A agressiva doença de pele que fez o MP pedir a interdição de prisão em Roraima
Órgão quer que Governo de Roraima apresente plano para isolamento e tratamento dos presos infectados. Celas com capacidade para três pessoas são ocupadas por 15
O Ministério Público de Roraima pediu a interdição parcial da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo, a PAMC, após um surto de uma doença que ataca a pele infectar ao menos 24 presos. Relatos dão conta que a infecção faz com que presos se sintam “comidos vivos”. A Justiça de Roraima analisa a solicitação “com a maior brevidade possível”, segundo assessoria de imprensa.
Informações do Governo de Roraima atualizadas na última quarta-feira (22/1) afirmam que 15 pessoas infectadas ainda estão sendo tratadas no Pronto Atendimento Airton Rocha, em Boa Vista. Segundo a Sejuc (Secretaria de Justiça e Cidadania), a doença também foi identificada: piodermite, do tipo impetigo, que é uma infecção de pele oportunista, que ocorre quando já existe uma lesão de pele como a escabiose, também conhecida como sarna humana.
A Pastoral Nacional Carcerária divulgou uma nota nesta quarta-feira (22/1) em que destaca que o diagnóstico comprova que já havia um surto de sarna não controlado. “O caso não é isolado, é regra no sistema prisional. A piodermite é uma infecção de pele causada por bactérias e resultado de uma sarna não tratada. Os presos já estavam doentes muito antes do surto atual, mas a administração da penitenciária e o Estado, que são responsáveis pela vida dos presos enquanto eles estão sob sua custódia, nada fizeram”, diz o texto, que também destaca que as condições de saúde nas prisões, em geral, são extremamente precárias.
A sarna é provocada por ácaros que atacam a superfície da pele e ali se reproduzem. “O macho morre e a fêmea penetra na pele humana, cavando um túnel, por um período aproximado de 30 dias. Depois, deposita seus ovos. Quando eles eclodem, liberam as larvas que retornam à superfície da pele para completar seu ciclo evolutivo”, segundo definição da Sociedade Brasileira de Dermatologia. É ela que deixou o terreno livre para as bactérias que causam a piodermite chegarem.
Nesta segunda-feira (20/1), o promotor de Justiça Antonio Cezar Scheffer e a juíza Joana Sarmento —ambos de Execução Penal— visitaram a Penitenciária Agrícola do Monte Cristo e blocos do Hospital Geral de Roraima, onde estão sendo atendidos detentos doentes.
Segundo informações do MPRR, a ação pede a interdição parcial da unidade prisional por causa do surto e da superlotação. “Se antes a PAMC detinha 1.575 presos espalhados em aproximadamente 145 celas, com o indevido aumento totalizou-se 2.086 presos, ou seja, resultou em quase 15 reclusos por cela de 6m², embora sejam projetadas para apenas três pessoas. Os promotores destacam ainda no documento ser desumano permitir que praticamente três pessoas ocupem o mesmo metro quadrado durante 22 horas por dia, com apenas 2 horas de banho de sol”, diz nota.
Em reportagem publicada pela Ponte no último domingo, Hélio Abozaglo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RR, informou que os detentos atingidos pela doença têm feridas profundas nos pés, nas mãos e muitos deles não conseguem nem andar por causa das dores causadas pela infecção.
O MPRR também requer a intimação pessoal dos titulares da Sejuc (Secretaria de Justiça e Cidadania) e da Secretaria de Saúde do Estado para que apresentem, no prazo de 24 horas, um plano de emergência para o isolamento e tratamento dos presos infectados.
A Ponte procurou, por e-mail, a assessoria de imprensa da Sejuc que informou que as demandas relativas ao caso devem ser encaminhadas ao Governo de Roraima. A reportagem então questionou o Governo de Roraima, sob o comando de Antonio Denarium (sem partido), e pediu esclarecimentos sobre as investigações relativas ao surto e mesmo medidas que serão tomadas no curto prazo.
Em nota, a Sejuc informa que "15 reeducandos estão no Pronto Atendimento Airton Rocha, em Boa Vista. Desses, 7 passam por tratamento de pele. Outras 14 pessoas encontram-se internadas em blocos do HGR (Hospital Geral de Roraima) em tratamento de outras doenças não relacionadas à bactéria, totalizando 29 presos doentes”.
“Os casos se tratam puramente de piodermite, do tipo impetigo, que é uma infecção de pele oportunista, que ocorre quando já existe uma lesão de pele tipo escabiose. Os reeducandos passaram por atendimento de infectologista e dermatologista, estão recebendo tratamento com antibióticos e reposição de vitaminas”, informou a pasta.
Histórico de violações
Em janeiro de 2017, a PAMC foi cenário de um massacre com 33 mortos durante uma investida do PCC (Primeiro Comando da Capital) contra o CV (Comando Vermelho). O caso aconteceu poucos dias depois do massacre com 60 mortos em Manaus, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj. Na época, o juiz Marcelo Lima Oliveira mandou 161 detentos do semiaberto para a casa com o objetivo de evitar um banho de sangue. Criticado, ele concedeu, à época, uma entrevista à Ponte em que chamou as prisões de “depósito de gente”.
“A decisão foi tomada porque havia um informe da inteligência da polícia de que a próxima rebelião, ou algo do gênero, seria justamente naquele centro, que é um local onde há vários problemas de segurança há algum tempo”, ponderou Oliveira.
No final de 2018, a Ponte divulgou uma denúncia de falta de alimentos, desaparecimento e mortes na unidade prisional. A informação foi confirmada pela Pastoral Carcerária, que, na época, auxiliava famílias a encontrar ao menos sete presos que tinham simplesmente sumido da PAMC.
Esta reportagem foi inicialmente publicada no site da Ponte Jornalismo.