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Luta contra o coronavírus entra em estágio inédito com rápida dispersão da doença

Xi Jinping admite que é a "a mais grave emergência de saúde” da China desde 1949. OMS alerta que “o tempo para agir está se esgotando”. Itália, Irã e Coreia do Sul tem aumento súbito de casos

Macarena Vidal Liy
Controles médicos contra o coronavírus no aeroporto de Najaf, no Iraque.
Controles médicos contra o coronavírus no aeroporto de Najaf, no Iraque.ALAA AL-MARJANI (Reuters)
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A bus carrying the passengers from the quarantined Diamond Princess cruise ship prepares to leave a port in Yokohama, near Tokyo, Thursday, Feb. 20, 2020. The cruise ship started letting passengers who tested negative for the virus leave the ship Wednesday. Test results are still pending for some people on board. (AP Photo/Eugene Hoshiko)
Morrem dois passageiros do cruzeiro em quarentena no Japão

Já se passou um mês, e parece que foi um século. Em 22 de janeiro, a China foi dormir com a ideia de que Wuhan, a capital de Hubei, tinha um problema com alguns casos de infecção pelo novo coronavírus. No dia 23 acordou com a cidade em quarentena; mais quinze teriam o mesmo destino, com aproximadamente 60 milhões de habitantes. Hoje, o surto já é uma epidemia que limita os movimentos de centenas de milhões de pessoas dentro da China, apresenta numerosos surtos em vários países e ameaça se transformar em uma pandemia mundial que os médicos não sabem se acabará desaparecendo, como no caso do SARS, ou se transformará em endêmica como a infecção por HIV/AIDS. Os casos se espalharam para outras duas dúzias de países, três dos quais – Coreia do Sul, Irã e Itália – vivenciaram um súbito aumento de contágios dentro de suas fronteiras nos últimos três dias.

O presidente chinês Xi Jinping afirmou no domingo que a epidemia de Covid-19, a doença causada pelo novo coronavírus, representa “a mais grave emergência de saúde” da China desde a fundação de seu atual sistema político em 1949. O mandatário falou em uma reunião extraordinária: uma videoconferência na qual participaram os quase 200 membros do Comitê Central e seus suplentes (o maior corpo governante do Partido Comunista), os principais líderes militares e as principais autoridades regionais do país.

A dispersão dos focos de contaminação do coronavírus desenha um novo cenário que está prestes a lançar pelos ares, se já não o fez, o pilar da luta contra a doença sobre o qual trabalha a Organização Mundial de Saúde (OMS) desde a descoberta do SARS-CoV-2: a contenção dentro das fronteiras chinesas mediante quarentenas draconianas do grosso da epidemia em Hubei e a rápida identificação e controle dos casos que surgiram em outros países.

A Coreia do Sul, que já tem 602 contaminados, protagonizou o primeiro grande aumento de contágios internos. Foi imediatamente seguida pela Itália, que desde sexta-feira registrou três mortes e aproximadamente 130 casos. E a OMS e os especialistas estão especialmente preocupados com o Irã, país que até terça-feira passada afirmava não ter infectados em seu território, mas neste domingo divulgou 15 novos casos, subindo para 43 o número de infectados e oito mortes. O motivo do alerta? Quatro pessoas – duas nos Emirados Árabes Unidos, uma no Líbano e outra no Canadá – foram diagnosticadas com coronavírus recém-desembarcadas de um voo vindo do Irã. Quando um país começa a exportar casos, dizem os especialistas, significa que o vírus há dias já circula entre sua população, algo que as autoridades iranianas não foram capazes de detectar a tempo e não informaram antes.

A estratégia da China e da OMS, que declarou o alerta internacional em 30 de janeiro, de centrar a luta em evitar que o surto possa assentar-se em outros países permitiu ganhar tempo, como dizem os especialistas. Mas em declarações no sábado, o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, reiterou o que já disse na sexta-feira: “Está se esgotando o tempo para agir” e controlar a doença antes que se transforme em um problema global. E expressou sua preocupação pelos casos em que a origem do contágio não está clara: os de pessoas que não viajaram à China e não entraram em contato com outra pessoa doente. Singapura já tem pelo menos sete desses casos, e o Japão tem um problema semelhante. A Itália também ainda não conseguiu determinar a origem do contágio de seu suposto “paciente zero”.

Ao longo desse mês, o vírus – cujo período de incubação se estabeleceu em 14 dias ainda que alguns estudos o elevem a 24 – demonstrou ser muito contagioso. Além dos focos citados, em cinco prisões chinesas infectou mais de 500 pessoas, aparentemente, em só uma semana. O cruzeiro Diamond Princess, que a burocracia japonesa decidiu colocar em quarentena no porto de Yokohama em 3 de fevereiro com 3.700 pessoas a bordo, acabou gerando mais de 600 infecções. E se a Coreia do Sul já supera os 600 casos isso de deve a uma “supercontaminadora” de 61 anos, ligada a uma seita cristã e relacionada à metade dos casos positivos do país. Também tem outro foco em um hospital de um condado próximo, Cheongdo.

“O que não se sabe é se é um vírus que se transformará em endêmico e atacará as populações em risco em todo mundo, ou não”, diz o professor de Epidemiologia de Doenças Infeciosas na London School of Hygiene e ex-diretor executivo do grupo de Doenças Contagiosas da OMS, David Heymann. Para o especialista, é uma “doença séria” porque, por ser novidade, o ser humano nunca havia sido exposto a ela e, portanto, não possui defesas.

A OMS corroborou os estudos chineses elaborados entre milhares de pacientes – na China quase 77.000 pessoas foram infectadas, e mais de 2.400 morreram –, que verificaram que 80% dos contágios são leves; 20% graves e muito graves, e 2% acabam em morte. A maioria das vítimas mortais é de idosos que sofriam outra doença (diabetes, doenças coronárias, problemas respiratórios), enquanto o vírus parece atacar menos as crianças.

Como diz Heymann, o problema mais grave chega quando o vírus enfraquece as células protetoras das vias respiratórias e ocorrem outras infecções oportunistas. “É uma doença muito séria nos seres humanos, mas não é mais espetacular do que outras doenças pulmonares. As pessoas morrem quando surge uma oportunidade para ocorrer outra doença bacteriana”, afirma.

Uma delegação da OMS que está na China nessa semana e já visitou Pequim, Cantão e a província de Sichuan deveria chegar no sábado em Wuhan, a cidade em que se originaram os primeiros casos e se concentra a maioria dos quase 77.000 contágios na China. Mas ainda que os últimos dados no país pareçam indicar o começo de uma remissão – no sábado, o número de novos contágios não chegou aos 400, enquanto no dia anterior foi de quase 900 –, a OMS pede cautela. “É muito cedo para se fazer previsões sobre o surto”, alertou o diretor geral em declarações feitas no sábado, em uma reunião com responsáveis africanos.

“Nossa maior preocupação continua sendo o potencial para que a Covid-19 se propague em países com sistemas de saúde mais frágeis”, afirmou Tedros, que se referiu especificamente aos países do continente africano: “Estamos trabalhando duro para preparar essas nações diante da possível chegada do vírus”.

No total, fora da China, foram detectados 1.200 casos em 26 países, como indicou o responsável da OMS. Deles, oito infecções acabaram em morte, incluindo um caso no Egito, o primeiro no continente africano. No Oriente Médio, os Emirados Árabes Unidos também declararam um contágio.

Segunda onda na China?

Na China, onde a doença se originou, centenas de milhões de pessoas vivem há semanas em situação de semiquarentena, com sua liberdade de movimentos restringida. Em várias cidades de Hubei, incluindo Wuhan, a restrição é extrema: após o Governo central declarar uma “guerra popular” contra o vírus, ninguém pode sair de suas casas a menos que seja para ir a um médico e prestar serviços essenciais.

A atividade econômica está quase paralisada e muitas empresas pequenas e médias temem por sua sobrevivência. Linhas de ônibus, de trem e aéreas estão suspensas. Aproximadamente 200 milhões de pessoas que estavam fora de casa quando as medidas de contenção foram anunciadas não puderam retornar.

Uma das preocupações das autoridades chinesas é, justamente, o que pode acontecer quando os que estão fora de suas casas retornarem, se pode ocorrer uma segunda onda de contágios após as últimas quedas progressivas. Heymann não descarta a possibilidade: “É preciso estar preparado caso aconteça”, afirma.

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