Escalada da violência prisional ameaça atingir outros Estados do Norte
Em Boa Vista adversários trocam advertências enquanto parentes enterram seus mortos População de Roraima teme que crimes transbordem as prisões e ganhem as ruas
Quatro coveiros descem um simples caixão de madeira em uma vala e alguns lançam punhados de terra sobre ele no cemitério Campo da Saudade, em Boa Vista, capital de Roraima. Além de choro, orações, gritos e lamentações habituais em qualquer cerimônia de sepultamento, há tensão e comentários que se repetem em vários dos 14 enterros do local neste sábado. Fala-se que a guerra das facções criminosas, que matou 33 só no Estado, está apenas começando e logo ocorrerá banho de sangue em outras cadeias, principalmente no Norte do país. Dizem que Roraima não tinha nada a ver com essa briga, mas agora virou o foco e pode haver outras represálias inclusive nas ruas. E há uma indignação dominante: o Estado falhou na proteção aos seus detentos.
As opiniões de familiares e amigos dos mortos no massacre da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (PAMC), na última sexta, não são isoladas. Foram corroboradas por cinco autoridades e especialistas em segurança pública entrevistados pelo EL PAÍS. Todas foram categóricas em apontar que após os 97 mortos em Manaus e Boa Vista desde o primeiro dia do ano, o Estado de Rondônia deverá registrar novos ataques.
“Já recebemos vários informes de que a próxima chacina deverá acontecer em Porto Velho ou no interior de Rondônia. Repassamos a informação. Agora cabe aos governos se mexerem”, afirmou Lindomar Sobrinho, presidente do Sindicato dos Agentes Penitenciários de Roraima e diretor da Federação Nacional do Sistema Penitenciário. Assim como outros agentes, Sobrinho também teme ser vítima dos presos. Para onde vai, ele anda com uma pistola pendurada na cintura.
No cemitério, há ainda outra reclamação comum: a de que os mortos não faziam parte de uma ou outra facção em guerra, nem do Primeiro Comando da Capital, a poderosa facção paulista que estendeu seus tentáculos na estratégica Roraima, na fronteira com a Venezuela, nem do Comando Vermelho e seus aliados da emergente Família do Norte. “A covardia dos assassinos foi tamanha que só pegaram gente que não tinha nada a ver com ninguém. Meu amigo, mesmo, só queria cumprir a pena dele. Morreu porque não quis ir nem para um lado, nem para o outro”, afirmou um conhecido do detento Clealbert Dutra Guimarães, preso há quase dez anos por homicídio e formação de quadrilha. Guimarães foi um dos que tiveram o corpo esquartejado, num dos símbolos da escalada da crueldade e demonstração de força dos grupos criminosos.
Dos 33 mortos na última sexta-feira, o Instituto Médico Legal roraimense havia liberado até a noite deste sábado 28 para serem enterrados. Quatro ainda dependiam de documentação que seria providenciada pela família. Um, identificado como Alex Souza da Silva, ainda não teve os restos mortais reclamados e poderia ser enterrado como indigente.
Reforços, reunião e esvaziamento da prisão
Neste domingo, o Ministério da Justiça informou que enviará equipamentos de varredura e armamentos para os governos do Amazonas, Rondônia e Mato Grosso reforçarem suas equipes que atuam nos presídios. A ajuda em Manaus já chega tarde. Nas primeiras horas deste domingo, ao menos quatro presos foram mortos na Cadeia Pública de Manaus, local para onde quase 300 detentos foram transferidos após o massacre do primeiro dia do ano. Só em 2017, 99 presos morreram em matanças em cadeias (64 no Amazonas, 33 em Roraima e 2 na Paraíba). O Governo Temer também tenta sair da espiral de contradições que se envolveu sobre a ajuda. No próximo dia 17, o ministro Alexandre de Moraes se reunirá com representantes de todos os 26 Estados e do Distrito Federal para debater estratégias para conter a onda de violência penitenciária.
Em Roraima as autoridades também reagiram. Temendo novas mortes, dois juízes determinaram que um grupo de 161 detentos do regime semiaberto que cumprem pena no Centro de Progressão Penitenciária de Boa Vista fossem cumprir o regime domiciliar por seis dias. Até o próximo dia 13, os presos dessa prisão poderão dormir em casa. Hoje, eles trabalham nas ruas e passam a noite no CPP. No despacho, os juízes Marcelo Oliveira e Suéllen Alves citaram que havia o risco de uma nova “tragédia no sistema penitenciário”. Esta penitenciária abriga sentenciados de baixa periculosidade, não tem muralhas e o efetivo de agentes é baixíssimo, menos de quatro por turno. No sábado, a reportagem esteve no local e entrou no complexo sem ser barrada ou encontrar qualquer funcionário que pudesse impedir o ingresso.
Nas ruas da periferia da pacata Boa Vista, apesar da aparente calmaria, a discussão sobre as mortes era constante em qualquer mercadinho ou bar que estava funcionando neste domingo. Pessoas temiam que a escalada da violência transbordasse as prisões a chegasse à vizinhança.
Nos últimos dois meses, três policiais foram assassinados fora de serviço. O número é maior do que os anos inteiros de 2014 e 2015 somados, quando apenas dois policiais foram mortos, segundo estatísticas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Com a declarada guerra das facções criminosas PCC, Família do Norte e do rompimento de um pacto de não-agressão entre a primeira e o Comando Vermelho (do Rio de Janeiro) há uma evidente apreensão nas ruas.
No bairro boa-vistense de Santa Teresa, um recado recém-pintado de vermelho em um muro já avisava quem passasse por lá: “CV RR. O terror é nóis (SIC)”. A sigla significa exatamente Comando Vermelho de Roraima. O que chamou a atenção dos moradores do bairro era que a região é conhecida há pelo menos três anos por ser um reduto de pequenos traficantes do PCC. “Qualquer um aqui na rua sabe que as bocas de fumo são do PCC. Quando alguém picha esse aviso no muro, tá dando recado pra bandidagem”, afirmou um dos comerciantes da região, que diz se relacionar bem com os vendedores de drogas do bairro, mas agora pensa em fechar sua loja mais cedo para não ter de testemunhar crimes ou, pior, ser vítima deles.
Nos presídios o recado também foi dado. Como disse o presidente da seccional de Roraima da Ordem dos Advogados do Brasil, Rodolpho Morais: “O que aconteceu no PAMC foi reflexo de Manaus. Era para um criminoso poder dizer para o outro ‘nós tomamos o poder’. Agora, o medo é que isso extrapole mais ainda”, afirmou.
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