de Oxford contra o coronavírus oferece resultados promissores em teste com 1.000 pessoas

Imunização baseada em um vírus do chimpanzé, que gera uma forte reação imunológica e segurança, mas pesquisadores ainda desconhecem sua eficácia diante de mutações

Coronavirus
Voluntária recebe uma injeção durante um ensaio clínico da vacina experimental de Oxford em Soweto (África do Sul).Felix Dlangamandla (Gallo Images via Getty Images)
Manuel Ansede

Uma das vacinas experimentais mais avançadas contra a covid-19, desenvolvida pela Universidade de Oxford, oferece resultados promissores para poder frear a pandemia do novo coronavírus. A injeção gera uma forte reação imunológica sem provocar efeitos adversos graves, segundo dados do seu primeiro ensaio em humanos, publicados nesta segunda-feira na revista médica The Lancet. Essas provas, que começaram em abril, envolveram mais de 1.000 voluntários saudáveis no Reino Unido. A vacina também está sendo testada no Brasil, por meio de uma parceria com a Unifesp.

A vacina experimental foi elaborada a partir de uma versão debilitada de um adenovírus do resfriado comum dos chimpanzés. O vírus foi modificado geneticamente para impedir sua multiplicação e acrescentar genes com as instruções para fabricar somente as proteínas da espícula do coronavírus, as protuberâncias que lhe dão sua peculiar forma de maça medieval e que, além disso, servem de chave para invadir as células humanas. Estas proteínas alheias geradas pela vacina treinam o sistema imunológico e, conforme mostram os novos resultados, produzem uma dupla barreira: anticorpos neutralizantes, que bloqueiam as partículas estranhas, e linfócitos T, um tipo de glóbulo branco que destrói as células infectadas. Essas defesas se mantinham quase dois meses depois do início do estudo.

O objetivo deste primeiro ensaio, feito com de 1.000 pessoas com idades entre 18 a 55 anos, era descartar possíveis efeitos adversos graves, ajustar a dose e medir a reação imunológica gerada pela vacina. A Universidade de Oxford e o laboratório farmacêutico britânico AstraZeneca já começaram uma última prova com dezenas de milhares de pessoas para certificar que a vacina é efetivamente segura e evita a doença. O projeto iniciou um ensaio com 15.000 pessoas no Reino Unido, mas a atual escassez de infecções na região dificulta demonstrar que a vacina protege. Oxford anunciou outro teste, com 5.000 voluntários no Brasil, e outro com 2.000 na África do Sul.

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“Graças ao trabalho prévio nesta área e aos esforços dos colegas de Oxford, pudemos concentrar grandemente nossos prazos para desenvolver uma vacina, reduzindo a três meses o período de cinco anos em condições normais”, afirmou em abril Sarah Gilbert, líder da pesquisa junto a Adrian Hill. Os três filhos de Gilbert, trigêmeos de 21 anos que estudam bioquímica, participaram dos primeiros ensaios da vacina experimental de sua mãe, conforme contou a professora de Oxford em uma recente entrevista à revista Bloomberg Businessweek.

“Ainda resta muito trabalho por fazer antes de podermos confirmar que nossa vacina ajudará a fazer frente à pandemia de covid-19, mas estes resultados iniciais são promissores”, reconheceu Gilbert nesta segunda-feira em nota. A pesquisadora e sua equipe admitem as limitações de seu estudo: não inclui pessoas de idade avançada nem pacientes com outras enfermidades relevantes nem populações diversas de diferentes países. Dos 1.077 participantes neste primeiro ensaio, 91% eram brancos, e sua idade média era de 35 anos. As provas que estão sendo feitas atualmente com dezenas de milhares de pessoas procuram solucionar essas carências.

Gilbert também admite outras lacunas importantes. “Ainda não sabemos qual a força que a reação imunológica precisa ter para garantir a proteção efetiva contra a infecção pelo SARS-CoV-2”, afirmou a especialista. O vírus já não é o mesmo que se espalhou para todo mundo a partir da cidade chinesa de Wuhan. A variante original foi substituída em praticamente todo o planeta por outra com uma mutação característica que, segundo alguns estudos preliminares, poderia aumentar a carga viral nos pacientes. “O que é alarmante é que, se os níveis do vírus forem muito mais altos, seria preciso que as vacinas gerassem maiores níveis de anticorpos. E isso pode ser um grande problema”, explicou a este jornal, no começo de julho, o biólogo espanhol David Gentil Gómez, que trabalha em Oxford no desenvolvimento da vacina.

O próprio laboratório AstraZeneca reconhece que essa vacina pode afinal não funcionar, mas, caso funcione, já se comprometeu a fabricar mais de dois bilhões de doses, sendo 400 milhões reservadas à União Europeia, para começarem a ser entregues no final deste ano. A empresa —responsável por fármacos como o omeprazol, contra a acidez de estômago— disse que facilitará o acesso à vacina durante a pandemia sem buscar lucro.

A AstraZeneca também anunciou acordos similares com os EUA e o Reino Unido. A Coalizão para as Inovações em Preparação para Epidemias (CEPI, na sigla em inglês), fundada pelos Governos da Noruega e Índia, a Fundação Bill & Melinda Gates, o Wellcome Trust e o Fórum Econômico Mundial, investirá o equivalente a dois bilhões de reais para fabricar outras 300 milhões de doses dentro do Acelerador ACT, um consórcio internacional apoiado pela OMS e a UE para obter vacinas “em tempo recorde”. E a AstraZeneca assinou outro acordo com o Instituto do Soro da Índia, um dos maiores fabricantes de vacinas do mundo, para produzir um bilhão de doses para os países de renda baixa ou média, com um compromisso de administrar 400 milhões ainda neste ano.

As primeiras provas da vacina experimental de Oxford em macacos haviam revelado resultados dúbios. Os animais vacinados e posteriormente infectados não desenvolveram uma pneumonia, mas tinham o vírus em sua garganta, o que poderia significar que a vacina impede as formas mais graves da doença, mas não sua transmissão. O veterinário espanhol Javier Salguero, que participa das provas em macacos na agência governamental de Saúde Pública da Inglaterra, acredita que esse efeito observado nos micos pode se dever ao desenho dos experimentos, muito diferente das condições do mundo real. Aos animais são inoculados com o coronavírus em dose muito altas e por múltiplas vias. “A proteção total neste modelo animal é muito difícil de conseguir, mas pode ser que se consiga em humanos. As pessoas não se infectam com doses muito altas nem por via intratraqueal”, explicou Salguero numa entrevista a este jornal.

A vacina experimental de Oxford é um dos 23 protótipos diferentes que estão sendo testados em humanos em todo o mundo, segundo o registro da OMS. A empresa norte-americana Moderna anunciou que começará em 27 de julho um ensaio com 30.000 voluntários para provar seu candidato, que ofereceu resultados promissores em uma primeira prova com 45 pessoas. A China, com várias vacinas experimentais avançadas, já aprovou uma para seu uso em militares.

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