O sufoco de cuidar dos filhos pequenos e trabalhar
Domésticas não liberadas pelos patrões se desdobram e até perdem dinheiro. Quem conseguiu ‘home office’, reinventa rotina sem ajuda dos avós
Esta semana Naieta da Silva Ávila, 37, viu sua situação financeira já bastante frágil se deteriorar ainda mais. A faxineira recebe um salário mínimo por mês. Destes 998 reais, pouco mais de 380 são usados no pagamento do aluguel e das contas de água e luz da casa de um quarto que ela divide com seu filho, Luan Henrique, de dois anos, no Jardim Nova Cidade, na periferia de Guarulhos. Com o fechamento das escolas e creches públicas pelo poder público na tentativa de evitar a propagação do coronavírus, Naieta agora terá que desembolsar 200 reais para que uma vizinha tome conta da criança enquanto ela trabalha. Seus patrões, como tem sido comum no setor, não a liberaram do serviço até o momento. “É um dinheiro que faz muita falta no meu orçamento apertado”, lamenta. Agora vão lhe restar 418 reais para gastos de alimentação, saúde e roupa dela e de Luan. Em tempos de pandemia de coronavírus e salários incertos, cada real conta.
O fechamento de centenas de escolas e creches municipais, estaduais e privadas, uma medida preventiva recomendada pelas autoridades de saúde, está gradativamente entrando em vigor desde o final da semana passada, e a expectativa é de que seja concluído até o dia 23. Ele tem potencial para reduzir o contágio de crianças, ação importante para conter a pandemia, uma vez que, apesar de muitas vezes serem assintomáticos, os pequenos podem infectar avós e outras pessoas mais vulneráveis à doença. No entanto, a iniciativa criou um problema logístico enorme para milhões de famílias brasileiras que dependiam destes equipamentos para deixar os filhos e poder trabalhar. “Agora, além de trabalhar das 8h às 15h fazendo limpeza em casa de família, vou ter que chegar em casa e tentar cozinhar para fora. Talvez faça trufas para vender, não sei ainda...”, diz Naieta, pensando em como complementar a renda para fechar o mês no azul.
O fechamento das escolas apresenta uma série de desafios e alterações na rotina até para quem desde o início da crise passou a trabalhar em casa. “Na creche ele se alimentava muito bem, e agora temos que organizar isso aqui em casa durante o dia, enquanto trabalhamos e cuidamos da limpeza, da roupa e de todo o resto”, explica Luciano Cossinas, 35, músico e professor, pai de Antônio, 3. Ele e a mulher, Cecília, 34, estão trabalhando de casa desde segunda-feira. “Eu tento trabalhar uma hora, paro um pouco para brincar com ele, mas é puxado porque ele sente falta de criança da idade dele para correr pra cima e pra baixo”, diz. Uma vez que os alunos não estão mais indo até a residência de Luciano para as aulas de música, ele tem ensinado por vídeo-chamada. “Vira e mexe o Antônio interrompe as aulas batendo na porta, querendo atenção”, diz. Nos primeiros dias, ele e Cecília chegaram a acionar os pais para ajudar com o filho, mas a informação de que idosos têm uma tendência a desenvolver uma forma grave de doença logo desmobilizou esta rede de apoio. “Então ficamos em casa nós dois. E e ele”.
A impossibilidade de contar com familiares tem sido um dos principais desafios para as famílias com crianças pequenas. “Os avós eram super presentes no dia a dia, tinham até uma escala semanal de quando ficavam com o neto enquanto íamos trabalhar”, diz Clara Dias, 33, mãe de Tito, de um ano e quatro meses. Ela e o companheiro, Flávio Moura, 41, dispensaram (mas continuam pagando) uma mulher que os ajudava a cuidar do filho. Agora, além de trabalhar de casa eles precisam ficar de olho no pequeno e ainda organizar as tarefas domésticas. “Eu tive que tirar um pouco o pé do trabalho, porque é uma sobrecarga e eu não estava acostumada. Acho que ainda não achamos a melhor maneira de conciliar tudo”, diz. Nesta situação, alguns vilões acabam se tornando aliados. “Sempre evitamos ao máximo deixar o Tito ver televisão, mas agora temos usado isso como recurso para distraí-lo. São 20 minutos nos quais podemos trabalhar mais concentrados, ou limpar a casa”, afirma.
Além de não ter com quem deixar o filho, a empregada doméstica Naieta também prevê uma logística maior com a alimentação e um aumento dos gastos com comida, já que durante o período em que fica na escola Luan recebe merenda. Para muitas famílias de baixa renda, a garantia destas refeições é fundamental para alimentar os filhos. A prefeitura de São Paulo ainda estuda uma maneira de fazer com que as refeições sejam entregues para os alunos. O secretário de Educação, Bruno Caetano, afirmou na segunda-feira que existem duas possibilidades para resolver o problema: uma delas seria o envio de cestas básicas para as famílias, e a outra a transferência de recursos que possam comprar alimentos. “A gente não vai deixar estas crianças desassistidas, nós vamos fornecer o alimento para elas”, afirmou.
Sem creches e escolas, algumas mães também são obrigadas a levar os filhos para o local de serviço. É o caso de Fátima Frazão, 40, moradora da Vila Ré, na zona leste de São Paulo, que trabalha na casa de uma família. “Não tenho ninguém de confiança com quem deixar, e além disso não tenho como pagar para alguém tomar conta”, diz, referindo-se ao seu casal: Riquelme, de 10 anos, e Sofia, de 5. “Eu preferia estar em casa. Meu filho mais velho é especial, tem um problema na coluna, tenho medo de ter que ficar levando ele pra cima e pra baixo, mas neste momento não tenho opção”. A situação preocupa Fátima especialmente porque a família para quem ela trabalha tem um integrante com sintomas de gripe. “Tento ficar distante dela [a pessoa doente], e manter meus filhos longe também. Mas tenho medo que peguem alguma coisa...”.
Segundo Nathalie Rosário de Alcides, advogada do Sindicato das Empregadas e Trabalhadores Domésticos da Grande São Paulo, o Sindoméstica, essas trabalhadoras teriam o direito de faltar de forma justificada sem ter o salário suspenso. “Quando a empregada não tem com quem deixar o filho é preciso que haja empatia e bom senso por parte do empregador. Além do que, as ausências em função do coronavírus não podem sem descontadas: seriam uma espécie de licença remunerada conforme estipula a lei federal 13.979 de fevereiro 2020”, diz. Ela destaca, porém, que muitas desconhecem este direito. “Infelizmente muitas não sabem [desta lei], e além do mais, em uma situação de crise econômica e incerteza na qual as pessoas estão perdendo seus empregos, existe um medo de confrontar o empregador e exigir o pagamento”, afirma. As diaristas e faxineiras autônomas, no entanto, estariam legalmente descobertas, “por isso é preciso que haja solidariedade”.
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