Mesmo com recordes diários de casos de covid-19, Doria adianta plano que libera academias e cinemas
Esses estabelecimentos só poderiam reabrir nas fases finais do plano de retomada, mas agora têm permissão para voltarem mais cedo. Infectologistas alertam para o risco à população
Na última semana, São Paulo bateu recordes de casos de covid-19. Ainda assim, o governador João Doria (PSDB) decidiu que, em breve, ambientes fechados com alta capacidade de concentração de pessoas, como academias de ginástica, cinemas, teatros e museus, poderão voltar a funcionar em algumas cidades do Estado. Nesta sexta-feira, ele anunciou que a reabertura desses locais agora será contemplada na chamada fase amarela, a terceira do plano de retomada da economia, que estabelece a saída gradativa da quarentena. Inicialmente, esses locais abririam só nas duas últimas fases do plano, a quarta e a quinta.
Para as academias, a liberação do Estado é imediata para todas as cidades que estão na etapa amarela, que inclui a capital e alguns municípios do entorno, mas depende ainda de decisão dos prefeitos locais. Já cinemas e teatros, além de museus, galerias e eventos culturais com público sentado, podem voltar a funcionar depois que a cidade passar 28 dias ininterruptos nesta etapa. No caso da capital, a previsão, portanto, seria de retomada em 27 de julho, já que a cidade está na fase amarela desde 29 de junho. A determinação de qual fase a cidade está inserida se baseia em um cálculo, estabelecido em decreto, que leva em conta a taxa de ocupação dos leitos de UTI no município, além do número de novos casos, óbitos e internações ocorridos na semana anterior à reavaliação, feita a cada 14 dias.
O anúncio da mudança ocorreu no fim de uma semana em que tanto o Estado quanto a capital registraram recordes de novos casos de coronavírus. Somente de terça para quarta-feira, quase 9.000 novos casos da doença foram contabilizados na capital, o maior número até agora em um período de 24 horas. No total, o município de São Paulo tem 165.566 casos e 7.485 óbitos notificados. Já na quinta-feira foi a vez do Estado registrar mais de 12.000 novos casos, batendo seu próprio recorde e totalizando 310.517 casos e 15.694 óbitos.
Para o médico infectologista Plinio Trabasso, do Hospital das Clínicas da Universidade de Campinas (Unicamp), o adiantamento do plano de retomada é arriscado. “Principalmente por se tratar de academias, onde há muito contato físico e compartilhamento de equipamentos”, afirma. “A doença não é transmitida pelo suor”, explica, “mas quando se faz exercício e a frequência cardíaca aumenta, assim como o movimento que fazemos para encher os pulmões e soltar o ar em seguida, isso faz com que a potencialidade de transmissão de vírus cresça”.
De acordo com ele, usar máscara —algo que já é obrigatório em vias e transporte público em todo o Estado— em uma situação como essa, embora seja “mandatório”, vai ser uma medida de difícil adesão. “Eu não consigo entender como será possível fazer exercício físico de máscara. Ou a pessoa não vai usar, ou vai usar de maneira inadequada”, afirma. “Por isso, esse ambiente pode aumentar demais o risco de transmissão do vírus”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou uma orientação recentemente em que não recomenda o uso de máscaras durante a prática de exercício físico. Além de dificultar a respiração, o suor pode molhar as máscaras, facilitando a propagação de vírus e bactérias.
A gestão Doria justifica a viabilidade da reabertura desses setores com base em protocolos de higiene e distanciamento estabelecidos pelo próprio Governo. Além disso, determinou horários de funcionamento e público reduzidos, uso obrigatório de máscara e, no caso de cinemas, teatros e eventos culturais, a compra de ingressos deve ser pela internet, e o público só pode permanecer sentado e com distanciamento.
Restrições como essas fazem parte das obrigações dos setores que já reabriram, como lojas e shoppings. Ainda assim, a segurança do público não está garantida. O mapa do Estado de São Paulo divulgado nesta sexta-feira mostra que os municípios paulistas regrediram muito mais do que progrediram no caminho da volta da economia. No final de maio, a maior parte do Estado estava pintada de amarelo ou laranja, mostrando que a maioria das regiões já estava na segunda ou terceira etapa do plano de reabertura, e, logo, reabrindo estabelecimentos. Mas um mês depois, a imagem mais recente, divulgada nesta sexta-feira, mostra que o Estado está quase inteiro pintado de vermelho novamente. Ou seja, muitos municípios que reabriram as portas para a economia, tiveram que fechá-las novamente.
Raquel Stucchi, infectologista e pesquisadora da Unicamp, afirma que o mapa de São Paulo neste momento é preocupante. Não só pela cor, majoritariamente vermelha, mas porque neste momento, apenas uma pequena região, que compreende a capital e seus arredores, está amarela. “Se a gente olhar o mapa, vai ver que só existe esse centrinho amarelo, mas as cidades ao redor de São Paulo, como Campinas e Sorocaba, estão todas vermelhas”, diz. “Isso me preocupa, porque são municípios muito próximos, e é bem possível que as pessoas saiam do interior em direção à capital para utilizar os serviços que já reabriram lá e ainda não abriram aqui”, afirma. “O trânsito de pessoas me preocupa”.
A infectologista lembra que Campinas, a cem quilômetros da capital, reabriu as portas do comércio no início de junho e fechou cerca de 15 dias depois. “Em Campinas as coisas ficaram muito ruins com a flexibilização da quarentena, e ainda estamos pagando o preço disso”, afirmou. No município de São Paulo, que também retomou as atividades do comércio no início de junho, ainda não houve regressão de etapas. Hoje, a capital está na terceira fase de reabertura e se prepara para a volta de bares, restaurantes e salões de beleza na próxima segunda-feira.
Neste sábado, o prefeito Bruno Covas (PSDB) deve assinar os protocolos para essa retomada. Em todos os casos, público e horário de funcionamento serão reduzidos. E essa é uma das maiores queixas dos donos de bares e restaurantes, que, segundo proposta da Prefeitura, deverão funcionar por 4 horas diárias e encerrar suas atividades no máximo às 17 horas. O setor, no entanto, promete bater o pé. “Estamos pleiteando que o funcionamento vá até as 22 horas, e que fique aberto por até seis horas”, afirmou Percival Maricato, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel) em São Paulo. “É uma das reivindicações prioritárias”.
As imagens que circularam nesta sexta-feira da retomada dos bares no Rio de Janeiro podem adiantar o tamanho do problema que Covas terá pela frente na semana que vem: muitos estabelecimentos estavam lotados na última quinta-feira, em muitos casos com pessoas desrespeitando o distanciamento social e sem máscara. Para Plínio Trabasso, as cenas na capital carioca devem se repetir também em São Paulo. “O que aconteceu no Rio é o mesmo que vai acontecer aqui”, diz. “Está todo mundo em casa há um tempão, querendo sair. Vai ocorrer um efeito rebote”. Percival Maricato defende que será necessário um esforço em conjunto para que isso não ocorra. “O Governo instituiu que do lado de dentro dos estabelecimentos só podemos receber 50% da lotação máxima, não podemos vender para quem estiver de pé, temos que criar uma distância entre as mesas. Mas as pessoas também têm que ter suas responsabilidades”.
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