_
_
_
_

“Para que Bolsonaro seja julgado em Haia é preciso mostrar a intenção de crime contra a humanidade”

Responsável por pedir a prisão de Kadafi quando comandou a promotoria do Tribunal Penal Internacional, Luís Moreno Ocampo avalia risco de presidente ser julgado por conduta na pandemia e pondera: "Nem tudo pode ser resolvido pelo direito penal. Por isso pessoas votam. O Congresso pode remover líderes do poder"

Luís Moreno Ocampo, ex-promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, Holanda.
Luís Moreno Ocampo, ex-promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, Holanda.Ralph Alswang (Ralph Alswang)
Mais informações
Indígenas de los grupos étnicos yeKuana y yanomami llegan al batallón especial fronterizo en Auaris (AM) para recibir atención médica de las Fuerzas Armadas, que se encuentran en la región tomando pruebas rápidas para detectar la covid-19, este martes en Auaris (Brasil).
Bolsonaro veta obrigação do Governo de garantir acesso à água potável e leitos a indígenas na pandemia
View of a mural depicting the Brazilian President Jair Bolsonaro putting on a face mask as he is surrounded by coronaviruses with his own face, in Rio de Janeiro's city centre, Brazil, on July 12, 2020, amid the novel coronavirus, COVID-19, pandemic. - The pandemic has killed at least 566,075 people worldwide since it surfaced in China late last year, according to an AFP tally at 1900 GMT on Sunday based on official sources. The United States is the worst-hit country with 135,066 deaths, followed by Brazil with 71,469 fatalities. (Photo by Mauro PIMENTEL / AFP)
Imagem do Brasil derrete no exterior e salienta “crise ética e de falência de gestão” com Bolsonaro
Bolsonaro Flamengo SBT
Desgastado, Bolsonaro se agarra ao Flamengo e a Silvio Santos

O advogado argentino Luís Moreno Ocampo, primeiro promotor-chefe do Tribunal Penal Internacional (TPI) em Haia, Holanda, avalia que seria preciso demonstrar que houve um plano de usar o coronavírus como ferramenta para exterminar toda ou parte da população para que o presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, seja investigado e julgado pela corte internacional que pune tiranos por crimes contra a humanidade. Bolsonaro já foi denunciado ao TPI em três queixas, por sua conduta no enfrentamento da pandemia do coronavírus. “A lei diz que crimes contra a humanidade pressupõem que tenha ocorrido uma política para cometer um ataque de larga escala ou sistemático. Precisa ter tido um plano”, explicou.

Ele evitou avaliar ações específicas de Bolsonaro, como o veto da lei que tornava obrigatório o uso de máscaras em locais públicos. De 2003, quando a corte entrou em funcionamento, a 2012, último ano de seu mandato, Ocampo conduziu investigações do TPI em sete países e pediu ordens de prisão, decretadas pela corte, contra Muamar al Kadafi, o ditador da Líbia morto em 2011, e Omar al-Bashir, o ditador do Sudão deposto e preso em 2019. De Malibu, na Califórnia, onde escreve um livro sobre sua atuação em Haia, ele conversou com o EL PAÍS.

Pergunta. Como o senhor observou o alerta feito pelo ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal, a Bolsonaro de que ele pode ser julgado por genocídio em Haia devido a sua conduta na pandemia do coronavírus?

Resposta. Não estamos prontos para entender exatamente como o mundo está reagindo e por que alguns países vão bem enquanto outros vão mal. Estamos aprendendo isso enquanto acontece. Sobre recorrer ao Tribunal Penal Internacional, a Corte exige que seja provada a intenção de cometer um crime contra a humanidade. Para ter um crime julgado em Haia, precisa ter sido demonstrada a intenção. Genocídio é provado pela intenção de destruir um grupo. Crimes contra a humanidade pressupõem uma política para conduzir um ataque contra a população. É preciso provar a intenção. A pandemia é uma oportunidade de pensar como devemos ajustar a arquitetura legal e de pensar como devemos usar a tecnologia para resolver esses problemas.

P. Como ficaria demonstrada a intenção de cometer um crime contra a humanidade?

R. A lei diz que crimes contra a humanidade pressupõem que tenha ocorrido uma política para cometer um ataque de larga escala ou sistemático. Precisa ter tido um plano. Isso precisa ser provado. É uma situação muito excepcional. Nem tudo pode ser resolvido pelo direito penal. Por isso pessoas votam. O Congresso pode remover líderes do poder. O controle pela lei penal é o último. Se tiver um plano de usar o coronavírus para exterminar populações, é diferente. É preciso provar um plano de exterminar a população. Não é suficiente negligência ou opinião pública divergente.

P. De que maneira esses planos foram provados em outros casos?

R. No caso de [Adolf] Eichmann [líder nazista julgado em Jerusalém pelo holocausto], foi necessário provar que houve uma reunião secreta para adotar a solução final [plano nazista de extermínio de judeus]. Na Argentina, quando condenamos os generais, revelamos os planos secretos deles. No caso de [Omar] al-Bashir, ele deu instruções oficiais para as Forças Armadas e protegeu os executores. Para abrir um processo criminal por genocídio dizendo que a pandemia foi usada como arma ou ferramenta, é preciso demonstrar que houve um plano nisso.

P. Isso precisa ser demonstrado mesmo para a abertura de uma investigação em Haia?

R. Os promotores do TPI precisam ter base razoável para acreditar que o genocídio ocorreu para começar uma investigação.

P. O que você achou dessa possibilidade de julgamento em Haia ter sido mencionada por um ministro da mais alta corte do Brasil?

R. O ministro soube atrair atenção para o problema. Marcou sua posição.

P. Como você avalia a ação de líderes que se igualam a Bolsonaro no trato da pandemia, como os do México, Nicaraguá, Bielo-Rússia e Turcomenistão?

R. Como promotor do TPI, monitorei líderes que cometeram crimes para ficar no poder, como Omar al-Bashir, e outros que não cometeram. Há diferenças. Desde o século XVIII aprendemos a preservar direitos em nível de Estados nacionais, mas agora no século XXI precisamos preservar os direitos de uma maneira que não estamos preparados. Celebramos inovações tecnológicas, mas faltam inovações em arquiteturas institucionais. A pandemia mostrou que precisamos dessas inovações. Não precisamos ser um Estado global, mas temos que aprender a usar tecnologias para melhorar o modo como cada pessoa se protege e como cada nível de autoridade possa fazer algo. Isso é novo. Não sabemos fazer isso. Pessoas acham que um líder vai resolver isso. Por isso, populistas ascendem ao poder.

P. Por que você acha que temos um arcabouço institucional tão fraco?

R. O voto não é suficiente para garantir direitos para todo mundo. Temos que continuar criando ferramentas para proteger pessoas. Ainda estamos vivendo no século 18. Temos que ajustar e melhorar instituições. Do contrário, pessoas vão recorrer a líderes autoritários. Os iPhones mudam a cada ano. Mas leva séculos para instituições mudarem. Em 1873, foi a primeira vez que propuseram a criação de uma corte penal internacional e isso levou 130 anos pra implementar. Há um desafio de como colocar novas tecnologias a serviço das pessoas e não dos governos. As tecnologias estão matando melhor e interferindo em eleições. Podemos colocar tecnologias a serviço das pessoas, incluindo dos mais pobres? Esse é o desafio.

Informações sobre o coronavírus:

- Clique para seguir a cobertura em tempo real, minuto a minuto, da crise da Covid-19;

- O mapa do coronavírus no Brasil e no mundo: assim crescem os casos dia a dia, país por país;

- O que fazer para se proteger? Perguntas e respostas sobre o coronavírus;

- Guia para viver com uma pessoa infectada pelo coronavírus;

- Clique para assinar a newsletter e seguir a cobertura diária.

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo

¿Quieres añadir otro usuario a tu suscripción?

Si continúas leyendo en este dispositivo, no se podrá leer en el otro.

¿Por qué estás viendo esto?

Flecha

Tu suscripción se está usando en otro dispositivo y solo puedes acceder a EL PAÍS desde un dispositivo a la vez.

Si quieres compartir tu cuenta, cambia tu suscripción a la modalidad Premium, así podrás añadir otro usuario. Cada uno accederá con su propia cuenta de email, lo que os permitirá personalizar vuestra experiencia en EL PAÍS.

En el caso de no saber quién está usando tu cuenta, te recomendamos cambiar tu contraseña aquí.

Si decides continuar compartiendo tu cuenta, este mensaje se mostrará en tu dispositivo y en el de la otra persona que está usando tu cuenta de forma indefinida, afectando a tu experiencia de lectura. Puedes consultar aquí los términos y condiciones de la suscripción digital.

Mais informações

Arquivado Em

Recomendaciones EL PAÍS
Recomendaciones EL PAÍS
_
_