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Governo aposta no verão e em ação coordenada para frear propagação do coronavírus no Brasil

Expectativa é de que coronavírus se espalhe mais lentamente por causa de temperaturas mais elevadas. São Paulo cria comitê de contingenciamento e monitora 30 familiares de paciente infectado

Passageiros com máscara em precaução ao coronavírus no Aeroporto de Guarulhos.
Passageiros com máscara em precaução ao coronavírus no Aeroporto de Guarulhos.AMANDA PEROBELLI (Reuters)
Beatriz Jucá

A identificação do paciente zero com o novo coronavírus no Brasil ―termo usado para descrever a primeira pessoa infectada por uma determinada doença viral― impulsionou a criação de uma rede de ações coordenadas para evitar uma rápida propagação do vírus no país. Embora o único caso brasileiro confirmado seja importado, autoridades de saúde e pesquisadores começam a tentar traçar o padrão de comportamento do coronavírus num país tropical, algo ainda inédito. E esperam que a possível disseminação dele no Brasil seja mais lenta do que nos países do hemisfério norte por conta do verão, quando há temperaturas mais elevadas, um ambiente adverso ao coronavírus, e quando as pessoas tendem a ficar menos aglutinadas em locais fechados que no inverno. Se até então o Governo brasileiro monitorava principalmente pessoas vindas da China (epicentro da epidemia), passa agora a considerar também o fluxo, muito maior, de turistas da Europa, onde a doença tem ganhado força nos últimos dias. Também se prepara para disponibilizar máscaras e outros insumos em unidades de saúde de todos os Estados, se antecipando ao provável aumento da demanda. Até esta quarta-feira, 26 de fevereiro, havia pelo menos 20 casos suspeitos da doença em investigação no país e o Ministério da Saúde promete fazer declarações diárias informando o status do problema.

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A passenger wearing a face mask checks his mobile phone on a bus, following an outbreak of the novel coronavirus in the country, in Beijing, China February 21, 2020. REUTERS/Stringer  NO RESALES. NO ARCHIVES.
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São Paulo, a megalópole brasileira com elevado fluxo de brasileiros e estrangeiros, foi, não por acaso, a porta de entrada para o Coronavírus no Brasil. O paciente zero com a doença Covid-19 é um empresário de 61 anos que mora na capital paulista, mas esteve na Itália a trabalho durante 12 dias. Retornou ao Brasil na última sexta-feira em um voo com uma parada em Paris, na França. Sem apresentar qualquer sintoma, se reuniu com cerca de 30 familiares em um almoço de família no domingo. Somente na segunda-feira procurou um hospital particular após manifestar febre e tosse, sintomas comuns inclusive em casos de infecção por outros vírus respiratórios que já circulam no Brasil. Como relatou ao médico sua estadia na Itália, país que havia entrado para a lista de disseminação da doença, foi testado para o coronavírus. O resultado positivo foi confirmado em um contrateste.

O empresário agora está em isolamento domiciliar porque apresenta sintomas brandos da doença, e o protocolo internacional é de manter internado apenas quem apresentar um quadro clínico mais grave. De casa, ele usa máscara, tem seu lixo descartado separadamente e evita estar no mesmo cômodo que a esposa. Ambos são monitorados por equipes de saúde pública, mas até o momento ela não manifestou sintomas da doença. Equipes da Anvisa, do Ministério da Saúde e da Prefeitura de São Paulo estão em contato também com os 30 parentes que estiveram com o paciente infectado, além de oito passageiros que estavam num raio de até duas poltronas em todas as direções do empresário na aeronave. A orientação é que, caso algum deles apresente febre e algum sintoma respiratório (como coriza, tosse ou falta de ar), procure uma unidade de saúde. Essas pessoas “contactantes” não estão em quarentena, mas são orientadas a evitar aglomerações e a tomar os mesmos cuidados preventivos que o restante da população: lavar regularmente as mãos, manter-se hidratado e com uma alimentação saudável.

O alerta gerado pela confirmação do primeiro caso de coronavírus impulsionou o Governo do Estado de São Paulo a criar um comitê de contingenciamento, com especialistas preparados para dialogar tanto com autoridades de saúde federais, estaduais e municipais quanto com autoridades de outras áreas, caso haja necessidade, a depender da evolução de casos no país. Ainda não há informações sobre como exatamente o grupo atuará na prática, mas o infectologista David Uip, coordenador do comitê, afirma que São Paulo está preparada para lidar com a Covid-19, doença que surge a partir de uma modificação genética do coronavírus. “Não tem nenhuma novidade o que estamos tratando aqui hoje. Passamos pelo H1N1 e outras infecções virais há muitos anos”, afirma. Uip garante ainda que a rede paulista de leitos hospitalares, sendo 7.000 de UTI, é suficiente para atender um possível aumento de demanda pelo coronavírus, pois eles serão destinados apenas aos casos graves da doença.

No âmbito nacional, o ministro Luiz Henrique Mandetta anunciou já ter feito uma licitação para a contratação emergencial de 1.000 leitos de CTI em caso de necessidade, informa o repórter Afonso Benites. O ministro também disse que, dentro de uma semana, todos os Estados brasileiros receberão máscaras e outros insumos já comprados pelo Governo para se prepararem a uma maior demanda de pacientes por conta do coronavírus. Ele diz que o momento não é de pânico, mas de se preparar para notificar os possíveis casos num contexto em que o verão e o clima tropical podem contribuir para uma disseminação mais lenta. Mesmo que novos casos possam ser confirmados nos próximos dias, Mandetta argumenta que o padrão do vírus observado na China dá pistas sobre a transmissibilidade e a baixa letalidade do coronavírus. “A gravidade da doença está de moderada a leve”, endossa o secretário de vigilância em Saúde, Wanderson Kleber de Oliveira.

“Não há razão para pânico, mas precisamos ficar alerta porque tudo pode mudar”, acrescenta o secretário-executivo da Saúde de São Paulo, Alberto Kanamura. Ele explica que a maior chance de uma pessoa transmitir o coronavírus é quando está com sintomas e que pesquisas mostram que, no inverno dos países do hemisfério norte, um infectado tem transmitido a doença para uma média de três pessoas. E compara com o sarampo, quando essa média de transmissão chega a 20 pessoas.

O virologista Gúbio Soares ―que integra o Instituto de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Bahia e desenvolveu um teste rápido que pode identificar o coronavírus em cerca de três horas― acha difícil que o vírus se espalhe pelo Brasil na mesma velocidade de países como a Itália. “O clima mais quente do país não ajuda a propagação em pleno verão. As salivas e gotículas das pessoas também secam rapidamente. Não acredito que haja uma disseminação descontrolada no país”, afirma.

Gúbio Soares diz que o sistema público de saúde vem se preparando para dar respostas rápidas a uma possível propagação da doença desde janeiro, mas sugere que o Governo se antecipe em pedir autorização de mais recursos financeiros ao Congresso, caso precise oferecer recursos rapidamente para comprar equipamentos e insumos numa situação de emergência. A experiência de outros países mostra, por exemplo, que há um grupo mais suscetível a contrair o coronavírus, como pessoas acima de 60 anos, com a imunidade comprometida ou com comorbidades (a exemplo de pessoas transplantadas, portadoras de HIV sem tratamento e pacientes com câncer).

É nesse contexto que o Governo decidiu antecipar a vacinação contra outros vírus respiratórios que já circulam pelo país, como por exemplo Influenza e H1N1. A partir de março, as vacinas serão disponibilizadas com novos componentes às modificações comuns desses vírus, informa o Ministério da Saúde. O virologista Gúbio Soares afirma que esta será uma ação importante para evitar coinfecções, com a contração de mais de um vírus que poderia agravar quadros clínicos. O infectologista David Uip também vê a medida como positiva neste momento que o país está prestes a ver o retorno de vírus sazonais. “Com isso, você diminui a prevalência de pelo menos três vírus, dois Influenza A e um B”, explica.

O ministro Luiz Henrique Mandetta ainda aproveitou o caso de coronavírus no Brasil para cobrar que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considere a doença uma pandemia, quando não está mais concentrada em territórios específicos. A medida seria um reconhecimento de que a doença infecta, simultaneamente, pessoas ao redor do mundo e permitiria ampliar a lista de alerta de países para a doença.

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