“O que sabemos atualmente é que quem deu positivo por anticorpos está protegido”
Manel Juan, chefe de Imunologia do Hospital Clínic de Barcelona, considera que a imunização frente ao coronavírus é duradoura e que pode haver população imune por exposição a outros vírus
Meio ano depois do coronavírus SARS-Cov-2 começar a ser conhecido em todo o mundo, uma das principais incógnitas é como o corpo humano responde à infecção. Saber se depois de passar pela doença a pessoa fica imune, e por quanto tempo, ou por que há pessoas que, apesar de expostas ao vírus sem terem imunidade prévia nem terem sido vacinadas, não se infectam: essas são algumas das perguntas que os imunologistas tentam responder nestes meses. Solucionar tais dúvidas permitiria saber se faria sentido criar um passaporte de imunizado, além de entender melhor que parte da população (e em que medida) está ameaçada pelo coronavírus.
Manel Juan (Barcelona, 1964), chefe do serviço de imunologia do CBD-Hospital Clínic de Barcelona, é um dos pesquisadores que estão tratando de desvendar tais enigmas. Esse especialista em imunoterapia contra o câncer coordena agora um projeto com a participação de vários centros europeus para saber o que ocorre no sistema imunológico dos doentes quando eles têm uma reação excessiva ao vírus (uma de suas formas de matar), ou para criar sistemas de diagnóstico mais precisos que os atuais testes usados na busca por anticorpos. Em muitos casos, é possível que o exame não os detecte, mesmo que o indivíduo tenha passado pela doença e esteja protegido, e também é possível que uma pessoa tenha seu sistema imunológico treinado contra as formas mais graves da covid por ter tido contato prévio com algum dos quatro coronavírus com os quais convivemos e que só produzem sintomas de resfriado. “Isso pode nos explicar por que há indivíduos que aparentemente não se infectam mesmo se tiverem ficado ao lado de gente infecciosa, e poderia ser um dos motivos pelos quais há mais proteção da que se esperaria”, explica Juan, que junto ao seu grupo está buscando desenvolver métodos para medir também esse tipo de imunidade.
Pergunta. Os exames de anticorpos feitos atualmente nos permitem saber se seremos imunes a um novo contágio?
Resposta. O determinante para saber se há imunidade são os linfócitos T, que são os que oferecem a proteção, mas o tipo de exame necessário para detectá-los é muito complexo, leva muito tempo e não é prático de fazer. Por isso se faz um teste de um marcador sub-rogado, que são os anticorpos. Se você tiver um positivo de anticorpos IgG, sabemos que houve resposta dos linfócitos T, está tudo ligado.
P. Então, uma pessoa que tiver um exame de anticorpos positivo pode se considerar protegida? Ou depende dos níveis de anticorpos que apareçam no exame?
R. Os níveis de anticorpos são uma aproximação, é um erro pensar neles como uma cifra absoluta no diagnóstico. Você pode ter níveis baixos e isso ser suficiente para saber que o sistema imunológico está funcionando. Não é correto dizer que se você tiver mais anticorpos terá mais imunização, ou esta durará mais. Os anticorpos não são propriamente o elemento que nos imuniza ou nos protege no futuro. Você pode ter muitos, e que a imunidade dure um pouco menos, ou não ter praticamente nada e que dure muito. É verdade que os que sofreram uma forma mais grave da doença em média têm mais anticorpos, mas há quem tenha sofrido uma doença muito grave e tenha muito poucos anticorpos. E ao contrário. Os anticorpos não são o marcador real da imunidade.
P. Faria sentido criar um passaporte imunitário que ofereça uma garantia de que a pessoa é imune?
R. O passaporte faria sentido do ponto de vista de saber se uma pessoa é imune, mas as consequências de utilizar este passaporte são complexas. No âmbito profissional, a existência desse passaporte poderia acarretar uma discriminação com base na presença ou não de anticorpos e, além disso, uma pessoa com um exame de anticorpos negativo poderia também estar protegida. Este é um debate mais político, social e inclusive sindical.
P. É impossível que uma pessoa dê positivo em um exame de anticorpos e depois possa se infectar ou transmitir a doença?
R. Já temos uns quantos milhões de casos em todo mundo e não se descreveu uma só reinfecção clara devido a uma nova entrada do vírus uma vez que houvesse anticorpos. Nos casos em que houve dúvida se isto tinha acontecido, demonstrou-se que se tratava de reativação do mesmo vírus, que nesse tempo o sistema imunológico não tinha sido capaz de eliminá-lo suficientemente para não ser detectável em um PCR. Em todo caso, entre tantos milhões, afinal haverá algum em que, tendo-se detectado o vírus, não seja possível manter uma imunização protetora e evitar uma reinfecção.
P. Também se propôs que, se você sofrer uma infecção assintomática, a reação imunológica é menor e pode ocorrer uma nova infecção, embora mais leve. Isto está descartado?
R. Não está descartado, mas acredito que nesta pandemia todos nós gostamos de esquecer dos dados positivos que existiam, ou de dizer, que como ainda não havia dados, poderia se dar a possibilidade mais negativa. Isto não é muito cientifico, embora muitos cientistas tenham argumentado assim. Os pesquisadores necessitam dos dados para assegurar que este vírus durará muito tempo, ou que uma infecção concreta pode ser protetora ou não. Até que não se demonstre, não se pode saber, mas a ciência também se baseia na comparação com situações similares. O que sabemos agora é que pacientes que tiveram a SARS, que é o mais parecido que conhecemos [com a covid], inclusive naqueles que não manifestaram sintomas, eles mantinham a presença de anticorpos durante um ou dois anos no mínimo.
P. Suas mensagens são mais positivas do que se ouve habitualmente em relação à doença.
R. Acredito que os que transmitiram a visão mais negativa se baseiam mais em não deixar que ninguém venha lhes dizer depois “ah, mas você tinha dito isto” do que na ciência. A ciência se foca na análise dos dados, muitas vezes similares, porque você nunca tem 100% dos dados biológicos. Mas temos bastante informação sobre infecções virais, inclusive de vírus muito parecidos, como o da SARS, que me leva a pensar o que penso. Sempre temos que dizer que nunca saberemos que a proteção dura um ano até que não tenha se passado um ano, mas todos os dados, por enquanto, sugerem que é assim. Eduard Punset dizia que, enquanto não se demonstrasse o contrário, ele não morreria. Ao final faleceu. O fato é que, olhando ao nosso redor, todo mundo morre, de modo que o mais provável e o mais científico seria dizer que todo mundo morrerá algum dia. Isto é parecido. Em biologia, por enquanto, o que sabemos é que quem tem anticorpos está protegido.
P. Alguém que fez um exame de anticorpos há dois meses e dá positivo, e o faz agora e dá negativo – essa pessoa pode considerar que perdeu a imunidade?
R. É preciso considerar que está imunizado, não tem por que se preocupar com isso. Se foi gerado IGG é porque há reação de linfócitos T. É o mesmo que ocorre com as vacinas. As vacinas funcionam, embora se depois você olha os anticorpos, pode ser que não os tenha, mas está protegido. Quando você se vacina, mede que tenha se produzido uma resposta e mede os anticorpos, mas depois sabe que a vacina dura cinco ou dez anos e não volta a se vacinar, mas não vai medindo se os anticorpos caíram ou não. Não funciona assim.
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