A vacina universal contra todos os tipos e variantes da gripe
Dois grupos de pesquisadores obtêm vacinas contra vários subtipos do vírus Foram testadas em camundongos e macacos com um alto grau de eficácia
O vírus da gripe é derrotado cortando sua cabeça, literalmente. Dois grupos de pesquisadores, usando estratégias diferentes, conseguiram decapitar o vírus, criando uma versão inofensiva do mesmo, mas capaz de ativar o sistema imunológico contra a maioria dos tipos e das cepas que atacam os seres humanos. As vacinas foram testadas com camundongos, furões e macacos, que foram injetados com doses letais de dois subtipos que estão entre os mais agressivos de gripe. Todos ou quase todos os animais sobreviveram.
A gripe é um vírus realmente endiabrado. Se o compararmos com uma célula, em seu interior ele teria a carga viral, mas seu ataque depende de duas substâncias presentes em sua membrana externa. Uma delas é uma proteína, a hemaglutinina (HA), que provoca a aglutinação dos glóbulos vermelhos do sangue. A outra é uma enzima, a laneuraminidase (NA), que rompe as ligações que a HA estabelece com a célula infectada para contagiar novas células. Com as iniciais de ambas as letras, H e N, são classificados os diferentes tipos de gripe: H1N1, H10N7..., em função da estrutura específica de cada proteína e enzima.
Por isso, a vacina universal contra a gripe é um dos grandes desafios dos virologistas e da medicina preventiva: não existe uma gripe, mas muitas. Além disso, em quase todos os anos uma cepa domina as outras e é necessário reformular a vacina, que não protegerá se uma nova variante surgir. Finalmente, as vacinas atuais, como a trivalente, têm como alvo a cabeça da hemaglutinina. O problema é que esta tende a sofrer mutação com muita frequência, o que reduz a eficácia da vacina. Mas e se fosse encontrada outra parte do vírus que fosse mais estável contra a qual apontar? Isso é o que os pesquisadores norte-americanos conseguiram, por um lado, e os europeus, por outro. Ambos os grupos anunciaram suas candidatas para vacinas universais nesta segunda-feira.
A vacina norte-americana utiliza nanopartículas para modificar uma proteína-chave da gripe
Uma delas é obra de pesquisadores do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Contagiosas dos EUA. Cientistas de seu Centro de Pesquisa de Vacinas (VRC, na sigla em inglês) conseguiram, por meio da engenharia de proteínas, cortar a cabeça da hemaglutinina, mas mantendo o tronco tão funcional e estruturalmente semelhante a uma proteína da gripe original que conseguiram enganar o sistema imunológico e ativar a sua resposta.
“A cabeça da HA é imunodominante e, quando está presente, a resposta dos epítopos do tronco são menos proeminentes”, explica em um e-mail Barney Graham, pesquisador do VRC. Os epítopos são seções de hemaglutinina que ativam respostas do sistema imunológico, liberando anticorpos para defender o organismo. “Queríamos que a resposta imune fosse centrada no tronco, para aproveitar o largo espectro reativo dos epítopos dessa parte da molécula”, acrescenta. Assim, a possível vacina poderia ser usada em vários tipos de gripe.
A molécula de HA que eles usaram pertencia a duas cepas de H1N1. Foi submetida a um processo chamado desenho de proteínas. Por meio de uma série de alterações sucessivas nos aminoácidos que a formam, procurou-se preservar a capacidade imunogênica dessa parte vital do vírus e seu potencial para ativar as defesas do organismo contra um corpo estranho. “E, assim, estabilizar a proteína para que pudesse ser fabricada”, comenta Graham. Após seis evoluções, obtiveram uma HA sem cabeça, mas com todo o tronco alongado e capaz de continuar ativando os anticorpos.
Para verificar se funcionava, camundongos e furões foram imunizados com essa nanopartícula. Foi constatado que ambos os grupos de animais desenvolveram uma resposta imunitária não só para o subtipo H1, que procedia da proteína original, mas também para outros subtipos da família H. Mas era necessário comprovar sua eficácia. Para tanto, os animais foram inoculados com uma dose letal de uma gripe do tipo H5, das mais virulentas. Para comparar, também injetaram em outros animais tratados com a vacina trivalente (a versão comercial mais eficaz) e num terceiro grupo não tratado.
“O desafio da H5N1 é uma prova muito difícil para as vacinas baseadas em H1. Embora também pertença à hemaglutinina do Grupo 1, é um subtipo diferente e letal para os furões. Portanto, ao utilizar uma proteína H1 para proteger contra o ataque de uma H5, poderia mostrar suas possibilidades para que uma vacina similar em humanos pudesse oferecer proteção contra vírus da gripe muito diferentes”, explica o pesquisador do VRC.
Como explicado na revista Nature Medicine, todos os camundongos do grupo de controle morreram, mas aqueles tratados com a vacina sobreviveram. Em relação aos furões, a eficácia não foi completa, pois dois dos seis animais inoculados morreram. Mas, por outro lado, todos os não imunizados morreram.
Cortando a cabeça do vírus
A outra vacina foi desenvolvida na Holanda. Usando uma estratégia diferente, pesquisadores do Centro de Prevenção Janssen, da indústria farmacêutica do mesmo nome, e do Centro de Pesquisa Scripps (TSRI, na sigla em inglês), organização sem fins lucrativos, também decapitaram a hemaglutinina. Mas, neste caso, eliminaram a cabeça alongando o tronco sem afetar sua estrutura. Assim, o sistema imunológico poderia continuar a detectá-la.
A vacina europeia foi testada em macacos inoculados com uma dose letal de H1N1. Só os animais imunizados sobreviveram
Dessa vez, obtiveram quatro versões da vacina partindo de uma proteína da gripe H1N1. Uma delas, a mais semelhante à estrutura de cadeia tripla (trímero) da HA original, foi chamada # 4900. Como mostrado na revista Science, todos os camundongos expostos desenvolveram defesas, ativando uma taxa elevada de anticorpos para quase todos os subtipos H. Depois disso, verificaram sua eficácia em camundongos imunizados, que foram inoculados com doses letais de H1N1. Comprovaram que os roedores tratados em três sessões com a # 4900 sobreviveram. O teste foi repetido com um subtipo ainda mais letal, como a gripe H5N1, ou aviária. Novamente, os animais imunizados com a vacina sobreviveram.
Para se aproximar dos seres humanos, os pesquisadores testaram a vacina com um grupo de macacos-cinomolgos (Macaca fascicularis). Embora os seis animais inoculados com H1N1 tenham tido febre e outros sintomas de gripe, nenhum deles morreu. Os não tratados não tiveram a mesma sorte. Agora é preciso dar o próximo passo e testá-la com seres humanos.
“É um teste do princípio. Os testes mostram que os anticorpos ativados contra um subtipo de gripe podem proteger contra um subtipo diferente”, explica em uma mensagem o pesquisador Ian Wilson, coautor do estudo. Ainda há muito a ser feito: refinar uma e outra vacina, experimentá-las com humanos e comparar neles se essa abordagem no tronco da HA supera em eficiência as vacinas atuais. Mas, como diz Wilson, “o objetivo é, naturalmente, poder criar uma vacina de longa duração”.
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