TRF-4, por unanimidade, amplia pena de Lula no caso do sítio de Atibaia
Por 3 votos a 0, juízes do tribunal de segunda instância rejeitaram os argumentos da defesa. Também não consideraram decisão do STF sobre delatores e delatados
Por 3 votos a 0, a 8ª turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), segunda instância dos casos da Operação Lava Jato de Curitiba, decidiu nesta quarta-feira manter a condenação do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no caso do sítio de Atibaia (interior de São Paulo). Contudo, o juiz relator João Pedro Gebran Netro defendeu aumentar a pena do petista para para 17 anos, um mês e 10 dias por corrupção passiva e lavagem de dinheiro, no que foi seguido pelos colegas. Lula havia sido condenado em fevereiro a 12 anos e 11 meses de prisão pela juíza Gabriela Hardt, substituta da 13ª Vara Federal no Paraná. A defesa do ex-presidente aposta agora nos recursos apresentados em instâncias superiores.
Em seu voto preliminar, Gebran Neto negou todos os pedidos de suspeição tanto Hardt como de Sergio Moro (ex-juiz da Lava Jato em Curitiba e atual ministro da Justiça), ao negar que houve "conotação política" no processo. Além disso, entendeu que o processo não deve voltar à fase das alegações sinais, isto é, o momento em que defesa e acusação apresentam seus últimos argumentos antes da condenação em primeira instância. A defesa se baseava anulação de duas condenações do Supremo Tribunal Federal, entre elas do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine, em outubro deste ano. Os ministros do STF entenderam na ocasião que os réus delatados devem ter o direito de se manifestar depois das alegações feitas por seus delatores. Na ação do sítio, delatores e delatados se manifestaram ao mesmo tempo, o que, segundo o entendimento do Supremo, fere o princípio de constitucional de ampla defesa. "É uma decisão que claramente afronta a Suprema Corte", protestou Cristiano Zanin, advogado de Lula, que disse a defesa ainda analisa de que forma irá recorrer.
Os juízes do TRF-4 entenderam que a defesa de Lula não provou que houve prejuízo ao réu. "A juíza jamais usou as alegações finais usadas pelos colaboradores, não tendo ocorrido prejuízo concreto", afirmou o desembargador Leandro Paulsen. O artigo 563 do Código de Processo Penal determina que "nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa". Além disso, Gebran Neto, que disse não comungar da decisão do Supremo, afirmou entender que o tribunal fez uma mudança processual que não deve ter "efeito retroativo".
A decisão do Supremo não teve efeito no caso do sítio de Atibaia porque o Supremo ainda não decidiu quais são os limites da decisão, deixando a questão aberta à interpretações, segundo explica o advogado Davi Tangerino, professor da FGV e da UERJ e ex-assessor do ministro Ricardo Lewandowski no STF. "O voto de Gebran Neto parece reforçar isso. Eles estão atuando dentro de uma interpretação plausível a partir de uma brecha, ou omissão, que o Supremo gerou".
Isso ocorre, prossegue Tangerino, porque o Supremo não ainda não determinou se o entendimento do tribunal deve gerar uma nulidade "relativa" ou "absoluta". "Se o Supremo determina pela nulidade absoluta, significa que existe um prejuízo implícito e inequívoco para defesa. E aí o TRF-4 estaria amarrado nesta decisão", explica o advogado. Mas a questão segue em aberto e alguns ministros, como Carmen Lúcia, chegaram a defender que cada caso deveria ser analisado de forma isolada.
Além disso, não há critérios claros sobre o que é um prejuízo para o réu, ficando ao critério do juiz de turno decidir se houve ou não. "O que é um prejuízo para o réu? Como a gente mede isso? O Direito é cheio desses lugares meio vazios, operando numa linguagem hermética que não quer dizer nada", explica Tangerino. "É muito difícil que você tenha uma bala de prata que realmente leve a uma absolvição. Nesse sentido, nunca haverá prejuízo para o réu", prossegue. O que fazer então? "O ministro Ricardo Lewandosky defende é que nunca vamos conseguir medir o prejuízo, mas de todas as formas tirou-se a possibilidade de defesa do réu. E então a nulidade precisa ser reconhecida. Outra possibilidade então qualificar o que é prejuízo", acrescenta.
"Copia e cola" de Hardt
Os advogados de Lula também argumentaram que a juíza Gabriela Hardt copiou, em sua sentença, trechos da decisão de Moro relacionada ao tríplex. Na época da decisão, Hardt estava encarregada do processo no lugar do ex-juiz Sergio Moro, que deixou a magistratura para ser ministro da Justiça do Governo Jair Bolsonaro. E, para a defesa, o procedimento demostra que a juíza não analisou detalhes do caso e que a condenação já estava pré-estabelecida, reforçando a tese de perseguição jurídica da Lava Jato ao ex-presidente.
Porém, Gebran Neto negou que haja irregularidade no fato de que a sentença de Hardt contenha trechos da sentença de Moro referente ao caso Triplex. "Nenhum trecho de mérito segue reproduzido. São trechos meramente informativos típicos do relatório", afirmou o relator. O magistrado afirmou que os trechos similares aparecem em 40 dos 3.800 parágrafos do texto, isto é, em apenas 1% da sentença. Portanto, não deve ser considerado copia e cola, defendeu. "Se estamos mesmo falando de 1%, tecnicamente a decisão do relator está correta", opinou Tangerino.
Os juízes também negaram a suspeição de Hardt, ao rejeitar o argumento da defesa de que a juíza atuou de forma imprópria com Lula durante seu depoimento — Gebran Neto afirmou que foi Lula quem "buscou confrontamento com a juíza". O relator também negou que as mensagens de procuradores e do ex-juiz Sergio Moro, reveladas pelo The Intercept Brasil e jornais parceiros, entre eles o EL PAÍS, na série Vaza Jato, devam ser consideradas no processo. Para ele, trata-se de "provas ilícitas" de "matérias de jornal". Assim, ele também negou o pedido de suspeição de Moro por considerar que a defesa não provou que ele quebrou sua imparcialidade.
Outras questões levantadas pela defesa, como o grampo no escritório de advogacia da defesa de Lula ou a incompetência da Justiça Federal de Curitiba para julgar o caso, também não foram consideradas. "Não me surpreende a decisão. Existe um custo político, sobretudo no momento em que ficam alardeando tanto sobre impunidade e prescrição, um tribunal declarar a nulidade e anular o processo. Acredito que existe uma tendência geral dos tribunais a não acolherem teses de nulidade. E se acharem que o resultado foi exagerado, acho que estão mais abertos a absolver ou reduzir a pena", opina Tangerino.
A sentença do sítio foi a segunda condenação de Lula na Operação Lava Jato, ao entender que houve vantagem indevida das empreiteiras OAS e Odebrecht para o pagamento das reformas da propriedade. Segundo a acusação, o sítio pertencia ao ex-presidente, apesar de ele não ser o seu proprietário formal — o imóvel está em nome de um amigo, Fernando Bittar. Os juízes do TRF-4 entenderam que a questão da propriedade não era o mais relevante, mas sim o fato de que o petista utilizava o imóvel com frequência e que esteve envolvido nos trâmites para reforma do sítio. Assim, referendaram a acusação do Ministério Público de que os valores seriam parte da propina paga pelas empresas para garantir contratos com a Petrobras.
Lula já estava impedido de concorrer a eleições em razão da condenação relacionada ao tríplex, já que a lei da Ficha Limpa proíbe que políticos condenados em decisões colegiadas de segunda instância possam se candidatar. A decisão desta quarta reitera a suspensão dos direitos políticos do ex-presidente. Além do petista, o empreiteiro Marcelo Odebrecht teve sua condenação por corrupção ativa por crimes envolvendo empreiteira Odebrecht também ratificada. Fernando Bittar, proprietário formal do sítio, também teve sua pena de três anos de prisão por lavagem de dinheiro confirmada.
O ex-presidente ficou preso por 580 dias em razão de outro caso, relacionado a um apartamento tríplex em Guarujá (SP), que, segundo o Ministério Público Federal, foi oferecido a ele também pela OAS para obter vantagens durante os Governos petistas. Nesse caso, os juízes do TRF-4 confirmaram a condenação em segunda instância, o que levou à prisão de Lula, em 7 de abril de 2018, e a sua posterior inelegibilidade, com base na Lei da Ficha Limpa. No início deste mês, Lula foi colocado em liberdade com base em uma nova interpretação do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre possibilidade de prisão após condenação em segunda instância. Por seis votos a cinco, o Supremo decidiu que o início do cumprimento de pena de condenados deve ocorrer apenas depois do trânsito em julgado de seus processos, ou seja, após esgotados todos os recursos.
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